Artigo

Agenor na Beira-Mar

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

Quando, no último dia do ano passado, meus amigos Fernando, Nelson, José Jorge, Jurandir, Elizabeth e Beth se reuniram, eu logo vi que algo iria me acontecer. Dito e feito: tramavam a minha ressureição e confesso que a ideia me alegrou. Desencarnado, trotava nos infinitos prados celestiais, às vezes ouvindo anjos entoando soníferos cânticos cheios de dominus n vobispum, tantum ergum, amém e assim seja, e em outras vivia cercado de arcanjos e querubins, entretidos nos ora pronobis e aleluias, vidinha monótona. E foram tantos petitórios que eles mandaram para a última instância da morada eterna, requerimentos, habeas corpus, abaixo-assinados que São Pedro, me chamou: “vai, Agenor, duas vezes burro, infiel e pagão, vai ser gauche com teus amigos, na tua ilha, cada vez mais rebelde”.

E de repente, aqui estava eu, milagrosamente ressuscitado. Não desembarquei no Portinho onde trabalhava e feliz vivia no meio de minha gente humilde. Também não foi na Praça da Alegria onde passava meus carnavais. Reencarnei na Beira-mar, no terraço de uma das casas onde moravam os granfinos e o rio que avistei foi o Anil, azul-cinzento, quase abraçando aquele marzão. E cheguei bonito, meu couro brilhando, sem cicatrizes, cascos inteiros e polidos, com meus óculos e minha lata de cerveja, mas sem saber o que fazer em lugar tão diferente. Minha carroça estava lá, desconjuntada, e com ela assim o melhor era ficar por ali, paradinho, esperando, matutando.

De repente meus amigos começaram a chegar. Apareciam cada vez em maior número, rejuvenescidos, mais bonitos e alegres. Alguns, com os abadás brancos de minha ressureição, outros com fantasias de nossos antigos carnavais, todos querendo me abraçar e bater uma chapa. Uma ótima novidade: as mulheres, sempre belas, também participavam da festa e com os abadás. Acho que são os novos tempos, quase inacreditáveis. É o tal empoderamento feminino. E mais ainda, a juventude presente com guapos rapazes e moças deslumbrantes que carinhosamente me cercavam!

A festança foi bonita, com feijoada, uiscotes e champanhotas, gente amiga, com coisas que não vou esquecer. A marchinha de Elizabeth e Evandro, “Agenor, ih oh, ih oh, Agenor ressuscitou”, animava os foliões, que beleza! Ela diz que “sou burro tombado, o Agenor é patrimônio da galera”. Modéstia à parte, está certíssima, porque asno famoso e que mereça ser tombado, como eu não existe. Tirante aquele de Jerusalém, de conhecido mesmo só um primo distante, o Incitatus, mas era nos tempos imperiais onde ter fama era fácil. Eu quero ver é agora, com toda a processualística do IPHAN para tombar casa, bicho e monumento. Foi emocionante quando a banda atacou com aquele frevo “chuva, suor e cerveja” e me lembrei do ano em que meus amigos saíram de fradinhos, homenagem ao Henfil, e a Amelinha, cantora famosa, nos puxou descendo a Rua do Sol, debaixo de um toró daqueles que acontecem no Carnaval. Gostei também quando o Tony surgiu, parecendo um semideus louro, acenando para sua corte, recebendo aplausos, vivas e fique aqui. Quando falou na TV foi mesmo um presidente vitalício, conforme o Nelson decretou na placa.

Taí outra coisa bonita, as duas placas. O Egídio mereceu, sim, e foi bom que tenha sido entregue por Albino, pois foi quem nos chamou para esta turma. É verdade que Egídio me fazia trabalhar o ano inteiro, fizesse sol ou fizesse chuva; mas reconheço que tinha sensibilidade de respeitar meu sábado de Carnaval, me deixava tomar minha cerveja e sassaricar. Já a placa de Tony foi justíssima. Ele foi o idealizador do bloco desde o tempo dos aqualoucos que uns dizem que eram treze, outros dezessete, nisto eles não se entendem, e eu não posso dar testemunho, pois ainda não estava lá. Gostei de a placa citar algumas de nossas fantasias, como brucutús e paquitas, entre outras tantas arrasadoras como barril, mosqueteiros e portugueses. Mas, cá entre nós, convenhamos que em alguns anos tivemos outras que nem é bom falar.

Fico por aqui. Vou me enfeitar para a festa do PH que me ajuda nas adesões do café soçaite aos meus novos planos. Mas estes, como dizia o Ibrahim, depois eu conto, pois, citando Benito Neiva, o resto é abstracionismo.

Nelson Almada Lima

Engenheiro civil, professor aposentado da UFMA e coordena os cursos de engenharia da FACAM

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