Artigo

Morte e vida na quarentena

José Ewerton Neto, Autor de O entrevistador de lendas

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

Morte e Vida, como pouca gente sabe, são irmãs gêmeas, parecidíssimas e muito unidas. Sem uma a outra não vive. Sem uma a outra não morre. Andam sempre juntas, embora nem sempre sejam vistas de par. Por vezes acontece de uma delas aparecer de súbito, em plena atuação da outra, mas a verdade é que elas nunca se separam em definitivo.

O que acontece é que combinaram - assim que o mundo surgiu, e por dever de ofício - que uma (Morte) seria mais discreta e reservada, enquanto a outra seria mais expansiva e abrangente. Isso cria certa confusão/ilusão nos humanos que acabam gostando mais de uma (Vida) que da outra, recusando-se a admitirem o óbvio: Morte é que, ao fim, será mais abrangente e definitiva.

Morte a partir de então passou a ser a sombra da irmã, fazendo o papel da introvertida e inesperada, com a intenção preestabelecida de fazer de conta que não existe, em paralelo com Vida, no organismo de todo ser vivo neste mundo. A intenção, generosa de ambas as partes, é a de evitar que os homens se desesperem ao saber que seus dias estão contados, biologicamente, desde o dia em que nascem.

A esse sacrifício da irmã, Vida retribui com todo carinho que lhe é possível. Na intimidade entre as duas, reconhece o quanto Morte tem de generosa, ao podar os excessos de Vida que levam os homens a se viciarem e acreditarem que podem tudo e são capazes de tudo por serem vivos, degenerando nessa forma de arrogância conhecida de crueldade e indiferença de uns com os outros.

Há uns seis meses Morte achou Vida inquieta e apreensiva. Preocupada com sua irmã, Morte indagou:

- Que se passa, irmã?

- Ando entristecida com a relação dos humanos contigo. Eles se esquecem completamente que existes, como eu, em cada um deles, e de que precisam pensar mais em ti, pois sou breve. Sempre exigem de mim coisas que eu não posso oferecer como, por exemplo, tornar a vida de cada um mais importante que a do próximo. Ora, eu não posso dar conta de tanta vida como exigem. Isso me sobrecarrega. Tudo eu, tudo eu! Vida pra cá, vida pra lá!

- Calma Vida, pense que nós decidimos assim, é até natural que ajam dessa maneira.

- Sei e te agradeço irmã, mas isso me sobrecarrega. A verdade é que eu tenho de ser sempre um manancial inesgotável de vida. Como se tivesse que estar sempre transbordando para satisfazê-los.

- Achas então que devo surgir com mais frequência?

- Não é bem o que quis dizer irmã querida, mas acaba sendo. Eu pediria...

- Entendi. Queres que eu dê um jeito de fazer com que eles se lembrem de mim que, afinal de contas, serei seu destino definitivo. Que interrompam, por algum tempo, tanta arrogância, cobiça, egoísmo e desamor: lixos de seus excessos que lhes conduzem à cegueira.

- Sim. Para que reflitam e, ao menos, me permitam tomar fôlego.

- Como queira, irmã querida, aprendi a ler teus pensamentos e já me veio uma ideia na cabeça para que te deixem em paz por alguns meses.

- Huuumm - Falou Vida que também aprendera a ler os pensamentos da irmã gêmea - Será isso o que estou pensando?

- Justamente. Escolherei dezembro para começar.

Esse diálogo aconteceu em novembro de 2019. Logo depois o primeiro vírus Covid-19 começou a se propagar no Planeta Terra.

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com

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