A trajetória de Nascimento Morais Filho no caminho da imortalidade literária

Poeta maranhense, responsável por obra memorável sobre Maria Firmina, completaria 98 anos neste mês

Nelson Melo / Especial para O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19
Ludovicense, se estivesse vivo, Nascimento Morais Filho completaria 98 anos
Ludovicense, se estivesse vivo, Nascimento Morais Filho completaria 98 anos (NASCIMENTO MORAIS )

SÃO LUÍS - No último dia 15 de julho, foi comemorado o nascimento do poeta maranhense José Nascimento Morais Filho, um dos expoentes do Modernismo no Maranhão. Ludovicense, se estivesse vivo, completaria 98 anos. Evidentemente, ele continuaria produzindo, em termos literários, pois sua trajetória foi marcada por vitórias nesse campo, com descobertas que enriqueceram a cultura local. O que o escritor ofereceu ao público ultrapassa a fronteira entre o começo e o fim, o que o torna além do seu tempo. A vida desse gênio é a força que movimenta outros autores em busca da originalidade.

Nascimento Morais é o arquétipo do herói de uma maneira peculiar, não apenas por conta de sua pesquisa brilhante acerca da escritora Maria Firmina dos Reis, como, principalmente, pela maneira como se dedicava aos estudos, uma de suas paixões. Para ele, compreender o então incompreensível era apenas uma questão de saber como iniciar. A partir do primeiro passo, o caminho para o êxito estava aberto, para além de atalhos que poderiam se tornar um obstáculo para a perfeição literária. Sistematizar um pensamento era algo que o poeta fazia como ninguém.

Em sua memorável obra sobre Maria Firmina, o poeta maranhense descreveu os pormenores da carreira da escritora, desde o nascimento dela, em 1825, em São Luís/MA, até o seu falecimento, em 1917, em Guimarães/MA. Essa genialidade de Nascimento Morais Filho para a literatura parece ser consanguínea, em um sentido metafórico, pois o pai dele, José do Nascimento Moraes, também se destacou como escritor. Este foi poeta, romancista, cronista, ensaísta e jornalista, além de ter sido autor da excepcional obra “Vencidos e Degenerados”.

A habilidade de Nascimento Morais Filho com as letras era impressionante. Em “Evocação”, ele observa que é o sofrimento dos sem nome, a voz dos oprimidos, sendo que a liberdade é abordada como tendo a forma da Cruz e a cor do sangue. Sua poesia teve abrangência internacional. Se o planeta fosse o próprio Universo, sua literatura, sem sombra de dúvidas, percorreria o espaço-tempo na velocidade da luz ou na velocidade dos seus pensamentos. Esse “clamor da hora presente” era a forma como lutava contra as mazelas sociais. Ele combateu o bom combate com a sabedoria de quem sabia para onde estava indo, sem medo de enfrentar os perigos.

” - levanta-te - ó sol sem poente! e uma luz de arrebóis brilhará para sempre!”. A rima não era apenas para oferecer uma estética ao texto, como, também, para servir como inspiração às pessoas que desejavam lutar por seus ideais. Para Nascimento Morais Filho, não havia causa perdida, enquanto houvesse alguém disposto a trilhar os caminhos do sucesso. A área ambiental também foi um tema abordado pelo autor, tanto que, em uma das fases de sua vida, foi reconhecido internacionalmente em uma homenagem do Greenpeace.

Em fevereiro de 2009, Nascimento Morais Filho faleceu, mas sua imortalidade no campo literário não pode ser ignorada. Sentimentalmente, ele ainda vive na memória dos familiares, amigos e admiradores. A sua produção não precisa ser lembrada, pois jamais será esquecida. O fim é apenas uma questão de ponto de vista. O que realmente importa é o que produzimos e deixamos para as próximas gerações. Esse é o segredo da existência e o caminho para a eternidade. .

Expoente do Modernismo

A professora universitária Natércia Moraes Garrido, neta de José Nascimento, é uma das pessoas que se esforça para que o lado poeta dele seja sempre enfatizado em qualquer análise sobre o seu avô. Autora da obra “A Poética Modernista em ‘Azulejos’ de Nascimento Morais Filho”, ela assinalou que o aspecto modernista já pode ser detectado bem antes de 1950, durante o funcionamento do Centro Cultural Gonçalves Dias (CCGD), fundado em São Luís por Morais Filho juntamente com outros intelectuais da época.

Esse centro, aliás, teve papel muito importante na década de 1940, uma vez que seus integrantes promoviam debates relacionados à literatura e à cultura, e, ao mesmo tempo, divulgavam ideias e pensamentos novos no contexto maranhense. Isso, de certa forma, já introduzia o Modernismo em nosso estado. Nesse sentido, a essência da Semana de Arte Moderna, considerada o marco que consolidou o movimento modernista no Brasil, chegava ao território maranhense e era difundido pelo CCGD.

Natércia, em sua obra, descreve que, na década de 1940, vários intelectuais saíram do Maranhão para o eixo Rio-São Paulo, “seja por necessidades econômicas, seja por perseguição política de caráter provinciano, ou ainda por falta de espaço ou patrocínio local que os permitissem escrever e expor suas ideias”. Mas outros ficaram, como Nascimento Morais Filho, que, com os demais, lutou por questões cruciais e de interesse social.

Conforme Natércia Garrido, o Centro Cultural Gonçalves Dias surgiu com o objetivo de ler e discutir textos, autores e estética até então inacessíveis aos jovens maranhenses. Nas palavras da autora, “desta forma, entende-se que o verdadeiro diálogo com a proposta modernista no tocante ao rompimento com o academicismo, só acontece quando esta geração maranhense começa a publicar seus escritos a partir de 1940”. Nascimento Morais Filho, nesse contexto, integrou esse movimento e ajudou na difusão dessa nova forma de escrever poesias.

A neta do poeta observou que somente no período de 1950 os intelectuais da década anterior “voltarão mais ativamente para a reflexão social”, com textos sobre desigualdade social, luta pelo direito de sobreviver, liberdade e denúncias contra o descaso da cidade. Ela menciona a obra “Clamor da hora presente”, de Nascimento Morais Filho, que possui características distintas e amadurecidas em comparação com o poema “Horizonte vesperal”, também escrito pelo avô dela.

A professora Natércia observou que o seu avô levou para as rodas de debate, no Centro Cultural Gonçalves Dias, ideias de nomes ilustres, como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, no sentido de renovar o interesse do público para questões mais próximas da realidade, em comparação com apenas a estética do próprio texto. O pai de Nascimento Morais Filho, o também escritor José Nascimento Moraes, autor de “Vencidos e Degenerados”, ofereceu seu apoio aos jovens intelectuais.

Embora não se possa ignorar a importância do poeta Bandeira Tribuzzi para o Modernismo no Maranhão, sendo que ele passou uma temporada em Portugal e retornou a São Luís com inovação poética, também é importante destacar o papel que Nascimento Morais Filho exerceu para a difusão do movimento modernista aqui. Morais também é autor de outras obras, além de “Clamor da hora presente”, como “Azulejos”, “Esfinge do Azul”, “Pé de Conversa” e “Esperando a Missa do Galo”.

Bem como “Maria Firmina dos Reis: fragmentos de uma vida”, sendo que essa (re)descoberta da obra da romancista maranhense é reconhecida no mundo inteiro, transformando-se em temas de trabalhos acadêmicos no Brasil e fora do País. O escritor e jornalista Manoel Santos Neto se refere a Nascimento Morais Filho como um “espírito irrequieto, alma generosa e combativa”, além de um “homem único e múltiplo, polêmico e incorruptível, um ícone de todas as nobres causas”.

A produção literária de Nascimento Morais Filho, portanto, não pode ser ignorada, pois sua poesia está registrada na história da literatura maranhense. Ou melhor, na literatura mundial. O dia 15 de julho é o começo da vida de um homem que dedicou sua vida inteira para a preservação dos valores estéticos literários por meio de textos repletos de significados sociais e filosóficos. A voz do poeta, que faleceu em 21 de fevereiro de 2009, continua ecoando para além das fronteiras e dos oceanos, contribuindo para inovações no fascinante mundo da poesia.

A pesquisa sobre Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis é considerada a primeira escritora negra do Brasil, sendo que nasceu em São Luís no dia 11 de outubro de 1825. Sua obra “Úrsula” continua ecoando pelo mundo. Filho do escritor José Nascimento Morais Filho, Renan Nascimento Morais frisou que seu pai foi o responsável pela descoberta de Maria Firmina e pela divulgação de sua brilhante obra literária no cenário maranhense, onde até então era desconhecida. Por dez anos, prosseguiu o médico-veterinário e presidente da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (Anclivepa/MA), José realizou uma extensa pesquisa sobre a escritora maranhense.

Maria foi a primeira romancista da literatura brasileira e primeira poetisa da literatura local, sendo muito estudada nas grandes universidades internacionais. “Úrsula”, importante frisar, tornou-se o primeiro romance da literatura afro-brasileira, tendo sido publicado em 1859, e denuncia, em sua mensagem implícita no explícito enredo, as condições pelas quais os africanos e mulheres passavam no período anterior à abolição da escravatura no Brasil. O médico-veterinário ressaltou a importância indiscutível da escritora não apenas para a literatura maranhense, como, também, para a mundial. O pai dele, aliás, foi o autor da primeira biografia da romancista, que foi intitulada “Maria Firmina: fragmentos de uma vida”, lançada em 1975.

Inclusive, salientou Renan, Nascimento Morais Filho inaugurou, em 1975, na Praça do Panteon, região central de São Luís, o busto de Maria Firmina. O poeta, com seu projeto de resgate da romancista, demonstrou sua preocupação em preservar a memória cultural do Maranhão, fomentando os estudos de diversas áreas do conhecimento, como Antropologia, Artes Plásticas e Literatura.

Da pesquisa feita pelo seu pai, resultaram trabalhos acadêmicos e obras sobre Maria Firmina, com destaque para a tese sobre a romancista defendida por Charles Martin na Universidade de Nova York. Martin, em seu texto, descreveu que o romance Úrsula foi publicado em 1859, mas o nome da autora era representado pelo pseudônimo “uma Maranhense”, passando a circular em 1860.

Maria Firmina, cabe descrever, mostrou a importância feminina na literatura como reconstrução da história, levando a reflexões sobre a questão escravocrata e da mulher. Segundo autores de trabalhos sobre a autora, ela era autodidata e seus conhecimentos foram adquiridos por meio de muitas leituras. Reis, inclusive, lia e escrevia em francês fluentemente. Charles Martin cita em sua tese que, segundo pesquisa de José Nascimento Morais Filho, Firmina foi a única aprovada em concurso para professora primária na Vila de Guimarães, aposentando-se em 1881, e também fundou a primeira escola mista do Maranhão.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.