Artigo

O poder de compra do Bolsa-Família

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

Nos cem dias do Governo Bolsonaro, foi anunciada a inclusão de uma 13ª parcela anual para a Bolsa-Família (PBF) ao invés do reajuste do valor dos benefícios pela inflação passada. De um benefício tido pelos liberais-conservadores como apócrifo, causador de male molezas e uma vida menos laboriosa, o programa ganhou, de certa forma, mais atenção, aprovação e até esta ampliação no Governo Bolsonaro.

Segundos dados da Secretaria do Desenvolvimento Social (vinculada ao Ministério da Cidadania), o PBF havia acumulado perdas em seu poder de compra em relação à inflação dos alimentos, em todo Governo Lula e Dilma, na ordem de 18%, sobretudo entre 2011 e início de 2016. Já entre meados de 2016 e 2018, com os reajustes reais promovidos, haveria recuperação do poder de compra em 19,6%.

O primeiro reflexo do congelamento dos benefícios sociais é que os limiares de renda associados às famílias pobres e extremamente pobres também não são corrigidos, o que gera distorções no próprio programa, pois elimina paulatinamente as famílias que superem estes limiares mínimos “congelados”, tanto no PBF como em outros programas sociais. O segundo e principal reflexo é uma redução mensal do poder de compra dos benefícios e dos repasses do PBF, que chegam em conjunto a R$ 175 milhões/mês, valor correspondente ao reajuste pela inflação dos alimentos, a custas justamente das famílias mais pobres do país.

Entre as muitas críticas ao PBF, aparecem duas principais: a primeira é a falta de controle dos beneficiários que de fato necessitariam do programa. O PBF atingiria irregularmente pessoas que não precisam dos benefícios, enquanto muitos dos necessitados não recebem, seja por discricionariedade de algumas prefeituras municipais, que chegam a manipular politicamente o Cadastro Único dos Programas Sociais em suas cidades, ou por pessoas inscritas que dolosamente alteram suas informações pessoais para serem candidatas ao programa. Ou seja, uma crítica para a gestão pública e política do programa.

Outra crítica apontada é a “geração bolsa família”: pessoa entre 6 a 17 anos poderiam ter se tornado a “geração nem-nem” entre 15 e 29 anos, como jovens que nem estudam e nem trabalham. No Brasil os jovens nessa faixa etária correspondem, segundo dados do IBGE, a mais de 20% da população, e cerca de 25% deles estão na condição nem-nem. Portanto, um quarto dos jovens brasileiros está fora do mercado de trabalho e fora da escola.

Destaca-se também que embora as crianças estejam na escola, o aprendizado não tem mostrado melhoras significativas, dada as deficiências presentes no sistema escolar público, que deveria ser priorizado e levado mais a sério pelos governos federal e subnacionais. Também demonstram empiricamente que não há conexão entre a “geração bolsa família” e a “geração nem-nem”.

Um aperfeiçoamento importante que caberia ao programa seria estabelecer, associado ao depósito da BF no Cartão Cidadão, uma política de indução do uso do poder de compra para aquisição de produtos e serviços locais e regionais, elevando os efeitos indutores da demanda social. Ainda que os programas de renda valorizem a livre-escolha das famílias em utilizar os recursos dos benefícios, a associação do PBF a programas de fidelização que oferecessem descontos e ampliação real dos benefícios ao adquirir uma cesta de produtos de qualidade, produzidos na região, resultaria em maior efeito multiplicador do programa e resultaria em mais empregos e oportunidades. Inclusive outros programas sociais, como os Benefícios de Prestação Continuada, poderiam ser somados a este poder de compra.

Assim os R$ 2,6 bilhões distribuídos mensalmente pelo PBF para ampliar o consumo das famílias, poderiam, em grande parte, ser captados para a produtos locais e induzir a formação de cadeias produtivas regionais, impulsionando mais empregos e negócios, consolidando as bases econômicas para estimular ainda mais a endogenia da economia local, sobretudo em municípios e regiões mais carentes. Ainda que de maneira pouco coerente e até populista, o PBF se consolida como programa de renda de longo prazo, apesar de suas limitações e críticas, ultrapassando governos de diferentes matizes ideológicas, com efeitos relevantes para a superação da pobreza e dos preconceitos.

Wilhelm Milward Meiners

Professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles - Núcleo Curitiba

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