História de São Luís

Av. Beira-Mar nos últimos 80 anos: estímulo às habitações e nova realidade

Após o aterramento da Rampa do Palácio e promoção de políticas de construções de habitações, via se desenvolve e se transforma em área nobre

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

[e-s001]Em meados do século XIX e início do século XX, a capital maranhense era um recebedouro de grande contingente de embarcações. Conforme citado por O Estado em especial “Rampas de São Luís” datado do dia 1º de dezembro de 2018, a Rampa do Palácio (cujos restos ainda podem ser vistos em dias de maré baixa bem ao lado do Coreto da Praia Grande) possibilitava o acesso de passageiros que utilizavam de transporte marítimo para a superfície.

Cenário de várias despedidas, já que pelas rampas passavam embarcações com destino a cidades como Caxias e Codó, a Rampa do Palácio passou por processo de aterramento para, anos mais tarde, receber a via conhecida atualmente por Avenida Beira-Mar.

Atualmente, ainda é possível receber a estrutura desta rampa de embarque e desembarque, uma das mais marcantes do período comercial pós-colonial, especialmente, na capital maranhense. Após o aterramento, o poder público executou medidas para angariar recursos e consolidar a construção do trecho.

Se por um lado a Avenida Beira-Mar passou a ser feita com seus tijolos e paralelepipedos, por outro, era preciso incentivo da administração para habitar o entorno da “artéria”. Em 16 de janeiro de 1929, um decreto do Governo do Município de “São Luiz” cita que, “considerando a necessidade urgente de serem edificados os terrenos limítrofes da Avenida Magalhães de Almeida (Avenida Beira-Mar), em construção, ficaram reduzidas as taxas e emolumentos do atual orçamento referentes às edificações do entorno da via”.

Ainda de acordo com o documento, chancelado pelo então prefeito de São Luís, Jayme Tavares, a providência do Executivo Municipal foi autorizada pelo Legislativo Municipal. Era o estímulo que faltava para o erguimento das grandes habitações na Avenida Beira-Mar. Grandes famílias e abastadas passaram a residir em uma das áreas que, por causa do trecho, se tornaria um dos mais valorizados da cidade.

Além da vista da Baía, os moradores da Beira-Mar (famílias como a do ex-governador Pedro Neiva de Santana) também contemplavam as grandes embarcações vistas da via. Uma destas visualizações ocorreu no dia 12 de novembro de 1929, quando o “hydroavião Bahia”, da empresa Nyrba Line, pilotado por Busten Brown Barber e ocupado por outros quatro tripulantes chegou à capital procedente de Belém (PA).

De acordo com a edição de “Pacotilha”, do mesmo dia, às 12 horas, o “Bahia” aterrizou no Rio Anil em frente “à Avenida Magalhães de Almeida”, havendo feito, segundo o periódico, várias evoluções sob a cidade.
Após uma pausa para abastecimento e admiração dos moradores e frequentadores da via, o hydro levantou voo às 14h do mesmo dia, rumando para a cidade de Parnaíba (PI).

Realidade atual da Avenida Beira-Mar
Conhecida ao longo das primeiras décadas de registro como o reduto das famílias abastadas e palco de eventos marcantes na cidade, além de rota para os bondes e primeiros veículos da cidade, a Avenida Beira-Mar se transformou nas décadas de 1970 em diante. A travessia dos veículos, do transporte coletivo e outros meios a tornou uma das mais importantes, em especial, após a construção da Ponte José Sarney (São Francisco).

Atualmente, a via inicia (no sentido Camboa) das margens da Praça Maria Aragão e se encerra (de acordo com o Google Maps) no Coreto da Praia Grande. Com uma extensão aproximada de 2,5 quilômetros, a Avenida passou a concentrar - em vez de moradias - estabelecimentos comerciais, instituições de segurança (atualmente recebe a sede da Superintendência de Homicídios e Proteção à Pessoa), universidades, postos de combustíveis e serviços de utilidade pública (como o Viva Cidadão que funciona nas antigas instalações do Casino Maranhense).

Recentemente, o Governo do Maranhão promoveu o Circuito Beira-Mar, que percorreu praticamente toda a via com a passagem de blocos e trios. Este foi o segundo ano que a gestão estadual promoveu a programação momesca, retomando uma das antigas tradições da via.

As referências da Avenida Beira-Mar

Nas décadas de 1940, 1950 e 1960, a Avenida Beira-Mar passou por transformações. Em 1941, por exemplo, devido às reformas urbanas, o monumento conhecido como Pirâmide da Memória - originalmente localizado no Campo do Ourique, onde atualmente está erguido o Liceu Maranhense - fora recebido em um dos espaços de semicírculos da via. Um dos nomes mais importantes e responsáveis por esta transformação foi Joaquim Vieira da Luz, membro da Academia Maranhense de Letras (AML) e biógrafo de Dunshee de Abranches. Até hoje, é possível verificar a presença do monumento que, até 2005, era cercado por canhões. Outra construção do entorno da via e de fundamental importância foi a Praça Manoel Beckman. Situada entre a avenida Beira-Mar e Rua Parque 15 de Novembro, o espaço público também ajudou na popularização da via já que recebera frequentadores de várias partes da cidade.

Mas a construção mais emblemática e que também fez parte dos arredores da Avenida Beira-Mar foi a Estação João Pessoa, conhecida como Rffsa. As obras para o erguimento dos pavimentos (originalmente apenas dois) começaram no dia 14 de fevereiro de 1925 (antes da finalização de uma das etapas da Avenida Beira-Mar) e foram chanceladas por Decreto nº 14.589, de 25 de maio de 1920.

O engenheiro responsável pela obra foi Teixeira Brandão que, à época, era diretor da Estrada de Ferro São Luís-Teresina, cuja sede administrativa funcionaria, décadas mais tarde, na Estação João Pessoa. Em meados da década de 1950, o prédio principal da Estação João Pessoa ganhou mais um andar completo e, em sua fachada central, foi instalado um relógio.
[e-s001]
No entorno da Estação, a empresa responsável ergueu, ao lado da Avenida Beira-Mar, o Conjunto dos Ferroviários. Dos 10 antigos moradores dos simpáticos imóveis e que pertenceram aos quadros da Estação Ferroviária, apenas um segue vivo e cheio de histórias e lembranças não somente da antiga profissão (maquinista) como dos passeios na Avenida famosa ao lado da “orla”.

Perto dos 101 anos, o ex-funcionário da RFFSA, Raimundo Marcos de Almeida, se recorda (apesar da elevada idade) entre uma e outra viagem nos antigos trens para cuidar da manutenção dos equipamentosdos fatos que marcaram a via vizinha à sua residência. “Lembro-me especialmente dos bondes, de passear pela Avenida com meus filhos e, principalmente, do movimento dos veículos e das carroças”, afirmou.

Para ele, a construção da via foi fundamental, por exemplo, para a consolidação de projetos de engenharia elaborados nas décadas seguintes, como a Ponte José Sarney, inaugurada em 14 de fevereiro de 1970. “Foi a partir da Beira-Mar [Avenida] que se deu o crescimento pleno da região central e partiu-se depois para ocupar uma outra região da cidade, após às águas, do outro lado do rio. E isso foi possível com a Ponte José Sarney, ligada à Beira-Mar”, disse.
Beira-Mar das brincadeiras das crianças e das lembranças das famílias

Os moradores de São Luís acima dos 50 anos de idade e com ligações na Região Central da cidade registram ligação umbilical com a Avenida Beira-Mar. Seja pelos passeios para apreciar a orla, ou pelas antigas programações carnavalescas, ou pelo passeio no bonde que cortava a via, não faltam razões e fatos para lembranças especiais.

[e-s001]Morador da Rua Parque 15 de Novembro, no Centro, o marítimo Sérgio Roberto Seabra Tavares, de 62 anos, foi criado no entorno da Igreja de Santo Antônio e, quando criança, ia com o pai até a Avenida Beira-Mar. “Vinha para pescar e, quando não tinha a ponte [José Sarney], na entrada da Avenida, a gente aguardava as embarcações que vinham do lado do São Francisco com produtos, como melancia, por exemplo”, disse.

Filho de Iran dos Santos Tavares, Sérgio Roberto Seabra se lembra ainda dos grandes desfiles carnavalescos na Beira-Mar. “Também não há como não se recordar dos grafites, dos antigos corsos que passavam aqui pela avenida, agitando vários foliões. Muitos carnavais foram vividos nesta importante via da cidade”, disse.

Ele se recorda ainda da embarcação Maria Celeste que, de acordo com o marítimo, naufragou próximo à Avenida Beira-Mar. “Era possível ver as embarcações passando por aqui. Teve o caso emblemático da Maria Celeste, cujas chamas puderam ser vistas daqui da Avenida”, afirmou.

A funcionária pública Clenildes Almeida, de 62 anos, é moradora do Conjunto dos Ferroviários e tem saudade dos tempos em que as crianças iam para a Avenida Beira-Mar empinar pipas. “Muitos meninos ficavam na calçada e na própria pista aproveitando da forte corrente de vento para brincar. Eu mesma, por morar próxima, brinquei bastante na antiga avenida”, afirmou.

[e-s001]De Paramaribo à Beira-Mar: a história de Félix!
Quando decidiu deixar a cidade de Paramaribo, capital do Suriname e percorrer cerca de 1,5 mil quilômetros para chegar à capital maranhense, o autônomo Félix Brito de Lima nem imaginava que residiria em uma das mais belas vias da cidade.
Morador da Beira-Mar em uma casa de esquina de cor azul entre a avenida e a Rua Montanha Russa, o surinamense reside no local há mais de duas décadas. “Vim para cá trabalhar por conta própria. Deixei meu país, passei por Manaus [capital das Amazonas], cheguei no interior maranhense e passei para São Luís”, afirmou. Quanto à moradia, o autônomo afirma que o imóvel foi adquirido após a morte de um amigo ludovicense. “Passei a residir aqui, ao lado da minha companheira”, disse.

Sobre o eventual barulho da via, em especial, no período de folia momesca, o surinamita afirmou não haver incômodo com o fato. “Até gosto da passagem dos trios e da quebra da rotina, marcada somente por carros pra lá e para cá”, disse.

À noite, o surinamense atravessa o lado da Avenida Beira-Mar e se senta em um dos bancos da mureta do antigo cais para observar os carros, as iluminações nos lampiões originais e a configuração do que ele chama de uma beleza. “Eu acho muito linda uma avenida como esta, ao lado da maré e com esta passagem dos carros. Toda noite, antes de dormir, atravesso a avenida e fico do outro lado pegando um bom vento até o sono chegar”, afirmou.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.