Artigo

O professor e o desafio do futuro para ensinar agora

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

Reportagem publicada esta semana na BBC Brasil traz interessante análise do londrino Alex Beard, a partir de um ponto de inflexão em sua carreira de professor do ensino fundamental. De repente, o professor se deu conta de que não só sua prática no magistério estava estagnada, mas também ele mesmo. Esta constatação e inquietação o levaram a uma longa busca do que ele denominou de procura por ideias inovadoras. Após percorrer vinte países, ele escreveu um livro: Natural Born Learners. Em tradução livre algo como “nascidos aptos a aprender naturalmente” ou “criados de forma natural”.

Em seu livro, há uma série de questionamentos que seriam muito úteis, ainda que, no momento, seja um desafio hercúleo para implementar, uma vez que pressupõem uma mudança radical de paradigmas que vão muito além de qualquer teoria que mediou o ensino-aprendizagem em nosso país, seja na educação básica ou na universidade.

Segundo Beard, o método socrático que permeava sua prática em sala de aula está fora de sintonia com crianças que usam celulares e vivem no futuro. Ensinar, no momento, ainda é preparar os alunos para passar em prova. Foi o que constatou em várias de suas visitas. Para o professor, este método destoa da dinâmica profissional que já está instalada em nossa sociedade, até mesmo para as profissões futuras que se insinuam e que exigirão mais flexibilidade e criatividade do que saberes mecânicos, além da capacidade para agir sob os princípios da inteligência emocional. As profissões para as quais os alunos são preparados a exercer por meio do ensino tradicional já estão sendo realizadas plenamente pelas máquinas.

Sobre a América Latina, o professor destacou que existem boas escolas, mas, como sabemos bem, vivendo num dos lugares em que há um dos mais graves fossos entre pobres e ricos; em que apenas uma pequena parcela das crianças tem acesso à educação. Para nosso país que provê educação nos três níveis de formação, fica o desafio de ampliar a oferta de um ensino de qualidade, em sintonia com esses novos tempos.

Mas o ponto chave da reportagem é a defesa enfática do protagonismo do professor nesse cenário de novas formas de aprendizado. Nisso, faço coro à fala do professor Alex Beard: “(...) a única coisa que é ilimitada, o único recurso ilimitado que temos, é a inteligência humana, a engenhosidade humana, nossa capacidade de resolver problemas. Os professores são aqueles que cultivam esse potencial humano. Assim, argumento que ensinar será o trabalho mais importante do nosso século”. Beard acrescenta que os professores deverão ensinar a seus alunos três habilidades que definirão as atuações mais apropriadas no mundo futuro que já está entre nós: a primeira é aprender a pensar, mas de maneira condizente com os desafios do futuro; a segunda é que estes alunos devem aprender a agir, mas, sobretudo, a como ser pessoas criativas; e a terceira é aplicar essa criatividade na resolução dos problemas.

Recordo o sociólogo espanhol Manuel Castells que ainda na década de 90 lançou a interessantíssima obra “A era da informação” dividida em três livros, em que se dedica a analisar como a informação e o conhecimento são elementos estruturantes das dinâmicas que passaram a ocorrer na sociedade. A partir da temática do sociólogo e baseadas também em outros teóricos da área, as pesquisadoras Clara Coutinho e Eliana Lisbôa elaboraram o artigo “Sociedade da informação, do conhecimento e da aprendizagem: desafios para a educação no século XXI” (2011, disponível na internet) em que também apontam “a responsabilidade que a escola de hoje tem em formar cidadãos críticos, criativos, capazes de resolver os problemas de um mundo globalizado e altamente competitivo”.

O mundo mudou e a forma como aprendemos também. Beard não é o primeiro a levantar essa bandeira. A Escola da Ponte, em Portugal, desenvolve, há alguns anos, uma metodologia bem sucedida em que o aluno recebe maior atenção, baseada em uma relação inclusiva e democrática, mas, acima de tudo, com estímulo para a autonomia, civilidade, responsabilidade. O método de avaliação aboliu as provas nesta escola. Dela, disse Rubem Alves, intelectual brasileiro com larga experiência pedagógica: “A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.”

Professores motivados, apaixonados pelo ofício e em sintonia com esse fantástico novo mundo serão os propulsores de um futuro melhor para todos - assim defendo. Seu papel é inegável não apenas para a transmissão de conhecimento, mas para a formação de alunos preparados para desafios que hoje sequer ainda imaginamos, mas que invadem o cotidiano das aulas que ressoam as exigências dos novos tempos que já chegaram.


Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, Reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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