Cinco décadas de história

Ponte: acesso a área que hoje é nobre e os problemas atuais

No contexto do "Maranhão Novo", a cidade receberia a ponte que, antes mesmo da inauguração, era conhecida como "Ponte do São Francisco"

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

[e-s001]O ano era 1970. Após intenso trabalho, finalmente chegou a data tão esperada. O dia escolhido foi 14 e o mês, fevereiro. Um sábado ensolarado e cercado de expectativa para o que os jornais da época chegaram a denominar como a grande “obra de desenvolvimento” para São Luís. No contexto do “Maranhão Novo” – período modernizador do estado, que coincidiu com a gestão do então governador José Sarney – a cidade passaria a receber a obra que já era, antes da inauguração, conhecida popularmente como “Ponte do São Francisco”.

A concessão do nome oficial de José Sarney foi uma honraria concedida pelos gestores dos serviços. Quanto à inauguração, a expectativa na cidade era grande. Jornais da época evidenciavam, com artigos e declarações de dirigentes responsáveis, a importância da estrutura que “ampliaria” o progresso da cidade e seria responsável pela expansão em uma região urbana ainda desconhecida da maioria populacional.

Fotos do período demonstram que – marcada para o fim da tarde –, horas antes, era grande a concentração de público nos arredores e no trajeto da ponte. Muitas pessoas tinham a curiosidade de saber como era literalmente atravessar o Rio Anil por uma peça da engenharia “tão bem feita”.

Vendedores ambulantes e moradores da cidade aproveitaram a tarde de sol para, muitos deles, passarem pela ponte – vendendo os seus produtos ou desfrutando da brisa da orla da Ilha. Antes da entrega, os veículos ainda não circulavam.
Para a solenidade, o governo à época em parceria com o Município preparou uma “formidável” programação, composta por blocos e escolas de samba ao longo da ponte. A ideia era, de fato, marcar a data com uma inesquecível atividade. Chancelando a participação pública na obra, o então governador José Sarney, acompanhado pela primeira-dama, dona Marly, além de autoridades, caminharam pela ponte a pé no sentido Centro-São Francisco.

A caminhada, pelos jornais, teve o roteiro definido entre “a cidade antiga e a área que se transformaria em uma nova faixa de ocupação da cidade”. Para Benedito Buzar, pesquisador, amigo de Sarney e que acompanhou o período do Maranhão Novo, o ato referendou uma das principais obras da então gestão pública. “O ex-presidente, no auge da idade, fez questão de percorrer a nova via para marcar a expansão da cidade que se daria a partir de então”, afirmou Buzar.

Segundo periódicos, estiveram presentes no ato o prefeito de São Luís, Vicente Fialho, o secretário de Fazenda, Pedro Neiva, o secretário de Agricultura, Lourenço Vieira da Silva, o ex-prefeito de Caxias, Aluísio Lôbo, o prefeito de Caxias, Marcelo Tadeu, o deputado federal, Ivar Saldanha, dentre outras autoridades.

A O Estado, o ex-presidente e então governador José Sarney revelou a expectativa pessoal e da população pela entrega. “A cidade estava toda mobilizada. Para nós, era uma grande responsabilidade por saber que se trataria de uma obra cujo legado seria, a partir de então, incalculável para a cidade”, afirmou. Antes da entrega da Ponte do São Francisco, no fim de janeiro daquele 1970, Sarney entregou outras obras para a população.

[e-s001]Uma delas, também considerada de suma importância, foi a entrega no dia 31 de janeiro de 1970 do Parque da Cidade, que seria conhecido como Parque do Bom Menino (cuja mudança se deve à sugestão do próprio Sarney). Era a execução, na prática, da política progressista e desenvolvimentista do Maranhão Novo.

Outra obra do gênero e que se somou à política e considerada igualmente importante – e executada em paralelo à Ponte José Sarney – foi a Barragem do Bacanga. Enquanto a última serviria para a consolidação da infraestrutura necessária para a implantação do parque industrial naquela região da cidade, a então ponte serviria para o estímulo da criação de novos imóveis e moradias nos arredores da orla da Ilha.

O objetivo de expansão da cidade fora alcançado anos mais tarde. Para isso, era necessário solidificar a estrutura.

Período pós-ponte
O projeto de expansão da cidade, referendado por Rui Mesquita e pela gestão pública maranhense, não se resumia apenas à construção e entrega de uma das obras mais elogiadas até hoje pelos envolvidos e sociedade em geral. Era necessário estimular ainda a migração do eixo central (cujo estrangulamento populacional preocupava a administração).

A partir daí, o Município e Governo passaram a criar rotas urbanas – assim como foi feito dois anos antes com a entrega da Ponte do Caratatiua – que viabilizaram o fluxo populacional para localidades, até então, desconhecidas como Ipase, Maranhão Novo, Olho d’Água e adjacências. O mesmo foi feito no eixo Itaqui-Bacanga que, com a barragem, gerou um acesso às novas indústrias e fomentou a criação de bairros. No final da década de 1960, já havia o registro de localidades, como o Anjo da Guarda, por exemplo (cujo nascimento se deve ao trágico incêndio no Goiabal).

Com a construção da Ponte do São Francisco, os moradores que ocupavam o núcleo central foram indenizados pelo Estado para deixarem a área. Para além da ponte, conforme explica o ex-dirigente do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e ex-prefeito de São Luís, Vicente Fialho, foi construída a Avenida Marechal Castelo Branco e, em pouco tempo, o São Francisco.

Para isso, a migração era fundamental, mas a rota viária precisaria ser alicerçada por nova estrutura. “Era preciso solidificar o terreno para a abertura da avenida que interligaria a ponte à parte então desconhecida da cidade. E isso foi feito”, disse Vicente Fialho a O Estado.

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Além de imóveis, foram surgindo bairros – como o Renascença a partir da maçonaria – e unidades habitacionais. Dentre as construções pós-ponte, conforme especifica Benedito Buzar, estão o Banco da Amazônia (Basa).

Uma das consequências do movimento migratório na região e na rotina da capital maranhense é relatada pelo próprio José Sarney. Com a construção da ponte, os chamados canoeiros, que faziam a rota no braço do Rio Anil bairro/Centro perderam força. Segundo o ex-gestor, o fato teve influência direta no rumo político da cidade, anos mais tarde. “Em eleições seguintes, as urnas do outro lado da cidade eram negativas para nós. Os canoeiros passaram a não votar mais em mim”, disse aos risos.

Transformações da Ponte do São Francisco
Após quase duas décadas de uso, o governo Epitácio Cafeteira, no fim da década de 1980, promoveu uma reforma na estrutura da Ponte do São Francisco. Foi neste período que, de acordo com Buzar, a estrutura passou de duas para três faixas. Houve ainda a colocação de mureta de proteção para a travessia dos pedestres, nos dois sentidos. E ainda a inclusão de um semáforo específico para a indicação da liberação, ou não, da faixa central.

Além da recuperação na pista, houve reforço nas pilastras e vigas de sustentação. Esta foi a última recuperação mais ampla da via que, nos dias atuais, é gerida pelo Estado e recebe reparos.

Recentemente, parte da estrutura de proteção ao lado da passarela dos pedestres cedeu, e está em processo de recuperação. O Estado acompanhou na sexta-feira, 31, os trabalhos executados pelo Governo do Maranhão, por meio da Secretaria Estadual de Infraestrutura (Sinfra).

[e-s001]Os pedestres “de rotina” da Ponte

Além do fluxo intenso de veículos, especialmente em horários de pico, registrado na ponte – o que obriga o rodízio na travessia dos carros e outros meios das 17h às 19h de segunda a sexta-feira – pedestres utilizam a via diariamente para se deslocarem, com mais facilidade, para suas residências e/ou outros compromissos. É o caso dos serventes Marcos André e Luiz Saraiva. Diariamente, eles passam pela via e, segundo eles, facilita o acesso. “Para mim, é ótimo. Moro do outro lado da ponte e trabalho no Centro. Nem preciso pegar condução”, disse Marcos André.

[e-s001]O feirante João Carlos Silva, morador do Coroadinho, usa a ponte para se deslocar até a feirinha do Renascença. “Apesar dos problemas na passarela, facilita muito o acesso para onde trabalho”, afirmou. O mesmo diz o professor Alexandre Mendonça. “Para mim, que moro no São Francisco e trabalho no Centro, não há acesso melhor”, afirmou.

O curioso caso da Ponte do São Francisco (Por José Chagas)

Um dos nomes mais importantes da literatura maranhense, José Chagas, e considerada uma das mentes mais brilhantes do estado do Maranhão, teceu alguns versos em periódico da cidade acerca da obra da Ponte José Sarney. No texto, com elementos de ironia, o poeta “cutucava” quem tentava, segundo ele, denegrir a imagem do poder público com a construção da ponte. Havia, à época, os pessimistas que faziam de tudo para minimizar os efeitos positivos para a cidade.

“Falo aqui no ‘caso da Ponte’. Mas há só o caso; a ponte, não. E exatamente porque não existe a ponte é que existe o caso. O caso da ponte. O poeta Fernando Pessoa, em um dos seus poemas, dizia: ‘é preciso destruir a intenção de todas as partes. No Maranhão, porém, o que é necessário, antes de mais nada, é destruir a intenção de certos administradores que prometem construir pontes. Este poema não pretende destruir a intenção dos administradores. Mesmo porque eles são poderosos. Também não pretende destruir a intenção da ponte, até porque esta não existe. Este poema é que pode acabar sendo destruído. Procure lê-lo antes disso.”

Ponte: acesso a área que hoje é nobre e os problemas atuais

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