Artigo

A (nova) escolha de Sofia

Natalino Salgado, reitor da UFMA

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

O título deste artigo remete ao romance de William Styron (1979), que narra o drama de uma polonesa chamada Sofia que, presa com dois filhos pequenos em campo de concentração de Auschwitz, durante a II Guerra, é desafiada a escolher qual das crianças será salva. A trama virou filme, em 1982, e rendeu a Meryl Streep, que viveu a personagem no cinema, o Oscar de melhor atriz. Será que a humanidade está diante novamente de uma decisão nesses parâmetros? Escolher pela sobrevivência de alguns ou pela preservação de negócios e empregos?

Diariamente, somos, de um lado, bombardeados por opiniões diversas acerca de manter ou não a quarentena, com a adoção do chamado isolamento vertical, como já vem defendendo o mercado, ou com as previsões trágicas acerca do futuro da economia, pelos inúmeros fechamentos de pequenos negócios, milhares de desempregados, finanças combalidas. Do outro lado, a falta de estrutura hospitalar e de cuidados necessários, caso a doença assuma proporções maiores, com inevitável e consequente ceifa de milhares de vidas. Cada argumento é ilustrado com gráficos e números, palavras de especialistas e explicações comparativas com outras epidemias.

No mundo, o enfrentamento se dá de diferentes maneiras. A Irlanda, por exemplo, anunciou que vai estatizar todos os hospitais privados para que os pacientes possam se tratar sem custos. Israel decidiu monitorar remotamente os cidadãos. Itália e França adotaram duras medidas de distanciamento social, da mesma forma como procedeu a China. O Egito e a Arábia Saudita adotaram toque de recolher. Nos Estados Unidos, a Califórnia e Washington começaram a achatar a curva, diferente de Nova York, o epicentro da pandemia. A Fundação Bill e Melinda Gates investiu cerca de 500 milhões de dólares para serem aplicados em pesquisas científicas e testes para o novo coronavírus.

Gráfico produzido pela Universidade Johns Hopkins e disponibilizado, diariamente, pela BBC, deu conta de que, até a última quinta-feira, dia 26.03, quando esta crônica ainda estava sendo escrita, meio milhão de pessoas já haviam sido infectadas globalmente e 22.993 já tinham morrido. Aqui no Brasil, os números também são alarmantes. Segundo os dados informados até a última quinta-feira, dia 26, a contagem marcava 2.915 casos confirmados, com 78 mortes no país.

Diversas instituições foram para a linha de frente do esclarecimento da população, a exemplo da Academia Nacional de Medicina, cujo legado histórico é marcado pelo engajamento em importantes temas e experiências no combate às epidemias. Afinal, do alto de seus 190 anos, a ANM presenciou momentos de crise e sempre atendeu ao chamado do serviço, da informação e da prevenção. Em didático vídeo publicado em diversas mídias sociais, nosso presidente Rubens Belfort chamou atenção para o caráter democrático do vírus, que atinge pessoas de todas as idades, ao contrário dos desavisados que insistem em restringir a doença ao grupo da população idosa. Belfort recomendou isolamento, cuidados básicos de higiene, orientação e proteção e comparou o vírus a “areia fina em vento forte”. Em trabalho igualmente relevante, a Sociedade Brasileira de Infectologia tem publicado diariamente, em seu site, uma série de informativos, e, num de seus principais alertas, de forma sensata, confirma que nosso país está “(...) numa curva crescente de casos, com transmissão comunitária do vírus e o número de infectados está dobrando a cada três dias.

Também concordamos que devamos ter enorme preocupação com o impacto socioeconômico desta pandemia que põe em risco os empregos e o sustento das famílias. Entretanto, do ponto de vista científico-epidemiológico, o distanciamento social é fundamental para conter a disseminação do novo coronavírus, quando ele atinge a fase de transmissão comunitária.

Quando a COVID-19 chega à fase de franca disseminação comunitária, impõe-se a maior restrição social possível, com o fechamento do comércio e da indústria não essencial e a proibição de aglomerações humanas. Por isso, essa medida está sendo tomada em países europeus desenvolvidos e nos Estados Unidos da América, respaldados pela comunidade científica mundial e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Bill Gates, que é um defensor ardoroso da ciência, também entende que o isolamento social é uma das formas mais eficazes de se lidar com o problema, e prega que, a longo prazo, a economia se recuperará, com a necessária preservação de vidas neste momento. Todos nós, que fazemos ciência, também nos inserimos no grupo de profissionais de saúde que está na dianteira desta dura batalha. Infelizmente, antes da vacina e do remédio adequado, não há outra forma de evitar a disseminação.

O escritor Yuval Harari publicou interessante artigo, na última semana, no jornal Financial Times, com repercussão em centenas de outros jornais. Harari, um dos pensadores modernos mais festejados da atualidade, chamou a atenção para o caminho que o mundo irá percorrer pós-pandemia. Vigilância totalitária e empoderamento do cidadão; isolamento nacionalista e solidariedade global são alguns dos temas com que a humanidade irá se defrontar, na visão do escritor. E recomenda: “Se escolhermos a solidariedade global, será uma vitória não apenas contra o coronavírus, mas contra todas as futuras epidemias e crises que possam assaltar a humanidade no século XXI.”

Solidariedade, paciência e persistência são as qualidades que podem nos ajudar a superar a pandemia e a vivermos novamente com normalidade. A esperança está alicerçada no conhecimento e na pesquisa científica. As nossas Universidades, a FIOCRUZ, o Instituto Oswaldo Cruz, os Hospitais Universitários da rede EBSERH e tantos outros são exemplos de que o investimento na ciência é o melhor caminho. Que Deus nos proteja.

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