Comentário

Marçal Athayde volta a São Luís com exposição potente

Arlete Nogueira da Cruz/Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Marçal Athayde apresenta obra intensa
Marçal Athayde apresenta obra intensa (Marçal Athayde)

Terça-feira última compareci à abertura da exposição de 45 novos trabalhos de pintura e escultura do extraordinário artista maranhense, radicado no Rio de Janeiro, Marçal Athayde, no Museu Histórico e Artístico do Maranhão (Rua do Paz, Centro). Foi para mim um encantamento esse reencontro com a renovada arte deste pintor/escultor, como ele mesmo explica, apresentando inclusive trabalhos tridimensionais em madeira, numa atmosfera agora menos sombria, trazendo entretanto, indelével, sua belíssima marca, aqueles tons refletindo a mesma inquietação, os espaços labirínticos, transitáveis, de uma aguda angústia existencial. Entre os trabalhos, encontra-se o extraordinário painel concebido por ele de uma São Luís submersa, trazendo, embutida, uma homenagem a Nauro que muito me emocionou. Permito-me transcrever a seguir uma resenha que publiquei sobre Athayde no meu livro “Sal e Sol”, lançado pela Imago/RJ, em 2006:

Conheci Marçal Athayde no início dos anos de 1980, antes de eu viajar ao Rio de Janeiro para cursar o mestrado, quando Athayde e outros jovens artistas plásticos se reuniam em torno dos artistas mais velhos, dos cursos de pintura, dos centros de artes e das galerias que começavam a pipocar em São Luís. Depois, já em 1989, numa excursão que fazíamos – Nauro, Frederico e eu – quando retornávamos das Cataratas do Iguaçu, uma senhora, elegante e culta, sentando-se perto de nós no ônibus de turismo, observando que gostávamos de arte, deu-nos um convite para uma exposição em Ipanema, na galeria de seu marido, o famoso marchant Jean Boghici, ressaltando que a exposição era de “um notável jovem artista maranhense”, sem saber que éramos também maranhenses. Para nosso espanto, quando abrimos o envelope, vimos que a exposição era do jovem artista Marçal Athayde. Guardamos segredo. No dia, lá estávamos nós, Nauro e eu, para espanto agora de Athayde, surpreso e alegre de ver-nos ali. Pronto, nunca mais deixei de admirar a pintura deste talentoso artista, pintor e agora escultor. Ele acaba de criar belíssimas esculturas em madeira para expor em breve na Galeria Jean Boghici. Os quadros daquela exposição eram de espantar. Eu estava na ocasião completamente envolvida com a bela aventura intelectual de Walter Benjamin em torno da modernidade, atravessada pela sua melancólica reflexão sobre as grandes metrópoles, e a pintura de Athayde, em cores mornas, com movimentos ciclópicos, envolvendo figuras lançadas no abismo de si mesmas e desmembradas através de imagens bipartidas, num torvelinho que mais parecia fúria, encantou-me. A arte de Athayde me causou tão profunda impressão que nunca mais me apartei da admiração que me veio daquela noite em Ipanema.

Marçal Athayde começou a expor ainda em São Luís. Sua primeira individual foi em 1984 na inesquecível Galeria Eney Santana, sendo oportuno e necessário informar que esta galeria foi a primeira de São Luís que ofereceu condições técnicas de espaço e luz, entre outras exigências, para uma digna exposição de artes. Era anexada ao Teatro Arthur Azevedo, num local onde, anos antes, havia uma pequena construção, demolida para se tornar, a partir do final dos anos 60, um espaço avulso na lateral do Teatro Arthur Azevedo. A Galeria Eney Santana, que muito contribuiu para a divulgação e afirmação dos artistas da época, foi organizada graças à inspiração, sensibilidade e apoio da Senhora Eney Santana, recebendo também para a sua instalação o empenho de Nagy Lajos, de quem Athayde foi aluno. Esta Galeria foi extinta. Criaram-se outras. Sonegaram o nome de Eney Santana, não sabendo as novas gerações do trabalho digno que esta senhora realizou pelas artes plásticas maranhenses a favor do belo e valioso acervo do Palácio dos Leões (se pudesse falar, esse acervo contaria como ele acabou sendo magnificamente restaurado e aumentado nos anos de 1971 a 1975). Aliás, essa prática de omitir nomes de quem realiza de fato, e de artistas que se erguem acima das circunstâncias, é uma constante no Maranhão. Felizmente, alguns poucos se salvam, migrando: Marçal Athayde é um deles.

Vieram depois muitas individuais de Athayde, entre elas, estas: em 1989, já no Rio, na Galeria Jean Boghici; em 1990; na Galeria do Museu de Arte Moderna da Bahia; em 1992; na Galeria da Associação Nacional dos Antiquários – Casa França-Brasil, também no Rio de Janeiro. E muitas coletivas, entre elas: em 1985, no Salão Nacional de Belas Artes – Funarte/RJ e, em1988, na Primeira Exposição Coletiva do Desenho Maranhense, ainda na Galeria Eney Santana, em São Luís. A partir daquela sua primeira exposição no Rio de Janeiro, em 1989, Athayde não parou mais de ser elogiado pela crítica nacional: “A pintura é rápida, o traço humano é profundo; a pincelada quase desenha, mas a dor é esculpida. Trata-se de um artista valioso nesta trilha de linguagem.” (Walmir Ayala, Jornal do Comércio, RJ, 1989); “Athayde apresenta algo que explode, grita, agride. É o que faz dele um artista que veio para ficar.” (Ralph Camargo, Revista Veja, 1989); “A cidade não é um bem nem um mal. É um acontecimento, o pior. As chuvas pintadas por Athayde não são a representação de um elemento da natureza; são um acontecimento beirando a calamidade.” (Wilson Coutinho, crítico de arte – em catálogo, Rio, 1991); “Chave para o plural de nossa modernidade. Na pintura de Marçal Athayde não procurem o belo, mas o significativo. O belo pictórico.” (Henri Stahl, antropólogo, fotógrafo, cineasta – em catálogo, Rio); “A pintura de Marçal Athayde é uma pintura crítica das metrópoles, com suas sequências de acontecimentos e emoções, com seus atropelos, com seus desenhos, com seus vazios e incomunicabilidades na grandeza demográfica.” (Igor Vellame, crítico de arte – em catálogo, Bahia).

Quando, em agosto último [ano 2000], por motivos econômicos relacionados ao valor da impressão de meu livro “Contos inocentes”, pela Imago/RJ, não pude aproveitar as belas ilustrações coloridas, feitas havia três anos por Edson Mondego – este outro grande artista maranhense – e, na absoluta impossibilidade agora de Mondego refazê-las em preto e branco, dentro do tempo exigido pela Editora, lembrei-me de Athayde, sentindo que meus contos apresentavam uma atmosfera que se identificava com a atmosfera da pintura dele. E foi assim que, em poucos dias, Athayde me entregava as ilustrações, das quais selecionei 27 que fazem parte do livro lançado no mês passado com a presença desse grande artista em São Luís. Marçal Athayde não se limitou a uma simples representação dos meus temas. Absorvendo a atmosfera dos contos, pôde transfigurá-la em própria matéria de criação artística, imprimindo nos desenhos a formidável marca pessoal de sua pintura de exuberante beleza: os traços expressivos e velozes, a teia fragmentada dos riscos, a força catalizadora da dor, o profundo sentimento do vazio, mas também a ternura e a singeleza pairando ali como planos de esperança e redenção.1

___________________

1 Publicada também em O Estado do Maranhão, 3-1-2001; agora revista.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.