Empoderamento

Felicidade no coletivo: gorda sim, mermã! E com muito orgulho!

Na capital, há dois anos, existe grupo que se aceitam como são; mulheres belas que querem reconhecimento de uma sociedade excludente

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

[e-s001]A criação de padrões estéticos, especialmente para o sexo feminino, faz parte de uma cultura global que encontrou mais recentemente raízes e especificidades em determinadas sociedades que, na sua essência, sempre exaltaram que – para uma mulher ser bela – deve ser mais magra e com o corpo escultural. Apesar dos estereótipos que ainda colocam à margem quem foge ao padrão magérrimo de configuração corporal, em São Luís – que não registra um levantamento específico acerca do quantitativo de mulheres acima do peso – existe um grupo constituído por pessoas do sexo feminino que se sentem belas e formosas com “uns quilos a mais”.

O objetivo do coletivo “Sou gorda, mermã!” é aglutinar e acolher mulheres que, seja no eixo familiar (onde estão a maioria dos casos de exclusão) ou no ambiente de trabalho, universitário ou em situações corriqueiras, sofram ou tenham sofrido traumas em virtude de uma humilhação causada pelo peso.

Cada integrante do grupo registra uma história diferente, mas um desfecho em comum: uma imposição da sociedade que, ao estabelecer certos padrões, determinou que somente pessoas – ou mulheres – mais magras podem ser mais felizes. As mulheres do “Sou gorda, mermã!” pensam exatamente o contrário e, unidas, querem mostrar à maioria que o estabelecimento de padrões de beleza deveria ser mais flexível.

Dissecar algumas das histórias das integrantes do coletivo é, acima de tudo, encorajar quem ainda esteja em situação semelhante – ou de repressão social – para levantar a bandeira da liberdade.

Contra a gordofobia: a luta do “Sou gorda, mermã!”
Há dois anos, um grupo de mulheres que se assumiam intimamente gordas decidiram mostrar essa aceitação para a sociedade ludovicense e, ao mesmo tempo, acolher quem ainda se sente excluída ou sofre preconceito por ser gorda. O “Sou gorda, mermã!” atualmente conta com 150 colaboradoras e, diariamente, recebe convites para palestras e rodas de diálogo em entidades representativas da sociedade civil.

Uma das metas principais do coletivo é combater a chamada “gordofobia”, termo que entrou na pauta da agenda pública para identificar o preconceito que pessoas gordas ainda sofrem nas vidas afetiva, profissional e social. Não é incomum o relato de mulheres que já ouviram nas ruas alguns termos do tipo “balofa” ou questionamentos, como por exemplo “por que razão você não emagrece?”.

A criadora do coletivo “Sou gorda, mermã!” é Nayara Mendes, uma jovem da periferia de impressionante personalidade e que decidiu, em conjunto com outras amigas gordas, encorajar mulheres que ainda sofram com a autoestima ou que estejam excluídas do ambiente doméstico e até de trabalho devido ao peso.

O grupo questiona modelos estabelecidos, como a moda plus size. Segundo Cláudia Lima, integrante do “Sou gorda, mermã!”, o padrão criou uma referência não-reconhecida por quem realmente é gorda. “Criaram um padrão de que a mulher plus size somente deve ter o quadril largo e a cintura fina. Isso é uma excludente”, afirmou.

O padrão gordo será contemplado no Carnaval de passarela deste ano. A escola Turma de Mangueira, que abordará a história de Maria Firmina dos Reis, terá uma ala somente com mulheres gordas.

A dirigente reconhece que, apesar de desvantagens, a moda plus size derrubou com o tabu e o constrangimento na hora de uma mulher gorda ir às compras e renovar o vestuário. “Era um sofrimento ir até a uma loja. A vendedora já me olhava e dizia que não tinha roupa do meu tamanho. Atualmente, não”, disse.

Sou sensual, sim!
Diariamente, Cláudia Lima se senta em frente ao espelho de sua casa e, ao se maquiar, olha uma mulher bela e sensual. “Tive dois filhos, no momento estou solteira. Mas sou do tempo em que as pessoas diziam que, para namorar, tinha que ser magra. E eu namorei para caramba!”, disse.

Atualmente com 38 anos, Cláudia sempre foi gorda. “Já nasci com cinco quilos, não sei o que é ser magra”, afirmou. Para ela, apesar da falta de referência familiar, nunca houve fragilidade psicológica por ser gorda. “Nunca me senti para baixo, mas me incomoda ver mulheres mais gordas se sentindo excluídas”, afirmou.

“Já fiquei entalada na catraca do ônibus!”
Ao voltar para casa, Nayara Mendes – antes de fundar o “Sou gorda, mermã!” - entrou em um ônibus e, após pagar a passagem à cobradora, passou a viver a situação mais constrangedora de sua vida. “Fiquei entalada na catraca, não conseguia entrar e nem sair. O duro foi ouvir os passageiros, que aguardavam para passar, falando e me questionando porque eu não emagrecia. Isso foi muito humilhante”, afirmou.

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Foi o estopim para que a jovem de 25 anos se debruçasse no projeto de criar o coletivo voltado às mulheres gordas. Antes da situação constrangedora, em casa, o apoio não era preponderante. “O meu pai me recriminava. Só me lembro de, aos 9 anos, ir caminhar com meu pai todos os dias. Não era para me ensinar ser saudável, era só para perder peso. Era uma verdadeira tortura”, afirmou.

Sem perder o peso planejado, ela recorreu à medida extrema. “Passei a ingerir medicamentos por conta própria, na pré-adolescência. Só para tentar emagrecer e ser do jeito que as pessoas queriam, sem importar se era isso que queria mesmo”, afirmou.

Atualmente, a jovem conta com o apoio das amigas. “Hoje me sinto feliz e bela comigo mesma. Sou outra pessoa”, disse.

[e-s001]Já fui magra!
A também jovem Dayanne Pires, de 29 anos, era magra até os 18. Ao contrário de outras mulheres, em casa, houve apoio familiar com o ganho repentino de peso. O problema, segundo ela, era a cobrança externa. “Era superativa, participava de danças. Depois, não conseguia mais fazer. A aceitação foi difícil não para outras pessoas, mas em relação a mim mesma”, disse.

Entre consultas com endocrinologistas, idas e vindas de academias, Dayanne decidiu ser gorda. “Deixei de mão, não fiz cirurgias com medo das consequências. Recentemente, fui ofendida em festas da minha formatura. Vi amigos falando que não iam comigo no carro pois eu era gorda e isso foi difícil de ouvir”, relatou.

“Saí da quase depressão e hoje me aceito como gorda!”
A vida de Cleudilene Pereira, de 31 anos, poderia ter tomado um rumo diferente. Acima do peso desde criança, a dona de casa também decidiu contar sua história após um caso de preconceito. “Em um grupo da família, na rede social, uma pessoa disse que só era bonita de rosto e o resto podia jogar fora. Estava falando em relação ao meu corpo e qualquer mulher se sentiria ofendida, ao ouvir algo do tipo”, afirmou.

O episódio se somou a outros vividos pela mulher, que já foi excluída de emprego ou de rodas de amigos devido ao peso. “É horrível se sentir assim, fora da sociedade”, confessou. A ajuda das companheiras do “Sou gorda, mermã!” foi fundamental para a virada em sua vida e para deixar um processo ainda prematuro de depressão. “Se alguém me falar novamente que só presta o meu rosto, a minha reação será totalmente diferente. Sem violência e com personalidade”, disse a também integrante do “Sou gorda, mermã!”.

[e-s001]Ser magra também é sim motivo de orgulho!

Mudanças de hábitos foram fundamentais para as mulheres que decidiram emagrecer

Ao situar que existe uma diversidade no pensamento feminino sobre uma referência corporal, é preciso destacar o exemplo ainda de mulheres que decidiram mudar de vida e dar “um basta” nos quilos a mais. Segundo elas, o compromisso com a programação física e readequação de hábitos alimentares interferiram positivamente em outros fatores, como estresse e ansiedade.

O Estado também conta e explicita casos de representantes femininas que, em pouco tempo, criaram hábitos saudáveis e puderam se chamar de magras pois assim se reconhecem atualmente e são felizes desta maneira. Um exemplo claro disso é a história de Lívia Soares. Após a gravidez, há nove anos, a agora orientadora física ganhou alguns quilos e, por pouco, não se “conformou” com o biotipo.

Foi a partir do incentivo de seu atual marido e professor de academia, Eduardo Roberto, que a então somente mãe passou a se dedicar ao ofício de atleta. “Vinha sem compromisso para a academia, somente para ver as outras pessoas ou fazer uma barra ou um exercício aqui e outro ali. De repente, estava envolvida no processo de busca pela melhora física, mudei hábitos alimentares, passei a perder peso e atualmente tenho outra vida”, disse.

Questionada se a “atual vida” é melhor do que a anterior, a profissional foi sincera. “Nada contra quem tem um peso a mais. É uma questão única de autoestima, mas não me vejo mais acima do peso. Pelo contrário, a saúde exige que você cuide do seu peso e alimentação. Eu me sinto bem assim do jeito que sou, quem se sente bem tendo mais peso, tudo bem. O importante é que a mulher se sinta feliz”, afirmou.

A orientadora já participou de competições de halterofilismo (esporte de levantamento de pesos e halteres) e até ganhou destaque nacional. A meta dela é influenciar para que outras mulheres também sejam levadas a procurar um profissional. “Fazer atividade física é uma questão de saúde. Claro que há pessoas acima do peso que fazem exercício. Mas o excesso de peso é, com certeza, um indício de desajuste que pode ser contornado”, afirmou.

Lívia Soares contou a O Estado um episódio vivido por ela há alguns meses. “Estava na rua e uma senhora olhou para mim e perguntou se eu achava certo ter o corpo de um homem. Eu disse a ela que me sentia bem assim, mas nunca pensei que passaria por isso algum dia”, disse.

Quem também não se sentia bem tendo “uns quilos a mais” era a advogada Juliana Bragança. Segundo ela, o peso era mero reflexo de um modo irregular de vida. “Era intranquila, inquieta. Com dificuldades muitas vezes de concentração e para relaxar nos momentos de folga. Estava ligado ao meu modo de vida e aos quilos a mais. Decidi fazer algo que não era rotineiro em minha vida, ou seja, entrar para a academia e mexer o meu corpo. O resto, a perda de peso, foi mera consequência”, afirmou.


[e-s001]Ela respeita as mulheres que são satisfeitas com o corpo mais gordo. “Sem dúvida, a mulher deve se sentir bem consigo mesma, independentemente de que forma. Sou feliz assim e se a mulher é feliz sendo gorda, não tem problema. É uma questão de gosto ao qual respeito”, disse a advogada.

Fatores de elevação de peso
Alguns fatores são indicados por médicos e orientadores físicos como preponderantes para a elevação do peso e ascensão acima da média da massa corporal. Um deles é o estresse, que eleva taxas hormonais e gera vontade súbita de ingestão de alimentos gordurosos. Além disso, o estresse também está relacionado à rotina desregulada, com refeições fora de hora e sem a riqueza de nutrientes necessária para uma boa dieta.

Outro fator é o excesso de substâncias, como o cortisol, também associado ao estresse. Segundo estudos, o cortisol é produzido na parte superior da glândula suprarrenal e, em doses controladas, é o responsável pela sensação de prazer no indivíduo. Em doses elevadas, gera ganho excessivo de peso e, caso esteja em concentração baixa, pode levar à depressão.

Além das razões ligadas ao funcionamento do organismo, há ainda o sedentarismo, ainda comum entre os brasileiros. Apesar da mudança de cultura, nos últimos anos, que estimularam uma corrida para empreendimentos especializados na reeducação corporal, como academias, brasileiros em geral passaram a usar espaços públicos para exercícios. Na capital, são comuns registros de pessoas malhando ou se exercitando em locais, como a Avenida Litorânea.

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