Livro

Emicida lança livro para celebrar 10 anos da primeira mixtape

Antologia reúne textos de artistas, historiadores, poetas, pensadores e pessoas próximas ao rapper, além de ilustrações que remetem ao mundo das HQs

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Detalhe da capa do livro do rapper Emicida
Detalhe da capa do livro do rapper Emicida (livro Emicida)

São Paulo - A história é conhecida: aos 24 anos, Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, saía diariamente do Cachoeira para vender a sua primeira mixtape, "Para Quem Já Mordeu Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe..." (2009), pelas ruas de São Paulo. A produção era no estilo “faça você mesmo”. Um CD-R gravado em casa, embalado por papel craft e uma capa "impressa" por carimbo. O preço? Dois reais.

O que parecia o corre por uma carreira (ou pela sobrevivência) se tornou, na verdade, aquilo que revolucionaria a indústria do rap no Brasil. Em um ano, foram mais de 10.000 cópias vendidas e a história continua sendo escrita por aquele que é, hoje, um dos principais artistas do país. Se a trajetória dele é coerente, é porque tem um alicerce forte (sim, aquela primeira mixtape) somado ao entendimento de que é necessário voltar ao começo. Por isso, após 10 anos, Emicida lança o livro “Antologia Inspirada na Mixtape Para Quem Já Mordeu Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe...” (Ed. LiteraRUA em parceria com a Laboratório Fantasma).

A mixtape inicia com o verso verso “É difícil plantar ambição, sem ver a ganância nascer” e se encerra com “E antes de escrever um rap, me liga e pergunta se pode”. Da faixa 1 a 25, são muitas ideias, histórias de vida, contextos e sentimentos. Como Emicida sempre entendeu a música como um diálogo, ele decidiu convidar outras pessoas para se debruçar sobre a sua estreia fonográfica em um formato de faixa a faixa comentado. Ao longo das 168 páginas que compõem o livro, o público se aproxima do artista e da sua obra pela perspectiva histórica, coletiva e afetiva. Mas não só, pois o resultado da leitura reflete o retrato social, político e econômico do Brasil (dez anos depois do lançamento, a mixtape ainda soa extremamente atual).

Partindo de um prefácio comovente escrito por Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil em 2009 (quando Emicida, no Cachoeira, no quartinho calado, preparava sua mixtape de estreia), a antologia ressalta a importância do mestre(a) de cerimônias e da cultura hip hop, por exemplo. Isso se dá pela caneta da atriz-MC Roberta Estrela D’Alva, incumbida de comentar “Intro (É Necessário Voltar ao Começo)”. “Por meio da sua voz, abre caminho para que muitas outras vozes sejam ouvidas”, afirma. O poeta Sérgio Vaz, por sua vez, traduz “Pra Mim (Isso É Viver)” como um filme que passa diante dos seus ouvidos e resume: “cantar a quebrada é entender que a periferia não é um lugar, é um sentimento”. Em seguida, a sambista Leci Brandão faz um paralelo entre o rap e o samba presentes em “Ainda Ontem”: “ele faz freestyle, a gente faz partido alto”.

A jornalista Eliane Brum ressignifica a visão dos nossos olhos domesticados ao comentar “Só Isso”. Sua fala é sobre “reexistir”, tendo como desacato a delicadeza. Já Mateus Potumati, também jornalista, identifica – em “Sei Lá” – a desconstrução de temas feita pelo rapper paulista. “Ao assumir abertamente, logo na introdução, sua vulnerabilidade em relação à mulher que o faz sofrer, Emicida rompe com a postura inabalável do eu lírico (normativo) de uma crônica de relacionamento”, explica.

“Quando Emicida retrata a vida do jovem negro e pobre da periferia das grandes cidades, ele lida com o efeito palpável deste processo de abandono e de ódio secular”, diz o necessário texto – sobre “Cidadão – do professor, escritor e sociólogo nordestino Jessé Souza. E continua: “O jovem da periferia já nasce sem futuro. Nasce para morrer jovem, sem que sua morte produza dor ou luto”.

Força de expressão seria dizer que “Triunfo”, faixa que catapultou o nome de Emicida, é um capítulo à parte. E é mesmo. Autor do livro “Rastros de Resistência”, Ale Santos faz uma contextualização primorosa (afinal, é o Negro Drama do Storytelling) dos séculos de escravidão que paralisaram a história de vários povos africanos e chega em “Triunfo” ao perceber o rapper paulista como alguém que “reconhece o poder das narrativas ancestrais, como consegue moldá-lo para construir seu próprio império em diáspora”. CEO e fundadora do Movimento Black Money, Nina Silva fala como o racismo estrutural resultou também em um abismo socioeconômico”. Profissional do texto, Arthur Dantas define em sua vez: “‘Triunfo’, uma dessas faixas que encapsulam um breve espaço de tempo em espécie de manifesto urgente, apresentado perfilando versos angulosos e contundentes, descarregando todo um arsenal de temas imagens numa sequência inaudita de punchlines venenosas”.

Ao todo, 105 pessoas mostram a sua interpretação das faixas de "Para Quem Já Mordeu Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe..." Cada capítulo é precedido ainda por um curto comentário de rappers e músicos, entre eles Karol Conka, Rael, Djonga, Thaide e Criolo. As 25 faixas foram ainda reinterpretadas por artistas em ilustrações que remetem ao universo das histórias em quadrinhos que tanto inspiram Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, aquele das 7 letras e um propósito: "eu não vou parar".

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