Na pandemia

Esforço dos pais não exime perdas pela ausência do ambiente escolar

A importância elevada dos pais ou responsáveis, pela exigência de participação maior destes na administração das lições domésticas não isenta, de acordo com educadores, possíveis perdas na formação dos jovens

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

[e-s001]São Luís - A importância elevada dos pais ou responsáveis na formação escolar, pela exigência de participação maior destes personagens na administração das lições domésticas não evita, de acordo com educadores, possíveis perdas na formação dos jovens. Alguns fatores são elencados para justificar a tese. Ainda assim, alguns pais se esforçam para, no cotidiano, minimizar estes aspectos.

Dentre os prejuízos apontados com a falta de atividades presenciais (plenamente justificada pela proteção epidemiológica necessária e apontada como essencial pelas autoridades públicas sanitárias) estão a queda na concentração. Esta primeira tese é corroborada pela proximidade do aluno com o ambiente domiciliar, em que ele (ou ela) está mais confortável e mais exposto às distrações.

Por isso, é importante que os pais criem uma rotina e deem a ela cumprimento diário. Desta forma, os alunos podem se sentir como se estivessem na escola, com horários para finalização das tarefas, execução de atividades lúdicas e para usufruto das tarefas mais dinâmicas (como o tão esperado horário do lanche).

Outro argumento usado para defender a ideia de que o ensino caseiro dos jovens pode acarretar em prejuízos é a ausência de convivência com outros jovens na escola. Além da formação técnica, educadores explicam que a presença do aluno no cotidiano da instituição de ensino estimula a prática de valores de solidariedade, por exemplo.

Sem a presença física na escola, os alunos devem compensar esta ausência de outra forma, mantendo contatos por exemplo (ainda que online) com seus colegas. Alguns professores, durante a promoção das atividades por plataformas digitais, estimulam a presença de toda a turma em tempo real para que, assim, todos se vejam e “matem” a saudade.

Por fim, talvez a maior perda com a impossibilidade de manutenção do calendário escolar e presencial é o distanciamento com os professores. A convivência e fortalecimento na relação com os alunos são fundamentais para a formação dos alunos, especialmente na educação infantil. Noções de afetividade e, principalmente, de respeito com o “superior” são consolidados a partir da ida diária do estudante na escola.

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Com as aulas online ou contato virtual, estes valores ainda podem ser seguidos, porém sem a presença física, o menos afeito a seguir estas obrigações estão mais sujeitos a atos de desobediência. “O esforço dos pais, sem dúvida, é louvável e fundamental para amenizar as perdas sofridas com a impossibilidade das atividades em sala de aula. Porém, substituir a figura do professor ou da professora é praticamente impossível. Seguir com a parceria entre pais e professores é a solução de momento. Mas nada substitui a relação cotidiana do professor com o aluno”, disse Helane Carvalho Garcez, profissional que há 13 anos leciona na rede pública municipal em Paço do Lumiar.

Apesar das perdas apontadas, a participação dos pais nesta configuração atípica das relações sociais (elaborada com o distanciamento social causado pela pandemia do coronavírus) ainda é primordial. O esforço de alguns deles para propiciar a realidade da escola em casa é louvável, em alguns casos. Em contrapartida, algumas mães ouvidas por O Estado entendem que apesar das suspensões das aulas, não houve alterações na rotina já estabelecida no domicílio.

Escala com o marido: a pandemia não altera a relação em alguns casos
Enquanto alguns adultos tiveram de remodelar suas rotinas para “encaixarem” nas tarefas dos seus filhos que, neste momento, são realizadas exclusivamente em casa, alguns pais apontaram que a relação com os jovens não foi alterada, mesmo com a pandemia.

É o caso da enfermeira Fabíola Pereira. Funcionária da rede pública municipal e atuante na assistência direta aos pacientes com a Covid-19, a profissional precisou tomar algumas medidas necessárias para a proteção dos dois filhos (Benício, de 1 ano e 10 meses e Raphael Lorenzzo, de 7 anos). Dentre elas, a redução dos plantões e restrição possível no contato com os filhos.

Desta forma, o apoio dos pais dela e do marido foi necessário. Nos instantes em que mantém contato mais direto com os filhos, em especial, com o mais velho, a enfermeira adota a conduta de deixá-lo mais à vontade durante a realização da tarefa. “Durante a aula online do Raphael [Lorenzzo], tento deixá-lo à vontade para assistir. Ao término eu vejo a lição e ajudo no dever de casa”, explicou.

Ela contou ainda sobre a colaboração conjugal para cumprir com o exercício profissional e, de forma simultânea, ajudar o filho Raphael durante as tarefas. “Eu e meu marido fizemos uma escala. Quando um vai para o serviço, o outro fica em casa com as crianças. Quando é a minha vez de estar com elas, no caso do mais velho, procuro sempre acompanhar suas lições”, disse.

Segundo a enfermeira, a suspensão das aulas não alterou a relação com o filho, Raphael, em se tratando de assistência escolar. “A rotina de acompanhar o que foi visto durante a aula e a correção no dever de casa já existia na nossa rotina desde o início da vida escolar. Ou seja, a pandemia não alterou nossa relação”, enfatizou.

[e-s001]Dificuldades para adequar à rotina escolar a outras tarefas: o desafio de uma mãe
A rotina de Sílvia Helena Cardoso, enfermeira e profissional da rede pública mudou com a presença maior dos filhos em casa durante a pandemia. No início, segundo ela, a família enfrentou dificuldades para encaixar os horários já que, para os filhos (de 9 e 11 anos de idade), o começo do período de reclusão e a maior presença em casa se assemelhava ao período de férias escolares. “Já vivemos vários tipos de rotinas, ou seja, acordar cedo, acordar tarde, além de refeições, lanches e estudo. Com o tempo, fomos encontrando nosso equilíbrio e cada família deve buscar o seu”, disse.

Antes da promoção de aulas online com os filhos, a enfermeira e seu marido, José Ribamar Carvalho, monitoravam as tarefas durante o início da noite, período em que ambos estavam com agendas mais flexíveis. Com a mudança e presença maior das crianças e dos próprios pais em casa, as lições são resolvidas durante a manhã.

Obedecendo à uma regra comum, nos primeiros dias de rotina alterada, cada filho permanecia em seu quarto, sendo monitorado à distância. No entanto, isso representou um elemento de insegurança à mãe. “No horário das aulas, nos primeiros dias, deixamos eles à vontade, cada um no seu quarto, porém, ficávamos disponíveis, caso precisassem. Entretanto, tínhamos insegurança e fazíamos questão de assistir as aulas juntos. Ajudávamos, ainda, a responder as atividades, durante a aula, preocupados se conseguiriam, principalmente as disciplinas que não temos o preparo adequado para ajudá-los. Isso foi logo nos primeiros dias, depois mudou”, apontou.

Experiência profissional ajudou
Devido à necessidade de manuseio com ferramentas digitais na resolução das atividades de trabalho, a profissional afirmou que a familiaridade com determinados recursos ajudou na assistência aos filhos. “Como enfermeira, minhas atividades se intensificaram, já que sou professora do curso de enfermagem de uma faculdade particular da cidade. Sigo trabalhando de maneira remota. Meu esposo, professor da rede pública, começou a desenvolver aulas remotas e vídeos para seus alunos. Então aprendemos a usar ferramentas essenciais para esse período, o que também colaborou no apoio aos nossos filhos neste momento”, lembrou.

Ela aponta ainda outro fator positivo nesta reclusão dos mais jovens em casa. “Gostamos muito de tê-los em casa, sabemos que logo retornarão as atividades na escola. Entretanto, estamos vendo que eles conseguem ser mais independentes, embora em casa, e num nível aceitável estão vivendo com tranquilidade esse momento”, finalizou.

[e-s001]ABRINDO O JOGO - Idiana Pires - pedagoga

“Quando o ambiente muda de forma tão brusca, podemos dizer que haverá sim prejuízo no processo educacional”, opina educadora.

Com experiência no meio pedagógico, a professora Idiana Pires disse a O Estado que, mesmo com a colaboração dos pais ou responsáveis legais e assistência à distância das unidades escolares, a mudança de ambiente (da escola para a permanência mais ativa em casa), acarreta em prejuízos à formação escolar. Ela dá dicas sobre como os pais, em especial, do público infantil, podem compensar esta distância e alerta para a importância da readaptação das crianças, quando as atividades escolares retornarem.

Pode haver prejuízo no processo pedagógico de alunos, em especial, daqueles entre três a cinco anos de idade, sem a participação presencial dos professores junto aos jovens durante a realização das lições escolares?

A presença dos pais em todo o processo educacional é inquestionável, pois os mesmos são suportes fundamentais para o fortalecimento da prática do professor. Devido ao contexto atual, os pais podem observar de forma mais atenta o que seus filhos estão aprendendo, como estão aprendendo e o que pode ser feito para melhorar. Sabemos que a realidade familiar nem sempre dá a devida condição de suporte que os filhos precisam por parte de seus pais. A relação dos pais com os filhos deve ser priorizada em especial pelos adultos.

Sem a formação pedagógica, quais dicas podem ser dadas aos pais ou responsáveis para manter a rotina das lições em casa?

A primeira etapa do processo educacional é considerada a parte mais afetiva de todas. As professoras da educação infantil possuem uma sensibilidade, uma postura e uma didática que são adequadas a cada faixa etária. Elas iniciaram com todo um ambiente lúdico que lhes permite interagir e aprender sem descaracterizar sua idade cronológica e seu desenvolvimento cognitivo. O ideal é, da forma possível, manter essa sensibilidade em casa. Os pais são fundamentais neste processo.

Mas os pais podem neste caso substituir os educadores?

Há um suporte que pode ser dado, devido à relação afetiva entre pais e filhos. No entanto, quando o ambiente escolar muda de forma tão brusca ao jovem como aconteceu, podemos sim dizer que haverá sim prejuízo no processo educacional, pois sabemos que os pais e o ambiente familiar da casa não estão adequados para esse aprendizado como acontece na sala de aula.

Com o possível retorno gradativo das escolas nos próximos meses, de que forma os professores se preparam para a volta das atividades presenciais?

Elaborar uma rotina de estudos para essa possível volta é uma regra. Conhecer bem as capacidades de cada aluno para que não ocorra um desinteresse pelos estudos devido à sobrecarga de tarefas, principalmente na educação infantil, é outra questão essencial. Tentar explicar as atividades em linguagem simples com clareza, adequando à realidade de cada um é uma meta que já era premissa antes da pandemia e se tornará ainda mais na volta às atividades. No caso das crianças, o uso de vídeos animados para essa nova adaptação é de valor inestimável.

Por fim, serão desenvolvidas atividades diferenciadas para readequar os alunos à rotina, pela senhora e outros profissionais?

As atividades serão adaptadas bem como toda a rotina escolar. Estaremos num processo de retomada, de readaptação frente à uma nova realidade e, com isso, o ideal é pensar um dia de cada vez. Será um desafio, onde a flexibilidade dos planejamentos será necessária de acordo com as exigências diárias

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