Artigo

Internet e apropriação

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

A internet é uma grande caixa de ressonância, permitam-me um velho chavão, de bobagens bem como é evidência da imensa capacidade do ser humano de produzi-las em escala industrial. Serve do mesmo modo para transmitir ao imenso mercado consumir dessa mercadoria boba, por assim dizer, histórias edificantes sobre a vida cristã, ao estilo, mas de natureza diversa, de um gênero literário bastante difundido nos séculos XII e XIII, conhecido com “exemplum”, cuja seleta hagiográfica mais famosa é a “Legenda áurea”, de Jacopo de Varazze, dominicano. Ele desejava dar a seus companheiros de hábito subsídios para seus sermões. Dela, há uma excelente edição, pela Companhia das Letras, de 2003, com o subtítulo “a vida dos santos”, tradução direta do latim e notas de Hilário Franco Júnior.

Pois bem, forma popularesca do “exemplum” aparece na internet a toda hora, em especial nos grupos de Whatsapp, cheia de variados conselhos sobre o comportamento desejável de verdadeiros cristãos. Aí, aparecem histórias modelo sobre como não desperdiçar a própria vida no pecado, garantir um lugar no paraíso e muito mais. Os grupos, que pretendem ser temáticos, acabam se transformando em meio de fazer proselitismo religioso. Já saí de alguns na ponta dos pés, por causa dessas não solicitadas exortações a uma vida santa. Eu já sou um santo certificado por suportá-las por tempo demais!

Mas é no campo político da Grande Rede que a coisa fica feia. Esse é o território bravio da mentira, hoje em dia conhecida como fake. Evidente, nela se encontra muita coisa boa, mas é preciso cuidado com as fontes. Se a sua for um tal de jornal da cidade on line, as possibilidades são de a notícia não valer uma moeda furada de centavo de real, ou menos ainda. Outro dia, li uma notícia sobre suposta manifestação, no dia seguinte, na porta da TV Globo, de seus empregados, contrária a uma conspiração da emissora contra o governo Bolsonaro, conhecido, governo e seu chefe, pela paranoia ativista, excluída a passivista. Era o fim da Rede. Pois não houve a tal manifestação nem se leu explicação nenhuma acerca do motivo de não ter ocorrido.

A bobagem número 1, porém, a minha favorita, é a da “apropriação cultural”, classificação sujeita, ainda, a avaliação de grupo especializado no assunto, criado por mim. De acordo com aquele princípio, qualquer manifestação cultural de um povo só pode ter expressão ali, na comunidade ou na sociedade onde gestada. Fora dela, em outro agrupamento humano, é apropriação cultural indevida. O leitor perceberá imediatamente que tal ideia encobre o desejo privar os brasileiros do futebol, sim, do futebol, como também de muitas outras coisas, pelas quais nosso povo é capaz de matar e morrer.

Fácil de ver. Como o conhecemos hoje, o esporte bretão (assim ele se chamava antes de ser apropriado) foi inventado onde? Na Inglaterra. No início, quando Charles Miller o trouxe para o Brasil, era praticado pela elite brasileira, signifique “elite” qualquer coisa, menos ser pobre. Outo dia, um elitista me disse muito irritado: “Não é que os pretos e pobres foram, no decorrer dos anos, tomando conta devagarzinho do futebol, dele se apropriando descaradamente, a fim de ascender socialmente, parecendo ele ser hoje coisa genuinamente brasileira? Pois uma apropriação gigantesca como essa não deveria ser permitida. Devolvam esse pessoal a seus lugares e deixem as elites tomar conta do esporte legitimamente”.

Lino Raposo Moreira

PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras

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