Artigo

"Dois pra lá, dois pra cá"

Luiz Thadeu Nunes e Silva, Engenheiro agrônomo e viajante, já visitou 143 países

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

Segunda-feira, 4 de maio, acordo, e no café da manhã vejo a notícia da morte do compositor-cantor carioca Aldir Blanc, aos 73 anos, que estava internado no Hospital Pedro Ernesto, em decorrência da Covid-19.

Próximo ao meio-dia, hora do almoço, li a notícia da morte do ator Flávio Migliaccio, aos 85 anos, em seu sítio em Rio Bonito, região metropolitana do Rio de Janeiro.

Dia indigesto. Como se não bastasse a overdose de mortes em função do coronavírus, jogada em nossa cara, atualizada de minuto a minuto, acompanhamos a morte de pessoas que de alguma forma marcaram nossas vidas.

Cresci assistindo no final das tardes a novela, ou seria seriado?, “Shazam, Xerife & Cia”, com direção de Walter Negrão na TV Globo. Ainda em preto e branco, era para mim momento de viajar nas asas da imaginação. As divertidas trapalhadas dos protagonistas, uma dupla de mecânicos Shazan (Paulo José) e Xerife (Flávio Migliaccio) que decidem percorrer o mundo, ou pelo menos o Brasil, a bordo de sua camicleta (caminhão-bicicleta) procurando emprego e aventuras, se deparando com as mais inusitadas situações, eram divertidíssimas para um garoto sonhador como eu. Meu pai tinha um pequena oficina mecânica, e ficava a lhe pedir que montasse uma camicleta, coisa que nunca aconteceu.

Como um dos mais antigos atores de TV em cena, Flávio Migliaccio tinha uma trajetória que passou pelo Cinema Novo, inclusive tendo participado de “Terra em Transe” do cult baiano Glauber Rocha, de 1967. A constelação do filme, Jardel Filho, José Lewgoy, Hugo Carvana, Paulo Gracindo, Jofre Soares, Paulo César Pereio e ele, Flávio Migliaccio, todos marcaram época na dramaturgia nacional.

Seu Chalita, personagem de Tapas e Beijos novela reprisada nas noites de domingo no GNT era impagável.

O último personagem de Flávio Migliacciona na televisão foi o Mamede de “Órfãos da terra”. Na trama das 18h de Thelma Guedese Duca Rachid, ele era um imigrante árabe.

Em sua carta de despedida, deixada na mesa de cabeceira do quarto do sítio, diz: ”Me desculpem, mas não deu mais, a velhice neste país é um caos... cuidem da crianças de hoje”.

E assim o Xerife sucumbiu ao peso do mundo, saiu de cena no adiantado da idade, ainda produzindo cultura, mas dilacerado pelas circunstâncias.

Tão logo soube da morte de Aldir Blanc fiz uma imersão em sua vasta obra, mais de 500 composições, que falam de amor, desamor, conquistas, perdas; coisas nossas de nosso dia-a-dia. Aldir, o ourives das palavras, com suas canções foi trilha sonora de muitos dos meus amores.

Médico psiquiatra, Aldir trocou a medicina pela música, por achava que seria mais feliz produzindo canções e melodias.

Não deixa de ser emblemático que no mesmo dia em que um ator abrevia sua vida, “porque não deu mais”, um psiquiatra tenha perdido a sua lutando contra um vírus invisível e letal, para continuar vivo.

Seu maior parceiro, João Bosco, através das redes sociais disse: “Ele médico, eu hipocondríaco. Fomos amigos novos antigos, mas sobretudo eternos...

Uma pessoa só morre quando morre a testemunha. E, eu estou aqui para fazer o espírito de Aldir viver”.

Em 15 dias perdemos: Moraes Moreira, Rubem Fonseca, Garcia Roza, Aldir Blanc e Flávio Migliaccio.

O Brasil fica ainda menos lírico, sem o extraordinário Aldir Blanc. E cada vez mais sem graça com a partida brutal de Flávio Migliaccio.

“Uma dor assim pungente não há de ser inutilmente”.

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