Artigo

Para sempre indispensáveis

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

Será que, com o avanço da tecnologia, os livros tornar-se-ão dispensáveis ou, numa hipótese pessimista, proibidos, ou desconfigurados a tal ponto de ficarem irreconhecíveis? Essa é a temática de Fahrenheit 451, filmado originalmente por François Truffaut, em 1966, a partir da obra homônima de Ray Bradbury, que retrata uma sociedade na qual as pessoas são proibidas de ler. Se alguém fosse pego com algum livro, imediatamente os bombeiros diriam: “explique-se”, e - homens que queimam livros - seriam chamados para entrar em ação. O protagonista é um desses bombeiros que começa a ter a vida transformada quando passa a ler e conhece outros, na mesma condição, na chamada terra dos homens-livro.

Recordo o livro e o filme a propósito do dia 12 de março, quando se comemora o dia do bibliotecário, profissional cuja atuação foi, por muito tempo, restrita a cuidar do acervo de uma biblioteca, mas que, com o passar do tempo, se expandiu e firmou sua importância na sistematização do conhecimento, na disseminação da informação e na propagação da cultura. Durante um longo tempo, desde Alexandria, gerenciar uma biblioteca, dar-lhe organização e torná-la acessível, como um instrumento de pesquisa e conhecimento, foi, basicamente, limitado a tocar em livros físicos. Na antiguidade, rolos de papiro ou pergaminho, depois papel.

Mas, a cada mudança, com a tecnologia própria da época, o bibliotecário foi ganhando mais sofisticação e sua expertise tem se tornado cada vez mais importante e necessária. A essência do trabalho permaneceu basicamente a mesma, até que entramos na era de um mundo virtual, inclusive para os livros. Um único aparelho, como o Kindle, pode armazenar milhares de obras. Literalmente, uma biblioteca num dispositivo que cabe na palma da mão.

Todos os incríveis avanços que a tecnologia nos proporcionou nos últimos 20 anos, a que assistimos pasmados, causou imenso impacto em muitas áreas, e, com os profissionais da Biblioteconomia, não foi diferente. Mudou o suporte, sim. Mas, mesmo assim, os livros continuam sendo livros que precisam, nesse ambiente virtual, de ferramentas também virtuais de organização e gerenciamento. Assim do livro feito à mão, página a página, aos livros feitos de bits, sua essência ainda se mantém. É o desafio da Biblioteconomia que precisa avançar com as novas tecnologias, sem perder de vista a história do livro marcante tanto para sua confecção, quanto para o conhecimento neles produzido e arquivado.

Mas aqueles que aderem a esta senda, se, de um lado, são desafiados, de outro possuem uma dádiva: a de conviver com o passado feito do que foi escrito e registrado, parte do que aconteceu - em sintonia com o presente e com a projeção para o futuro, na construção de uma nova teoria, na ampliação de um saber, na expansão de mentes e de possibilidades.

Lembro, a propósito, do instigante filme “O doador de memórias”, cujo personagem, um homem sozinho, é encarregado do pesado fardo de armazenar todos os registros de uma sociedade. Baseado num livro chamado “O doador”, a obra adaptada para o cinema mais uma vez trata da ideia do controle, que gera a falsa sensação de que um lugar controlado é imune a problemas. O que parece ser um dom é, na verdade, um fardo. Afinal, o conhecimento adquirido existe para ser disseminado, transferido e inculcado.

E se hoje vivemos numa era em que a informação trafega à velocidade da luz, precisamos mais do que nunca de homens e mulheres que, com a técnica adequada, saibam nos aceder a mundos desconhecidos, capazes de mudar o que nós conhecemos e até a nós mesmos. Aos bibliotecários e bibliotecárias que escolheram abraçar essa nobre missão, nosso grato reconhecimento. Os livros são livros em qualquer era, em qualquer lugar, em qualquer suporte. E sempre serão indispensáveis: o livro, a biblioteca e o bibliotecário.

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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