Artigo

Um mal insidioso

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

Então, não brigue com a sua doença. (...) Trate de aprender o que ela quer lhe ensinar

(Rubem Alves)

Um dos autores mais celebrados de todos os tempos, o americano Ernest Hemingway, conviveu durante sua curta existência com uma dos males mais insidiosos que podem acometer o corpo humano, que é a diabetes. A doença o maltratou bastante, mas o escritor - que veio a cometer suicídio - lapidou uma das frases que servem de alento para aqueles que têm que equilibrar diariamente o cuidado com a saúde e o desfrute da própria vida. O homem não é feito para a derrota. Um homem pode ser destruído mas não derrotado, recomendou Hemingway numa das mais belas passagem de O Velho e o Mar, romance que trata do paradoxo da destruição e o seu potencial de ensinamento de superação.

Sábia lição. Desde que o Relatório Lalonde - Marc Lalonde, ministro da Saúde do Canadá -publicado em 1974, em que apontava o estilo de vida como um dos fatores determinantes da saúde das populações - os outros dois elementos são biologia e meio ambiente - nunca foi tão verdade que nosso estilo de vida moderno: urbano, sedentário, com alimentação processada explique a verdadeira epidemia de Diabetes pelo mundo.

O processamento dos alimentos com baixo teor proteico - mas ricos em gorduras e açúcar - tem sido mais devastador para a saúde pública do que qualquer doença anterior em períodos epidêmicos. A razão é que uma doença específica causava uma mobilização intensa e direcionada, às vezes circunscrita a um local e tempo específicos.

A industrialização em massa da alimentação permitiu baratear os produtos, mas com perda em qualidade alimentar. Assim, o alimento ingerido por grande parte da população da terra, em particular nos países pobres, tem aumentado a obesidade e o diabetes. Não se fala aqui de uma teoria da conspiração, mas de fatos evidenciados em inúmeras pesquisas.

Um caso exemplar é a conversão alimentar das populações indígenas brasileiras com grande grau de aculturação. Pesquisa patrocinada pela Fapesp identificou que 66% dos índios Xavantes, no Mato Grosso, apresentavam Síndrome Metabólica que, traduzindo, fatores de risco para doenças cardiovasculares e diabetes mellitus estavam presentes nessa população. As mulheres apresentavam um quadro muito mais preocupante: 76,2% desta população apresentaram Síndrome Metabólica elevada, contra 55% dos homens.

Recentemente a professora do MIT Amy Moran-Thomas, que realiza pesquisas etnográficas pelo mundo, lançou um livro cujo título é “Viajando com o açúcar: crônicas de uma epidemia global”. Nessa obra ela relata a situação de um pequeno país do Caribe, Belize. A dieta da população é basicamente arroz branco, açúcar e farinha branca. Resultado: 13% da população do país têm diabetes hoje. Segundo o governo, mais pessoas morrem por consequência do diabetes do que pela violência. A China, relata a pesquisadora, há 30 anos tinha apenas 1% de sua população com diabetes. Estima-se que hoje são 11%, o que significa quase 120 milhões de pessoas. Mas ainda perde para os EUA.

A federação Internacional de Diabetes estima que haja 425 milhões de pessoas diabéticas no mundo, número que deve subir para 600 milhões nos próximos vinte anos. O que é mais terrível é o que revelou a pesquisa publicada em 2013, que mostrou que 65% das pessoas com a doença não conseguem ler os sintomas, ou seja, não sabiam que estavam doentes. Isso leva a outra informação alarmante. Apenas um terço das pessoas recebem tratamento adequado e, mesmo assim, metade deste número não mantinha os níveis de glicose em níveis saudáveis.

Então, diante de números tão estarrecedores, não nos resta outra alternativa: a prevenção e a educação. Prevenir, ao adotar hábitos saudáveis; educar, para disseminar conhecimento e informação, para que as novas gerações sejam capazes de garantir uma existência com números menores de pessoas portadoras da diabetes.

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, Reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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