Artigo

A arte do encontro

Isa Albuquerque, Cineasta

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

Nossos maiores temores foram confirmados e temos uma pandemia atrapalhando toda a forma de encontros presenciais: escolas, shoppings, salas de Cinema, shows musicais, peças de teatro - toda a vida social e comercial do planeta, da forma como as conhecemos, de repente não existem mais. Nossa Matrix não está sendo ameaçada por uma epidemia de máquinas assassinas; os seres robóticos que povoam quase todo o imaginário futurista do planeta que destruiriam o nosso cotidiano para refundar as relações sociais, cederam lugar a um vírus de estrutura muito simples, a função épica de colocar toda a humanidade em cheque, para reavaliar a forma de civilização construída até hoje. Mais do que uma doença perigosa, o CoronaVirus tem o poder de asfixiar a produtividade em todas as áreas, pois, obriga o mundo a parar, a fim de desacelerar sua propagação.

No Brasil, os governos estaduais estão antecipando as férias escolares, que aconteceriam em Julho. Faculdades e escolas estão sendo fechadas à exemplo do que ocorre na Europa, onde se encontra, atualmente, o epicentro mundial da pandemia.

Dois importantes festivais franceses foram adiados: Rencontres de Bordeaux e Cinelatino de Toulouse, para os quais o nosso longa metragem Codinome Clemente foi selecionado e onde seria exibido nos próximos 15 dias, seguindo sua trajetória internacional.

As passagens já estavam marcadas, quando tivemos que cancelar tudo. Os festivais de Tribeca e Sundance acabam de ser suspensos e até mesmo o tradicionalíssimo Festival de Cannes foi cancelado. Em todo o mundo urbano, é proibido reunir. A peste virótica, da China, agora é eurocêntrica, mas, propaga-se com uma rapidez exponencial e só recua quando nos afastamos dos outros. Parece mesmo uma metáfora do comportamento deste século, fundado no egocentrismo.

Na Itália, que é o país mais seriamente afetado, uma simples ida ao mercadinho transformou-se em um drama: uma amiga residente na zona rural do Piemonte, no norte da Itália, conta que precisa pedir autorização às autoridades sanitárias, sempre que vai à venda fazer compras. No Brasil, onde dispomos de menos recursos sanitários, o cidadão encontra o frasco de alcoogel ao custo de R$30,00, quando o preço era de R$12,00 provando que o capitalismo é, intrinsecamente, imoral. A vigilância sanitária exige a permanência de todos em casa, no mundo inteiro.

“Olhai os lírios do campo, eles não semeiam nem colhem” como na Oração de São Francisco de Assis, temos que parar as máquinas. Se queremos sobreviver ao contágio não devemos sair para trabalhar, não podemos viajar, pois corremos o risco de nos interditarem em outros países, sabe-se lá sob que condições; concentrações públicas, nem pensar: o vírus exige, sobretudo, muito conformismo político. Os insatisfeitos de esquerda ou de direita não podem mais ocupar praças, onde o contágio será fatal. O vírus também cancela as manifestações de carinho e afeto, que o brasileiro preza tanto, como o abraço, o beijo e o aperto de mão, sob a recomendação de nos distanciarmos a 1 metro de qualquer pessoa.

As cotidianas viagens ônibus e de metrô agora representam aventuras de alto risco. Estocar alimentos e sobreviver, é o que recomendam os especialistas. Somos seres sociais condenados à solidão. O contraditório é que sobrevivemos e evoluímos como espécie, ao construirmos as relações sociais. O vírus da solidão obriga-nos ao isolamento contrariando a nossa própria natureza.

Vinícius de Moraes afirmou que a vida é a arte do encontro. Como remodelar essa frase de Vinícius agora, que somos obrigados a evitar o outro. A vida precisa reencontrar sua poesia.

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