Artigo

Lições da pandemia

José Armando de Oliveira Filho, Médico-cirurgião vascular

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

"Êh COVÍÍÍÍDIIIIOOOO”. Essa foi a denominação da minha filha Luíza para o Covid-19. Diante dos desafios precisamos de encorajamento e justificativa positiva pra encará-lo. Quando criança via estivadores descarregando caminhões, com sacos de 60 kg na cabeça, suados, cansados, com dinheiro no bolso, sorrisão nos lábios, por ter resistido a mais um dia de trabalho de força e resiliência. O dia seguinte seria quão ou mais puxado. O que vi e vivenciei na pandemia, me fez relembrar 30 anos atrás. Desde o início imaginava que não seria simples. Mergulhei de maneira reticente na assistência aos pacientes internados em enfermaria ou admitidos em UTI, com medo de contaminação e de carrear o vírus pra dentro da minha casa, contaminando filhos ou contactantes, sensação de boa parte dos colegas de trabalho. O agente invisível, inodoro, microscópico e virulento responsabilizado por inúmeras mortes pelo mundo, chegou ao Brasil por São Paulo, rompeu as barreiras do país continental de forma rápida e se tornou real para os brasileiros. Os primeiros pacientes foram admitidos e a demanda por profissionais “voluntários” cresceu em todos os serviços hospitalares.

O medo da doença e morte paralisou tudo. Ruas desertas, comércios fechados, restrição ou bloqueios de circulação de pessoas, estocagem de medicamentos, comida e insumos de higiene com aumento de preços, vídeos com imagens da pandemia na TV ou de forma compartilhada via celular.

Qual seria meu papel nessa pandemia? Pelas histórias que vi e conversa com minha esposa também médica, a resposta foi: assistir a quem precisa. E assim fui. Sentir o ambiente, compor equipe multidisciplinar, inspecionar pacientes, entender parâmetros dos respiradores, interpretar exames, discutir com os mais experientes, alguns mais jovens, pra definir conduta em doentes críticos ou potencialmente graves foi engrandecedor.

Vi pacientes jovens, gestantes e idosos com risco de morte, intubados por vários dias receberem alta médica. Mas alguns conhecidos ou amigos tiveram complicações com doenças vasculares trombóticas, preditores de gravidade. Outros sucumbiram ao vírus, com muito pesar, deixando saudades eternas.

O desenvolvimento da vacina é a expectativa de todos, mas a conscientização quanto ao uso de máscaras em espaços públicos, manutenção de isolamento e identificação de contaminados é fundamental para o controle da pandemia. Por experiência pessoal, mesmo com a exposição crescente no trabalho não fui contaminado, ratificando a importância das medidas de controle sanitárias.

Os profissionais da saúde demonstraram empatia e altruísmo nessa pandemia. As equipes de assistência (enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, psicólogos, técnicos e limpeza) permaneciam por até seis horas em ambiente fechado, com máscaras e face shield, sem beber água e enfrentando várias outras restrições. Experiência que testou o limite físico-psicológico de cada um, valiosa pra desenvolver sentimento de equipe, com respeito às individualidades e foco no resultado.

O suor traz alegria, depois do empenho a recompensa; mantras reforçados por essa vivência inesquecível, com o pensamento de sermos eternos aprendizes.

Todos mudaram sua rotina, inclusive familiares. Um pouco de entropia, por uma causa justa, só fortalece. Paciência com foco na resolução de demandas é o comportamento esperado pelos profissionais e usuários do SUS. Vi o potencial humano da rede pública, constatei a existência de recursos que quando bem aplicados salvam vidas. Festejo a vida e as boas imagens de cada paciente recuperado.


@josearmandovascular

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