Artigo

Tudo é carnaval

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

Pão e circo. Distribuir comida e oferecer espetáculos de lutas e jogos brutais no Circo Máximo e no Coliseu ao povo famélico, esbulhado pelas guerras e pela extrema corrupção dos patrícios, foi a fórmula que os imperadores romanos encontraram para acalmar a revolta do povo. Se alguém se lembrou da bolsa-família, do futebol e do Carnaval, não será mera coincidência: governante nenhum inventou, em tempo algum, melhor cala-boca popular. Geniais esses romanos.

São três dias, quatro, contando o sábado. Que digo? Quarta-Feira de Cinzas desfila o bloco dos arrependidos; no primeiro domingo da Quaresma tem o lava-pratos (olha São José de Ribamar aí) e, na Bahia, é Carnaval o mês inteiro. Nos dias de Momo, invertemos os papéis, somos o que queremos ser, piratas, ciganos, reis, poderosos, transexuais, belos, incógnitos sob a máscara ou famosos por quinze minutos... Com esse circo, futebol e um pouco de bolsa-pão, vamos levando a vidinha. Anestesiados.

Com a fama de “brasileiro cordial”, aceitamos o risco constante de perder a própria vida ou a de um ente querido por causa de um tênis ou de um relógio barato. Nossa conformação é tanta que, à noite, em casa, agradecemos ter escapado com vida, mais um dia, embora saibamos que dentro de casa também não estamos seguros. A anestesia afasta a indignação. Somos capazes de tomar o café da manhã assistindo, pela TV, ao rebolado das passistas e a cenas de chacina de jovens, espancamentos, torturas e nem nos engasga o pãozinho com manteiga. Não foi conosco, dessa vez, nem com nossa família, ufa!

Mas, de vez em quando, o horror é tamanho que não podemos fingir ignorá-lo, como no caso da família morta a pauladas e depois queimada dentro do próprio carro, o pai, a mãe e o irmão de um monstro, uma moça chamada Ana Flávia, que, por oitenta e cinco mil reais, se candidata ao lugar ocupado por Suzane Richthofen. Com o acréscimo que Ana Flávia matou também o irmão de dezesseis anos. Ela e sua amante planejaram o crime, ajudadas por marginais. Aí acordamos. Choramos, esbravejamos, exigimos justiça, para logo calar até o próximo terror.

Mas nem todos dormem, em alguns lugares já acontece um despertar. Um despertar reverso do que seria uma tomada de consciência e que aponta para o retorno à barbárie. A justiça feita pelas próprias mãos. O recrudescimento dos justiceiros, das milícias, linchamentos perpetrados por pessoas comuns tomadas de fúria contra a indecente impunidade ostentada pelos criminosos.

Para maiores, a pena máxima por crimes hediondos é trinta anos, quanto ao cumprimento só Deus sabe; o goleiro Bruno já está aí, tirando fotos com crianças, Suzane cursa faculdade e reivindica a sua parte na herança. Quer dizer, depois de matar pai e mãe por causa de dinheiro, o herói só vai ter que esperar alguns anos para poder usufruir o dinheiro legitimamente herdado. Que dureza, não é mesmo? A lei para menores é mais leniente ainda, três a cinco anos.

A continuar assim, aconselho aos menores herdeiros de fortunas; aos que têm grande ódio de pais e parentes muquiranas, duros de soltar um tostão para a droga de cada dia; aos que tem pais que proíbem namoros, que acabem com esses safados! A lei protege vocês. Dentro de três ou cinco anos todos estarão livres com os bolsos cheios de dinheiro para brincar o Carnaval.

Ceres Costa Fernandes

Mestra em literatura e membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: ceresfernandes@superig.com.br

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