Entrevista - Daniel Blume

"Brasileiro tem aquele poder de adaptação"

Advogado defende proposta de voto via internet como forma de manutenção do calendários das eleições municipais de 2020

Gilberto Léda

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
(Daniel Blume)

O advogado maranhense Daniel Blume, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), causou polêmica nos últimos dias ao encaminhar ao comando da entidade uma proposta para que as eleições municipais deste ano possam ser realizadas via internet, como forma de garantir a manutenção dos prazos e datas já definidos no calendário eleitoral, independentemente do avanço da pandemia do novo coronavírus (Cvid-19).

A sugestão foi encaminhada oficialmente há uma semana ao presidente do Conselho Federal da Ordem, Felipe Santa Cruz.
Segundo Blume, “em especial nos tempos de pandemia, trata-se da solução mais segura e viável, pois não envolve trabalhos manuais, seja para a votação, seja para a apuração dos votos”.

Nesta semana, Blume conversou com O Estado sobre o assunto. Ele reforça a defesa da proposta em meio à pandemia, cita exemplos de países que já adotam o voto online - "Estônia (totalmente) e México (parcialmente) - e sugere que esse pode ser um modelo a ser adotado de forma emergencial, mas que pode ficar.

"O brasileiro tem capacidade técnica e poder de adaptação. A ideia tem os olhos voltados não apenas para 2020, mas para o futuro eleitoral brasileiro”, diz.

De onde surgiu a ideia de propor eleições via internet?
Com a chegada abrupta da pandemia do Coronavírus e com a aproximação das eleições, passei a ser questionado, na condição de eleitoralista, se ocorreria o prolongamento dos mandatos ou o adiamento das Eleições 2020, se a crise do COVID-19 não se arrefecer até outubro. Lembrei, então, de uma outra alternativa, nomeadamente, a conversão de urnas eletrônicas em urnas on-line, como se dá em alguns países como Estônia (totalmente) e México (parcialmente). Entendo ser possível converter urnas eletrônicas em on-line, especialmente em tempos de pandemia, onde o ideal é inimigo do possível.

Não seria necessária capacitação técnica de boa parte do eleitorado?
O brasileiro tem capacidade técnica e poder de adaptação. A ideia tem os olhos voltados não apenas para 2020, mas para o futuro eleitoral brasileiro. O Direito não pode mais temer avanços. Tal solução irá, inclusive, ampliar o engajamento dos eleitores na cena política, diminuindo o número de abstenções. É melhor inovar para estimular a participação popular no pleito, do que apenas observar a ampliação da ausência nas urnas, bem assim recorrentes manifestações pelo voto opcional, o que reduziria a legitimidade dos governantes eleitos. Na pandemia, a solução é a mais segura e viável, pois não envolve trabalhos manuais, seja para a votação, seja para a apuração dos votos. O cômputo é instantâneo, podendo ser eventualmente objeto de ratificação em data posterior. Ficariam dispensados da ratificação os eleitores que fizerem uso de certificação digital.

Essa proposta é viável num estado como o Maranhão, com menor incidência de pessoas com acesso à rede mundial?
Creio que com vontade política somada à necessidade decorrente da crise sanitária mundial, seria possível sim. Uma solução seria o fornecimento de internet móvel e/ou de áreas amplas de Wi-Fi para a população desprovida, mesmo ao ar livre. Trago no projeto dados que apontam que, atualmente, mais de 80% dos brasileiros têm acesso à internet. Dentre as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, o percentual baixa para quase 70%. Atualmente, há um número maior de aparelhos celulares do que de eleitores, no Brasil. Esse fenômeno toca o Maranhão. Tais percentuais podem ser melhorados no Maranhão, a custos baixos, se comparados aos elevados valores gastos com as eleições.

O cenário no Maranhão não parece muito diferente do restante do Nordeste, sobretudo no Sertão.
Penso que o sertanejo que vota por meio de urnas eletrônicas é capaz de votar em urnas on-line. Porém, se invencível, em algumas localidades, o problema do acesso à internet, o voto pode ser, excepcionalmente, postado nos Correios, como se dá nos Estados Unidos. Inclusive, em razão da pandemia, o voto por carta tem sido fomentado e subsidiado pelas autoridades americanas, em 2020. Ressalto que, no Brasil, o voto por correspondência deve ser a exceção para alcançar o pequeno percentual de eleitores sem possibilidade de acesso à internet, mesmo que via celular. O voto impresso dificulta a rapidez da apuração e sobrecarrega o serviço postal.

Como fiscalizar esse voto, com tantos problemas de segurança nas redes?
Eu concordo que o desafio não se resume ao completo acesso digital, pois abrange a segurança do voto. A tecnologia precisa se ater à questão, o que e-títulos eleitorais, câmeras e identificação digital (ou por íris) resolveriam – instrumentos que podem ser encontrados em grande parte dos aparelhos celulares. Falo da câmera do próprio celular ou do computador. Auto filmagem, portanto. Como uma simples selfie. A urna on-line é um futuro inevitável. A pandemia apenas força a humanidade a precipitar este avenço. Dentre os efeitos colaterais positivos, arrefecimento da boca de urna, da “troca de serviço” por votos, sujeira nas ruas, serviço de mesários. Grande parte das compras de votos se dá no caminho de casa para a urna física, onde o corruptor aborda os eleitores.

Caso não seja acatada a proposta, é possível garantir que as eleições sejam realizadas em 2020 pelos meios tradicionais?
Não vejo com simpatia a ampliação dos atuais mandatos. Ensejaria a ausência de legitimidade popular/eleitoral dos prefeitos e vereadores eleitos, anteriormente, para um mandato de somente quatro anos. Não sou avesso à unificação das eleições, porém, no caso, o pleito deve prever que os eleitos exercerão os cargos por seis anos. Quanto ao adiamento das eleições para dezembro, a medida é possível, mas pode não ser efetiva, se houver um agravamento da pandemia. O homem não tem dons premonitórios. Uma outra hipótese, seria a votação pelos Correios, como nos USA. Entretanto, a demora na apuração é tormentosa. Tal seria uma involução da tecnologia de votação eletrônica no Brasil.mundo. Mas estamos vendo que não, ela precisa ser reformada, porque está levando a uma concentração de riqueza extraordinária. E não é mais o país rico, cada vez mais rico e os pobres mais pobres, não. É só os ricos cada vez mais ricos. A própria dinâmica do mundo levou a isso.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.