Artigo

Silêncio como remédio

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

“Somos feitos de silêncio e som...”
(Certas coisas - Lulu Santos)

O silêncio hoje é um luxo. O termo poluição sonora nunca foi tão verdadeiro e contemporâneo como agora. Nosso cérebro é uma imensa Babel de sons com a qual nos viciamos. Curiosamente, as pessoas usam sons para fugirem da grande nuvem de ruídos e barulhos das metrópoles. Basta uma rápida olhada na rua, no shopping, no transporte coletivo e veremos dezenas de pessoas ao nosso redor com seus fones de ouvido.

Este hábito está mais presente entre os jovens. Isolados, alheios e ensurdecidos, a maioria deles vive, sob essa poluição sonora, em suas “confortáveis” solitárias, praticamente durante 24 horas e em decibéis incompatíveis com a saúde auditiva. A Organização Mundial de Saúde afirmou, no ano passado, que mais de um bilhão de jovens correm sério risco de perda auditiva. O problema atinge cerca de 50% dos que, entre 12 e 35 anos, vivem a bela época da juventude e mocidade.

O ruído contínuo está associado a estresse, doenças metabólicas e cardiovasculares, déficits cognitivos em crianças, zumbidos nos ouvidos, distúrbios do sono, danos ao aparelho auditivo e até mesmo à obesidade, como relatou uma reportagem publicada pela BBC Brasil, citando pesquisa da Organização Mundial da Saúde.

Neste contexto, o silêncio aparece como uma verdadeira terapia cada vez mais valorizada, segundo pesquisa recente feita por neurocientistas. Essas pesquisas revelaram que o silêncio pode ter efeitos preventivos contra distúrbios mentais como a depressão ou a doença de Alzheimer.

Há séculos, a ideia de silêncio, embora motivada pela espiritualidade, foi descoberta como uma forma de viver. Atualmente, cada vez mais pessoas têm buscado a prática de retiros de silêncio, como uma forma de experimentar os benefícios comprovados que um ambiente e uma mente silenciosa podem proporcionar. Outra pesquisa revela que monges, que escolheram a meditação como fórmula existencial, viveram 20 anos mais do que pessoas imersas nessa atmosfera ruidosa. Não é à toa que nos espaços onde se promove a saúde e a educação - a exemplo dos hospitais e bibliotecas - as placas informativas alertam para a necessidade de que as pessoas, na medida do possível, respeitem o silêncio.

O silêncio produz benefício a todas as pessoas. Quando se diz silêncio, não se quer dizer a ausência absoluta de sons. Num retiro de silêncio há sons, mas são aqueles para os quais as pessoas estão surdas. Os sons da natureza, por exemplo. O silêncio é inspirador. Poetas e músicos se valeram desses recursos para “ouvir” a si mesmos em seus momentos inspirados quando, então, produziram suas melhores obras. O silêncio permite um monólogo interior, experiência que está cada vez mais difícil, tantas são as vozes que temos na cabeça, além dos decibéis que nos rodeiam.

Os cientistas enumeram, pelo menos, cinco vantagens que o silêncio proporciona para a saúde: faz com que nos sintamos mais presentes; permite que pensemos com clareza; permite darmos melhores respostas; aliviar o estresse e nos afasta da roda viva ocasionada pelas redes sociais.

O poeta chileno Pablo Neruda, num de seus mais belos poemas, convida os seres humanos a um emudecimento temporário, como meio para alcançar uma visão mais compassiva e generosa com o que os cerca:

“(...) talvez um grande silêncio possa interromper esta tristeza./ este não nos entendermos jamais,/ este ameaçar-nos com a morte,/ talvez a terra nos ensine/ quando tudo parece morto/ então tudo está vivo.// Agora contarei até doze/ e você se cala e eu me vou”. (O silêncio, de Pablo Neruda).

Talvez o mais prudente seja, em todos os sentidos, atender à sabedoria de Salomão escrita no livro de Eclesiastes: “As palavras dos sábios ouvidas em silêncio valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos”. (Eclesiastes 9:17).

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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