Artigo

Os destinos de Agenor

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

É sábado de Carnaval e cada um quer se enfiar num fofão e sair por aí ziguezagueando, como dizem os meninos do Bicho Terra. Ninguém tem tempo e tampouco paciência de ficar cochichando comigo esta conversa interminável e desenxabida de meu retorno. Mas é que lhes peço somente mais uns minutos e prometo me servir apenas de poucas palavras, no limite dos caracteres gentilmente concedidos pelo Cabalau, emérito editor deste matutino.

Quero comentar que, não bastasse a festa, a repercussão de minha ressurreição na imprensa foi extraordinária, modéstia à parte. Entrevista na TV Mirante, minha marchinha tocando nos programas carnavalescos das rádios AM e FM e, neste jornal, o Zejorge compareceu com nada mais nada menos que duas geniais crônicas, dignas de anais acadêmicos, tendo até pesquisado meu testamento, o que causou revolta em alguns dos meus amigos que não se conformaram por não ter sido beneficiados. Mas eu explico: propositadamente excluí os mais abastados e favoreci os mais necessitados. O Pergentino abriu espaço de meia página para comentar meu regresso em sua Revista PH, que tem trinta ou quarenta anos até já perdi as contas, onde somente têm vez os chiques eventos sociais e políticos da gente fina da cidade. O Augusto César se lembrou do meu exílio e de minha solidão no paraíso e depois falou da minha trajetória desde os primeiros anos até o momento do meu desgosto, quando me aposentei pelo INSS. Pareceu até tese de doutorado e por causa disso ele foi por mim escolhido par ser meu biógrafo e historiador dos meus planos futuros.

Sim, porque para surpresa de muitos e abalos na classe política, logo nos dois dias seguintes de meu retorno, este mesmo Pergentino, em sua prestigiosa coluna, lançou a minha candidatura para prefeito. Inicialmente fiquei um pouco espantado. Desatino ou destino? Atônito, escutei na rádio o jingle da campanha, de autoria do poeta Luís Bulcão, compositor de muitas marchinhas que animaram nossos desfiles carnavalescos. Com a segunda modéstia à parte desta conversa, reconheço que tenho méritos para o cargo e que fui mordido pela mosca azul. Passei minha vida inteira palmilhando nas ruas da cidade, convivendo com o povo mais humilde, carregando seus trastes e também suas dores, conhecendo cada paralelepípedo de nosso Centro Histórico. E tenho ideias que ninguém nunca teve. Por exemplo: acho um disparate se falar de reforma do Mercado Central. O que quero é requalificar o Aterro do Bacanga, hoje desfigurado e invadido, e lá construir um novo Mercado, bonito e moderno, rivalizando com os de outras capitais. E vou demolir o atual e ali instalar um belo Centro de Artes e Convivência, ou mesmo um “Viva” como aqueles que a Roseana fez, para as festanças e distrações do povo que mora e trabalha no entorno. E – sou obrigado a dizer modéstia à parte pela última vez - saibam que tenho recebido muitos apoios, de carroceiros a taxistas, de boêmios a beatos, de pagodeiros a roqueiros, de vassalos a barões, tendo a todos prometido apresentar um Manifesto depois do Carnaval.

Mas agora, não, porque hoje é sábado de Carnaval. Porque nestes dias o que quero mesmo é ficar com meus amigos e sair saracoteando, agenorizando por aí. Quero cantar minha marchinha, sair no cordão do Amigos de Agenor, me misturar com os blocos tradicionais e com o Bicho Terra. Quero sair desta Beira-mar que não é minha praia, quero subir e descer as ladeiras cantando e sambando, dobrar becos e vielas enfeitadas de confete e serpentina, abraçar as belas louras, morenas, mulatas e negras de todas as charangas, quero me enfeitiçar de amor pelas passistas de todas a cores e de todas as escolas. Quero desfilar no percurso de meus antigos carnavais, tomar um porre de felicidade e ir chegando, ir chegando, até desaguar glorioso e embriagado na apoteose do Largo do Caroçudo, invadido e possuído pela magia do berço do Carnaval da ilha, a Divina Madre de Deus. Lá, onde é meu lugar e meu destino.

Nelson Almada Lima

Engenheiro civil, professor aposentado da UFMA e coordena os cursos de engenharia da FACAM

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