Alvo de protestos

Reforma da Previdência é batalha decisiva para Emmanuel Macron

Desfecho da reforma determinará destino do projeto do presidente de governar acima de direita e esquerda

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Emmanuel Macron, durante entrevista coletiva na cúpula da União Europeia, em Bruxelas
Emmanuel Macron, durante entrevista coletiva na cúpula da União Europeia, em Bruxelas (Reuters)

PARIS - A cada iniciativa de mudança no sistema de Previdência Social na França, ressurge a frase do ex-primeiro-ministro Michel Rocard, pronunciada em 1991: “A reforma da aposentadoria é capaz de derrubar vários governos”. No ar, paira o espectro das greves de 1995, que paralisaram o país por três semanas e fizeram o então premier Alain Juppé abandonar seu projeto de reforma. O atual embate entre parte da sociedade civil, servidores públicos, sindicatos e o governo em torno de mais uma tentativa de alteração nas regras põe o presidente Emmanuel Macron em uma encruzilhada.

Para analistas, trata-se da reforma mais importante de sua Presidência e crucial para o futuro do mandato. No tabuleiro político, eles assinalam que o desfecho da queda de braço, seja qual for, favorecerá Marine Le Pen, líder do partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), nas eleições presidenciais de 2022.

Às vésperas das festas de fim de ano, a França entrou na terceira semana de greve nos transportes e serviços públicos, acompanhada de protestos nas ruas contra o projeto de reforma da Previdência apresentado pelo primeiro-ministro Édouard Philippe. O governo quer implantar um sistema universal por pontos, suprimindo os 42 diferentes regimes vigentes, e elevar a idade de referência da aposentadoria de 62 para 64 anos.

Situação bloqueada

Os sindicatos divergem entre si em relação à adoção do sistema por pontos, mas não abrem mão da idade mínima de 62 anos. A última reunião entre o premier e líderes sindicais, na quinta-feira, não desfez o impasse, e as paralisações foram mantidas, apesar da pausa natalina anunciada pelo Unsa, segundo sindicato da SNCF, a estatal ferroviária. Uma nova jornada de mobilização nacional está marcada para o 9 de janeiro.

Para o analista político Luc Rouban, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS), a reforma da aposentadoria é a “grande e decisiva batalha do macronismo”.

"Se conseguir vencê-la, Macron poderá dizer que cumpriu sua promessa de campanha de 2017 e que implantou o verdadeiro programa de reforma da sociedade francesa. Se fracassar, será o fim. Não poderá fazer mais quase nada e se verá encurralado até 2022. Hoje, a situação está bloqueada. Na falta de um acordo, o governo poderá acabar passando a lei no Parlamento, pois tem a maioria absoluta. Mas é um conflito que corre o risco de perdurar. E com esta reforma, reaparece a clivagem esquerda-direita, que havia sido enterrada muito rapidamente.

Ao procurar adaptar a economia francesa à globalização, Macron passou por cima dos partidos, diz Rouban, tentando aprovar reformas em um estilo gerencial, sem se preocupar com direita ou esquerda. Segundo ele, o macronismo nascente, que pregava uma mobilização de forma horizontal e participativa, começou a degringolar em 2018, tornando-se cada vez mais liberal e autoritário, em uma lógica vertical de poder. E isso em um país dotado de um “sistema complexo, muito corporativo, principalmente na função pública, com uma hierarquia social muito clara”.

"Os franceses são, em sua maioria, pouco liberais em termos econômicos, muito menos do que os britânicos e os alemães", acrescenta Rouban. "Na Europa, são os mais atraídos pelo serviço público e o Estado. O governo está bastante isolado hoje, em meio a uma contestação recuperada em parte pelos sindicatos, que perderam bastante poder e a confiança dos assalariados nos últimos anos. Agora, tentam se impor como interlocutores, evitando o erro dos coletes amarelos, que foi a violência".

Paradoxos oficiais

Rouban aponta também para o enfraquecimento dos partidos da direita e esquerda tradicionais, em um empobrecimento do debate político:

"O problema, hoje, é que a oferta política não corresponde à expectativa dos franceses. Marine Le Pen tem uma sólida base de votos populistas e soberanistas da direita radical. A perspectiva de um novo duelo entre ela e Macron é perigosa, porque muitos dos eleitores de esquerda que no segundo turno de 2017 votaram nele desta vez vão se abster ou votar em branco. As projeções atuais indicam que Macron venceria o segundo turno de 2022 contra ela, mas com margens bem menores".

Bruno Cautrès, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), define a reforma da aposentaria como o “pilar do macronismo” e um dos principais exemplos dos paradoxos do governo.

"O projeto de Macron é de centro-direita, revestido de palavras de centro-esquerda, de justiça e igualdade. No caso da Previdência, há nos debates elementos do conflito esquerda-direita, porque se fala de aposentadoria sem abordar emprego e salário. O macronismo não consegue se firmar como um projeto de sociedade, no sentido de fazer as pessoas aderirem a algo importante. No pleito presidencial de 2022, é certo que parte da população vai ajustar contas".

Para Christophe Bouillaud, da Sciences-Po Grenoble, Macron afirma cada vez mais uma tendência “thatcherista” e “neoliberal tardia”.

"Mas, diferentemente de Margaret Thatcher [premier britânica de 1979 a 1990], aqui se mantém uma fachada, se diz que é social e que a reforma vai melhorar o destino da população precária. Macron conseguiu refazer a unidade sindical. E também favorecer a Reunião Nacional, que se posicionou contra o projeto. Em 2022, se a reforma tiver sido implementada, Marine Le Pen poderá dizer que irá revisá-la, e defender que a economia necessária ao país será feitas em cima dos imigrantes".

Édouard Philippe procura desestimular os nostálgicos ao afirmar que “a França mudou muito entre 1995 e hoje”. O premier prossegue suas reuniões com líderes sindicais e patronais em busca de um consenso mínimo. Tenta, pelo menos, resgatar a CFDT, uma das cinco maiores organizações sindicais do país — e a mais alinhada com o governo — que apoia o sistema universal por pontos.

Para o sociólogo Michel Wieviorka, diretor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, o premier sabe que sua sobrevivência está em jogo.

" Macron, no momento, deixa agir seu primeiro-ministro. Isso significa que, se a crise aumentar e o governo for obrigado a recuar, Édouard Philippe deverá partir".

Wieviorka se diz preocupado com o fim de uma “exceção francesa”: a existência de dois populismos que até então se equilibravam: a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon, à esquerda, e a Reunião Nacional, à direita.

"O de esquerda se enfraqueceu desde 2017. Restou apenas o de direita. Será muito fácil para a Reunião Nacional pôr a culpa no governo".

Por enquanto, o governo mantém o cronograma que prevê, nesta semana, o envio do projeto de reforma ao Conselho de Estado, para depois ser apresentado em reunião do Conselho de Ministros em 22 de janeiro.

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