Tradição e cultura

Encanto de morar dentro da história: a vida nos prédios tombados de SL

O Estado esteve com quem ainda reside no ponto central e antigo da cidade, nascedouro de um dos espaços mais valorizados, pelos entusiastas da influência estrangeira na formação de um povo

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

[e-s001]SÃO LUÍS - São Luís é conhecida mundialmente por seu rico acervo arquitetônico e sua importância no processo colonial brasileiro. Por aqui, de acordo com a historiografia oficial, os franceses começaram a desbravar as terras, até então desabitadas que, em seguida, passaram a ser exploradas por outros povos europeus. Nesta época e com base nas características de cada população, a cidade foi recebendo influências e moldando o seu desenvolvimento a partir das gestões locais e das transformações sociais.

A partir dos séculos XVIII e XIX, quando o estado do Maranhão teve participação decisiva na produção econômica do país como um dos grandes exportadores de arroz, algodão e matérias-primas regionais, começaram a surgir, em especial na região central da cidade (polo importante das atividades comerciais à época), conjuntos de imóveis homogêneos e com características fortes da arquitetura clássica.

Foi um período em que a capital ingressou no rol das cidades mais prósperas do Brasil (com outras localidades como Salvador, Recife e Rio de Janeiro). No entanto, os mais representativos exemplares da arquitetura ludovicense datam da segunda metade do século XIX e foram formados por fachadas revestidas em azulejos portugueses, que estão entre os aspectos, de acordo com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mais peculiares da expressão cultural maranhense.

Por meio das intervenções urbanas, ergueu-se na Ilha um dos conjuntos de imóveis mais robustos e famosos do país e, por que não dizer, do mundo, já que a cidade foi reconhecida em 1997 como um Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco, por aportar “o testemunho” de uma tradição cultural rica e diversificada.

Os casarões, basicamente, foram feitos com o que havia de mais moderno à época, quanto às concepções arquitetônicas, e com as técnicas mais desenvolvidas. Em alguns casos, os casarões surgiram a partir de posições pré-definidas por seus construtores e mentores, com o aproveitamento de aspectos que iriam desde a ventilação, até detalhes como a sombra a partir da posição do sol.

Beleza nostálgica
Mesmo com o passar dos anos e ausência de ações mais efetivas de particulares e do poder público, o cenário se mantém com a beleza nostálgica que carrega uma cidade que “briga” para não ver a sua história perdida. No Centro Histórico, e em ruas como a Portugal, por exemplo, o visual mantém o tecido urbano preservado, com todos os elementos que o caracterizam e conferem a ele uma inconfundível singularidade.

Nas décadas de 1940 e 1950, pessoas que ainda residiam nesta região da cidade passaram a migrar para outras partes do território de São Luís. Com isso, o cenário central passou a se transformar (das moradias para as unidades comerciais). Até mesmo prostíbulos, que passaram a ser frequentados, em sua maioria, por moradores da região e marinheiros que desembarcavam na Rampa Campos Melo, substituíram as antigas moradias de determinadas ruas do Centro.

Anos mais tarde, mais especificamente em meados da década de 1990, novos projetos estimulados pelo poder público para ocupação do Centro e adjacências modificaram parcialmente o movimento habitacional da cidade. Pessoas voltaram a ser beneficiadas e estimuladas a residir nesta parte de São Luís.

Na década de 2000, outras ações semelhantes do poder público voltaram a ser aplicadas. Neste período, vários atuais moradores começaram a ser beneficiados com a reforma de prédios e, em consequência, se mudaram novamente para esta região da Ilha. Histórias de pessoas que O Estado passará a contar. Mas antes, é preciso fazer menção a quem já morou e ocupou o Centro, com suas histórias e importância para a população.

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Os antigos moradores: O Estado já contou essas histórias
Em outubro de 2018, O Estado contou a história de moradias e moradores antigos do Centro. Foi uma viagem no tempo para o leitor mais assíduo e, principalmente, mais sedento por informações acerca da formação e desenvolvimento da capital.

Na ocasião, o periódico contou por exemplo as características e curiosidades do Palácio das Lágrimas. No imóvel, morreu a escrava que se lamentou por ser acusada de um crime que não cometeu.

Outro prédio considerado importante na memória ludovicense é o prédio na Rua do Sol. Trata-se de um dos imóveis que carrega a maior tradição literária da cidade. No casarão, viveu por vários anos o escritor Aluísio Azevedo, com outros quatro irmãos (além da mãe e do pai, um vice-cônsul português).

A reportagem tratou, ainda, de detalhes do sobrado da Baronesa de Grajaú. Erguido distante do Centro Histórico e com intuito de abrigar uma das famílias de maior posse da região no período, o sobrado da Baronesa de Grajaú – prédio anexo do Museu de Arte Sacra - é uma construção datada do século XIX e serviu como refúgio de Carlos Fernandes Ribeiro e de sua digníssima esposa, Anna Rosa Vianna Ribeiro, conhecida como “a Baronesa de Grajaú”.

[e-s001]O sobrado de Pontes Visgueiro, na Rua São João, foi outro prédio contemplado na publicação. Construído no século XIX, na esquina com a Rua da Saavedra, o prédio ocupa um papel importante por ser sede de uma das histórias mais impressionantes da cidade. Nele, morou o desembargador José Cândido de Pontes Visgueiro, um alagoano que viria para São Luís constituir família.

Após certa idade, conforme relata o professor Antônio Guimarães, em “Becos & Telhados”, Pontes Visgueiro se apaixonou por uma mulata, chamada Maria da Conceição, popularmente chamada – conforme citado por Jomar Moraes – de Mariquinhas.

Cansado de falta de consideração, no dia 14 de agosto de 1873, Pontes Visgueiro, acompanhado por um capanga, atraiu Mariquinhas para o interior do imóvel. No segundo andar, a moça teria sido imobilizada e espancada.

Estas e outras histórias servem para contextualizar a importância de um acervo arquitetônico cujos fatos, na contemporaneidade, passam a ser recontadas com outros personagens.

O sociólogo que reside no Centro: o filho do “escangalhado”
Em um prédio histórico na Rua da Palma, cuja origem remonta ao período colonial na capital maranhense, reside o professor universitário José Antônio Ribeiro. Filho de pais ludovicenses, o docente ama residir na região central da cidade, em um espaço importante para a cultura local.

O Estado foi convidado para conhecer o seu espaço de moradia. A área – que funciona como um “apartamento” – nada mais é do que um dos compartimentos do robusto casarão, de esquina e cuja reforma fora promovida pelo poder público.

O espaço de moradia possui sala, quartos e banheiro e a divisão dos compartimentos do “apartamento” dentro do casarão reaproveita o imóvel de forma original. O professor enfatiza que passou boa parte de sua vida residindo no Centro. Para ele, não é uma novidade. “Pelo contrário, já explorei e exploro várias das ruas daqui da região central”, afirmou.

Contemplado com projeto oriundo do Governo do Maranhão e promovido há 14 anos, o professor filho do “Zé Escangalhado”, antigo quitandeiro da área do Centro, passou a viver em imóvel próprio. Ele, que respira cultura (amante dos valores sociais e da boa música), destaca as vantagens de morar na região. “Aqui estamos perto da cultura, com imóveis históricos de famílias tradicionais, cercados por exemplo pelo Teatro Arthur Azevedo e por outras construções tão importantes da Ilha”, frisou ao se lembrar de moradias, segundo ele, ocupadas por sobrenomes famosos, como os Duailibe e os Mohana.

Questionado se residiria em outro bairro da cidade, o professor foi enfático. “Não, de jeito nenhum. Adoro morar no Centro e não me vejo, no momento, residindo em outra localidade”, garantiu.

NÚMEROS

1950 foi uma das décadas em que ocorreu a migração dos antigos moradores do Centro para outras regiões da cidade
1990 em diante foram registrados projetos pelo poder público para reocupação do Centro e adjacências
1997 a capital maranhense foi reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade

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