Fato Histórico

Vírus da gripe matou Urbano Santos

Líder maranhense viajava para assumir, pela segunda vez, a vice-presidência da República

Antonio Carlos Lima, jornalista e escritor. Membro da Academia Maranhense de Letras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
Urbano Santos
Urbano Santos

Uma gripe pulmonar de efeito semelhante ao da Covid-19, matou, há 98 anos, no dia 7 de maio de 1922, um domingo, o ex-governador do Maranhão Urbano Santos.

O líder maranhense estava a bordo do navio a vapor “Minas Gerais”, em viagem para o Rio de Janeiro, onde, seis meses depois, tomaria posse como vice-presidente da República, cargo para o qual fora eleito em 1º de março, juntamente com o ex-governador de Minas Gerais Artur Bernardes. Seria sua segunda experiência no cargo: entre 1914 e 1918, fora vice do presidente Venceslau Brás.

Urbano Santos tinha embarcado em São Luís no dia 24 de abril, depois de ser homenageado no palácio do governo pelo governador Raul Machado e demais lideranças estaduais. Estava acompanhado na viagem pela esposa, pelo senador Magalhães de Almeida e outros correligionários e amigos. Os que dele foram despedir-se notaram sinais de cansaço em sua fisionomia, mas nada que despertasse preocupações, segundo relatos posteriores.

Foi, portanto, com perplexidade e espanto que o governador Raul Machado disse ter recebido, às 11 horas daquele domingo de maio, treze dias depois da despedida na rampa do palácio, o seguinte telegrama, expedido de São Tomé, no litoral fluminense, pelo comandante do “Minas Gerais”: “Comunico V. Exa. infausta notícia falecimento hoje 8 da noite dr. Urbano Santos”.

Jornal da época registra a morte de Urbano Santos
Jornal da época registra a morte de Urbano Santos

Telegramas de igual teor foram expedidos para o presidente da República, Epitácio Pessoa, que decretou luto oficial de três dias no país, e para a maioria das autoridades e políticos importantes. Raul Machado adotou luto oficial de oito dias e feriado de três dias nas repartições públicas e escolas do Maranhão. Na manhã de segunda-feira, 8 de maio, multidões se formaram na porta dos jornais Pacotilha, O Jornal e Diário de São Luís, em busca de informações. Houve grande comoção em todo o Estado.

Às 8 horas da manhã, o “Minas Gerais” ancorava no cais Pharoux, no Rio de Janeiro. Representantes dos três poderes da República juntavam-se aos políticos, principalmente maranhenses, e aos curiosos que se aglomeravam no cais para ver o morto. Autoridades sanitárias retiraram quatro enfermos do navio e em seguida o interditaram. “Defendamo-nos! O “Minas Geraes” chegou do Norte em más condições sanitárias”, alertaria mais tarde o jornal A Noite. Somente por volta do meio-dia, a Inspetoria de Fiscalização da Saúde permitiu a entrada de um médico legista para proceder à autopsia do corpo, que foi levado na lancha “Oswaldo Cruz” até o cais e de lá conduzido em automóvel oficial da presidência da República para a casa de Urbano Santos, na Rua Voluntários da Pátria, 381.

Velado em câmera ardente, recoberto por dezenas de coroas de flores enviadas por autoridades e amigos, o corpo de Urbano Santos permaneceu na Voluntários da Pátria até as 16 horas, quando seguiu para o Cemitério de São João Batista. Ali foi sepultado na carneira (gaveta fúnebre) número 5650.

Febre e pneumonia

Urbano Santos provavelmente já estava doente ao embarcar em São Luís no dia 24 de abril. Quando o “Minas Gerais” aproximava-se de Salvador, na Bahia, o deputado e médico cearense Manoel Moreira da Rocha, que também estava a bordo, foi chamado pela família do ex-governador para que o visse nos seus aposentos.

Em depoimento na Câmara dos Deputados, Moreira da Rocha disse ter ouvido do enfermo que “há dias vinha padecendo de dores intercostais e visível mal-estar”. Examinando-o, observou que apresentava estado febril. À noite, tinha febre de 40 graus. Estava com pneumonia. A família municiara-se de medicamentos, o que facilitou o trabalho do médico. Ao chegar ao porto de Vitória (ES), como o estado de saúde do enfermo se agravasse, aplicou-lhe injeções e pediu ao comandante que aumentasse a velocidade do navio. Mas, pouco depois, quando já avistavam Cabo Frio, o coração de velho político parou.

Nilo Peçanha , Ruy Barbosa, Venceslau Brás, Rodrigues Alves, e Urbano Santos (primeiro à direita)
Nilo Peçanha , Ruy Barbosa, Venceslau Brás, Rodrigues Alves, e Urbano Santos (primeiro à direita)

O doutor Bonifácio Costa, médico da Inspetoria de Fiscalização da Medicina, “louvando-se no atestado de óbito passado pelo médico do vapor “Minas Gerais”, firmou o seguinte atestado: “Eu, abaixo assinado, médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e inspetor sanitário a bordo do paquete “Minas Gerais”, da Companhia de Navegação Lloyde Brasileiro, atesto que faleceu de gripe pulmonar, a bordo desse paquete, quando navegava entre Vitória e Rio de Janeiro, no dia sete de maio, às oito horas e vinte minutos da noite, de mil novecentos e vinte e dois, o passageiro de primeira classe Urbano Santos da Costa Araújo, advogado, casado, de 63 anos de idade, natural do Maranhão”.

O atestado foi arquivado no Departamento Nacional de Saúde Pública.

SAIBA MAIS

Um nome nacional

Urbano Santos foi um dos mais importantes políticos do Maranhão. No plano nacional, ocupou um espaço que só seria ocupado em igual ou maior proporção, como foi o caso, meio século depois, pelo conterrâneo José Sarney, que em 1985 tornou-se vice-presidente e, logo em seguida, o 31º presidente do Brasil.

Nasceu em Guimarães, a 3 de fevereiro de 1859. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife, onde teve por mestre o pensador Tobias Barreto. Foi juiz e promotor em diversas comarcas maranhenses. Deputado federal, senador, presidente do Senado e ministro da Justiça de Rodrigues Alves (1918). Em 1914, elegeu-se vice do presidente Venceslau Brás. Quando o presidente licenciou-se para tratamento de saúde, ocupou a presidência da República entre 8 de setembro e 9 de outubro de 1917.

Foi eleito três vezes para o governo do Maranhão. Em 1898, renunciou antes da posse para permanecer no Rio como deputado e advogado com banca de prestígio. Em 1914, fez o mesmo, optando pelo cargo de vice-presidente, para o qual se elegera com Venceslau Brás. Eleito mais uma vez, assumiu o governo em 1918, mas renunciaria três anos depois para novamente candidatar-se a vice-presidente.

Sua escolha como candidato a vice de Artur Bernardes, em 1921, serviu de pretexto para o surgimento da Reação Republicana, cisão na base governista que tornou as eleições de 1922 uma das mais tumultuadas da República Velha. Em torno da candidatura dissidente do ex-governador do Rio, Nilo Peçanha, alinharam-se as lideranças do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Nilo Peçanha esteve em São Luís, em campanha, no dia 11 de outubro, quando fez conferência para mil convidados no Cine Teatro Éden. Bernardes e Urbano Santos venceram a eleição, mas o resultado foi contestado e Bernardes assumiu o governo sob estado de sítio.

Urbano Santos enfrentou forte oposição no Maranhão da célula local da Reação Republicana. Em junho daquele ano teve que lidar, com grave prejuízo político, com um foco de rebelião armada, de feição socialista, que eclodiu na Mata do Nascimento, atual município de Dom Pedro.

Dois dias depois de sua viagem para o Rio, onde tomaria posse na vice-presidência, o governador Raul Machado, que o sucedera, foi destituído por um grupo da oposição, liderado, entre outros, pelo médico Tarquínio Lopes Filho. O golpe foi contido, o governador reconduzido ao cargo, mas as lutas continuaram após o desaparecimento de Urbano Santos e se estenderam até a chegada da Revolução de 1930.

Email: antoniocglima@uol.com.br

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