Pesquisa

O Equador geomagnético da Terra

Antonio José Silva Oliveira

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

SÃO LUÍS- Vamos abordar neste artigo o comportamento das linhas do campo magnético na superfície da Terra, sua origem e como seus efeitos influem na formação e orientação de materiais ferromagnéticos sintetizados por organismos vivos, tais como bactérias e algas, e orientação por congelamento do campo em utensílios cerâmicos quando em sua produção por povos que viviam há três mil anos na América, também discutiremos os estudos realizados e sua importância para compreensão do campo magnético da Terra denominados de campo geomagnético. Iniciaremos com uma descrição histórica e científica do campo magnético.

A origem da palavra magnetismo está associada ao nome de uma região da Turquia que era rica em minério de ferro, a Magnésia, e à propriedade que fragmentos de ferro têm de ser atraídos por um minério encontrado na natureza, de composição química Fe3O4, a magnetita. Os fenômenos magnéticos foram os primeiros a despertar a curiosidade do homem sobre o interior da matéria, e sua primeira utilização prática foi a bússola, inventada pelos chineses, que tinha a função de orientação. O magnetismo sempre despertou muita curiosidade e está associado ao fenômeno pelo qual um ente tem o poder de atrair e influenciar outro ente. Tomemos dois ímãs permanentes e aproximemos um do outro. Dependendo de como são orientados, eles se atraem ou se repelem. Albert Einstein foi levado a pensar que só existe um único campo, o campo eletromagnético, e que sua concepção depende do nosso movimento em relação a ele. Ou seja, uma carga elétrica pontual estática em relação a um observador produz um campo elétrico, e o que chamamos de campo magnético é causado pelo movimento dessa carga em relação ao observador. Dessa forma, não podemos associar a origem do campo magnético a uma carga isolada, e, sim, o movimento da carga com velocidade v, ou melhor, uma carga em movimento que gera uma corrente elétrica que, por sua vez, gera um campo magnético. Uma consequência é que, como as velocidades relativas são muito menores que a velocidade da luz, as forças magnéticas são muito menores que as forças elétricas.

Em termos práticos, quando falamos em ímã, lembramo-nos daquele que gruda em porta de geladeira, conhecido como “imã de geladeira”. O ímã também é conhecido como azougue em alguns estados do Nordeste do Brasil. A produção de um ímã é feita pelo congelamento de material ferromagnético que é submetido a altas temperaturas na presença de um campo magnético forte e, em seguida, resfriado adiabaticamente, congelando os seus domínios magnéticos. Dessa forma, o material se torna um material vítreo que, quando se quebra, assemelha-se ao vidro. O ímã, mesmo chamado de ímã permanente, perde as propriedades e suas funções com o tempo, tendo que ser substituído na eletrônica básica.

Um ímã é um dipolo, tem sempre dois polos, "norte" e "sul". Por definição, o polo sul de um ímã é o que é atraído pelo polo norte magnético da Terra. Os dipolos não podem ser separados. Se um ímã for dividido ao meio, obtêm-se dois ímãs menores, cada um com um polo norte e um polo sul.

Um eletroímã é um imã que se baseia em campos magnéticos gerados por cargas em movimento. Ou seja, uma peça de liga de ferro, com um fio enrolado, por onde circula energia elétrica.

Figura 1 - Linhas de campo magnético em um ímã em barra ilustrada com limalhas de ferro.
Figura 1 - Linhas de campo magnético em um ímã em barra ilustrada com limalhas de ferro.

Podemos nos indagar: e a origem do campo geomagnético? Experimentalmente, poderíamos dizer que a Terra é um grande ímã, ou como se fosse. Por meio de uma bússola ou equipamento equivalente, podemos detectar a presença do campo magnético pela presença de linhas de campo em toda a sua superfície (Figura 1). Mas não é bem assim. A tese mais aceita pela comunidade cientifica é que, à medida que penetramos no interior da Terra, encontramos uma camada externa, um manto altamente viscoso e um núcleo, que consiste de uma porção sólida envolvida por uma pequena camada líquida. O manto e o núcleo externo têm, em sua composição, uma grande quantidade de elementos de transições, como Mg, Fe, Al, Si, S. Como a Terra tem um movimento de rotação sobre seu próprio eixo, relativamente, o núcleo gira em um movimento contrário ao da camada externa, arrastando consigo as cargas livres e- devido à perda de elétrons por transições dos metais provocados pelo atrito, pela pressão e alta temperatura, gerando assim um movimento de elétrons em um plano médio na superfície mais interna. Portanto, como cargas em movimento gerando uma corrente elétrica, que por sua vez produz um campo magnético normal ao plano do movimento das cargas, denominamos esse fenômeno de campo geomagnético.

Podemos, então, concluir que o campo magnético da Terra não é causado por depósitos magnetizados de ferro, mas em grande parte por correntes elétricas do núcleo externo líquido.

Correntes elétricas induzidas na ionosfera também geram campos magnéticos. Tais campos são sempre gerados perto de onde a atmosfera é mais próxima do Sol, criando alterações diárias que podem defletir campos magnéticos superficiais de até um grau.

Figura 2 - Ilustração do Planeta Terra em camadas mostrando o arrastamento de cargas que é responsável pelo Campo Geomagnético
Figura 2 - Ilustração do Planeta Terra em camadas mostrando o arrastamento de cargas que é responsável pelo Campo Geomagnético

Outro fator é pensar a Terra como um grande ímã em barra, mas isso somente para efeito didático, pois o que distingue a Terra magneticamente é sua magnetosfera provocada pelo seu movimento de rotação. É claro que, se a Terra parasse de girar em torno de seu eixo, cessaria o seu campo geomagnético. Um exemplo disso é a Lua, que não tem movimento de rotação, ou seja, ela não gira em torno do seu eixo. Outro é o planeta Júpiter, cujo período orbital é de cerca de 10 horas, gerando em sua magnetosfera um campo 10 vezes superior ao campo geomagnético da Terra.

Quem considerou a Terra como um grande ímã foi Willian Gilbert, em seu livro De Magnet, em 1600. O campo magnético terrestre assemelha-se a um dipolo magnético e pode ser visualizado em termos de um conjunto de linhas de força que saem de um extremo do ímã, chamado polo norte, e reentram no outro extremo, o polo sul. O eixo desse dipolo magnético faz um ângulo aproximado de 12º com o eixo de rotação da Terra. Dessa forma, o equador geomagnético não coincide com o geográfico.

Figura 3 - Ilustração do planeta Terra como um grande imã representado pelas linhas de campo. Observe que existe uma inclinação entre o eixo do equador geográfico (G) e o eixo do equador magnético (M)
Figura 3 - Ilustração do planeta Terra como um grande imã representado pelas linhas de campo. Observe que existe uma inclinação entre o eixo do equador geográfico (G) e o eixo do equador magnético (M)
Figura 4 - – Inclinação do Campo Magnético (M) em relação ao Equador Geográfico (G).
Figura 4 - – Inclinação do Campo Magnético (M) em relação ao Equador Geográfico (G).

Pelo fato de os campos serem mais fortes nos polos magnéticos Norte e Sul, as cargas e partículas eletrizadas que chegam à Terra tendem a fluir para os polos. O polo geomagnético, em sentido físico, é, na realidade, um “polo sul”, ou seja, ele atrai o Norte de uma agulha magnetizada quando colocada em uma bússola. O centro da região da magnetosfera é o local em que podemos observar a aurora boreal.

Figura 5 - Ilustração esquemática de cargas eletrizadas que chegam à Terra sendo atraídas pelo campo magnético dos polos
Figura 5 - Ilustração esquemática de cargas eletrizadas que chegam à Terra sendo atraídas pelo campo magnético dos polos
Figura 6 - Foto tirada da sonda espacial Indiana do polo norte geomagnético da Terra e formação da Aurora Boreal.
Figura 6 - Foto tirada da sonda espacial Indiana do polo norte geomagnético da Terra e formação da Aurora Boreal.

Outros estudos utilizando técnica de espectroscopia de Mössbauer, que é uma técnica que consiste no uso do efeito Mössbauer na identificação de espécies químicas usando radiação gama por pesquisadores brasileiros falam em congelamento de domínios magnéticos realizados em cerâmicas confeccionadas há 3.000 anos por índios que habitavam a região Nordeste. Esses estudos determinaram que a inclinação do campo geomagnético varia com o tempo.

Em agosto de 1995, uma equipe de pesquisadores do INPE e da NASA realizou um experimento que envolveu o lançamento de 33 foguetes a partir do Centro de Lançamento de Alcântara com instrumentos científicos para estudarem o comportamento do campo geomagnético na região, chamado de operação Guará, comprovando a existência de uma única componente de campo tangente à superfície da Terra na região. Os foguetes mediram e registraram o movimento das partículas carregadas de átomos que acontece no Equador magnético. É na região do Equador magnético que as interferências dos serviços de telecomunicações são mais intensas. O resultado dos estudos foi que o campo magnético terrestre passa em cima na região entre o Cabo de Alcântara e a Ilha de São Luís.

Figura 7 – Equador Geomagnético passando acima de São Luís – MA. A única componente do campo é a horizontal, campo magnético máximo
Figura 7 – Equador Geomagnético passando acima de São Luís – MA. A única componente do campo é a horizontal, campo magnético máximo

Anteriormente, em 1975, pesquisadores norte-americanos notaram que um tipo de bactéria encontrado em uma lama de um poço de água salobra, sobre a ação de um campo magnético, deslocava-se para um lado e para o outro dependendo de sua polaridade. A descoberta marcante deu origem ao estudo de micro-organismos que poderiam ser orientados por campo, denominados bactérias magnetostáticas. Foi uma descoberta única na história do magnetismo e da biologia. Ela mostrou uma influência direta e repetitiva do campo geomagnético da Terra sobre um organismo vivo. A influência do campo sobre esses organismos é pelo fato pelo de eles sintetizarem a magnetita. A cadeia de magnetita opera como uma bússola, orientando a bactéria no mesmo sentido das linhas de campo magnético da Terra.

Recentemente, em estudos realizados por pesquisadores da UFMA, foi determinada a existência, ao longo dos manguezais de São Luís e em seu entorno, de bactérias com orientação magnética Norte e Sul, comprovando indiretamente o que foi descoberto na operação Guará e que estamos na interface entre os dois polos, onde a componente do campo magnético tangencial a superfície da Terra é máxima. Podemos, então, terminar este artigo saudando a inspiração de César Nascimento, ao denominar a Ilha de São Luís de “Ilha Magnética”.

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