Especial Madre Deus

Transformação do Carnaval no berço do samba, a Madre Divina

Conhecida por ser uma das localidades mais antigas de São Luís, e pela tradição momesca, o bairro testemunhou as mudanças da folia ao longo dos anos

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

[e-s001]Se até o século XIX, a Madre Deus - tradicional bairro de São Luís - era conhecida por ser uma referência no segmento fabril - no século XX (até meados das décadas de 1970 e 1980), a localidade testemunhou, por intermédio de seus moradores, as transformações na festa mais popular do país. Antes conhecida como “festa das elites”, o Carnaval sofreu mudanças e a “Madre Divina” - como é conhecida até hoje -, acompanhou essa metamorfose com contornos e características próprios.

Antes de entender como aconteceram as alterações na configuração da festa de momo no âmbito das manifestações e consolidação de brincadeiras, além de diferentes formas de mobilização popular, é preciso ter ciência da história da Madre Deus. No dia 15 de fevereiro de 2015, O Estado publicou a reportagem: “Madre Deus de trabalho, história e influência cultural de São Luís”.

Nela, é referendada a versão mais oficial das origens e desenvolvimento do bairro nos séculos XVIII e XIX. De acordo com a publicação, a Madre Deus surgiu de um “sítio” denominado de Ponta de Santo Amaro ou Sítio da Madre Deus, como passou a ser conhecido. Segundo Euges Lima, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), com base em pesquisa própria, o Capitão-Mor Manuel da Silva Serrão construiu, à época da fundação, uma espécie de “ermida”, ou pequena igreja.

A medida serviria para abrigar a imagem de Nossa Senhora da Madre Deus, ou “Aurora da Vida”. O fato explica ainda o nome do bairro, que fora batizado de Madre Deus. As primeiras manifestações surgiram em meados da década de 1950, mas a força conhecida da localidade como referência na cultura somente foi sentida pela população anos mais tarde.

Da areia escura da Madre Deus, nasce a batucada efusiva!
Até a década de 1960, a atual região conhecida popularmente como Largo do Caroçudo, na Madre Deus, era um imenso areal, que recebia constantemente circos e outras estruturas. Na área, havia apenas o que se convencionou chamar de Praça Rui Barbosa. Às margens deste areal, estava registrada a Praia da Madre Deus, usada especialmente para a prática da pesca.

Foi nos arredores e nas ruas mais antigas que os compositores e amantes do bom ritmo do samba e da efusiva e marcante cadência do som divino cresceram e passaram a se reunir em pontos conhecidos do bairro. Um dos mais lembrados é a “Quitanda do Seu Alfredo”, ao lado do ponto de encontro mais lembrado pelos tradicionais moradores.

Era lá que se reuniam nomes como Cristóvão Alô Brasil (em referência a sua participação no programa famoso de Flávio Cavalcanti, em que ficou conhecido nacionalmente), “Sapinho”, Nazinho e Reinaldo. Para começar a prosa, em versos musicados, cada integrante desta famosa roda de samba carregava um tonel e/ou um pedaço de madeira.

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Foram várias às vezes que o silêncio da Madre Deus se viu quebrado pela arte poética de improvisar versos e encaixá-los imediatamente em uma melodia marcante. Em paralelo à prática dos compositores, desfilavam - especialmente durante o Carnaval áureo das décadas de 1960 e 1970 - blocos oriundos da Madre Deus, como o “Cruzeiro” - que passava pela Rua 1 e situada ao lado do Largo do Caroçudo.

O bloco era conhecido por ter “Sapinho” como padrinho. “Era um bloco próprio da Madre Deus, mais genuíno, em que as pessoas percorriam as ruas do bairro, principalmente durante a programação carnavalesca daqui da comunidade”, disse Luís Henrique Bulcão, ex-secretário titular de Cultura do Estado do Maranhão e um dos “filhos” da Madre Deus.

Além de “O Cruzeiro”, outros dois grupos marchavam com alegria e irreverência com seus fiéis seguidores e admiradores da Madre Deus até o Canto da Viração (Praça Deodoro), passando pelas ruas de São Pantaleão e do Passeio. A “Turma do Quinto” - que virou escola de samba - tem como nascedouro o desfile como bloco pelas vielas divinas da Madre.

A “Turma” surgiu a partir da iniciativa de Dona “Bibica”, uma das mulheres mais citadas por quem mora na Madre Deus como representante e incentivadora da cultura maranhense. A partir da participação de nomes históricos e famílias conhecidas, como os “Barata”, a “Turma do Quinto” ganhou, aos poucos, seguidores.

Era comum ver, nos anos de 1960, em especial, o estandarte da agremiação percorrendo as ruas acompanhado por um fuá (turma denominada popularmente e que acompanhava a manifestação) de primeira. Além da multidão, também desfilava pela “Turma” o mestre-sala, a porta-estandarte, a princesa e a rainha.

Na memória dos mais antigos, estão os versos de “Caboclinho” - antigo compositor do bairro divino - que em prosa pura e autêntica, ecoava a alegria de seguir para a outra parte do Centro. Entre os versos, estão “Ai ai ai. Eu vou descer para a cidade. Eu vou mostrar para essa gente o que é samba de verdade”, dizia o trecho de uma das músicas.

Quando juntava “Cruzeiro” e “Turma do Quinto” na Madre Deus, era um caso sério. A saída dos blocos, durante o Carnaval, era irregular e não apresentava lógica. Quando havia a coincidência de um desfile em conjunto, estes saíam com destino ao Canto da Viração, onde se juntavam com outras brincadeiras da região do Centro. Além de “Cruzeiro” e “Turma”, também se unia um grupo que inspirou todos os demais no bairro tradicional.

[e-s001]Uma das primeiras brincadeiras “fuzilantes”: Fuzileiros abriram alas para o Carnaval na Madre Deus
Considerada uma das “turmas de batucada” mais antigas da capital maranhense, perpetuada na Madre Deus e até hoje existente no contexto da cultura popular e com o lugar guardado no coração da gente festeira, o grupo Fuzileiros da Fuzarca nasceu na rua São João no Centro, nos idos de 1936. Dois anos mais tarde, o grupo migrou para a Madre Deus graças a uma turma de jovens responsáveis pela fundação e, em consequência, desenvolvimento da brincadeira.

O Fuzileiros ainda surge no contexto inaugurado no século XIX do chamado “carnaval dos cordões” que, para o historiador Ananias Martins, denomina como a época mais “áurea da história” da folia de momo na cidade. Outros historiadores e pesquisadores definem como o “período mais rico da festa em São Luís”.

Ao contrário de outras manifestações, como o próprio “Quinto” que, anos mais tarde, receberam o selo de escolas de samba, o Fuzileiros até hoje carrega a essência da festa divina. Com seus experientes integrantes, o grupo mantém-se vivo, possui sede própria e, com as cores conhecidas em preto e branco, faz parte da programação oficial da festa promovida pelo poder público.

Dentre os nomes mais consagrados, estão os de Patativa e Zé Pivó, lembrados por suas criatividades e facilidades em compor canções.

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