Eleição no Reino Unido

Johnson ganha legitimidade que muitos diziam não ter

Apesar de conquistar maioria absoluta no Parlamento, com a vitória histórica do Partido Conservador no Reino Unido, vida do premier britânico não será fácil e Brexit deverá continuar a criar dificuldades; os trabalhistas sofreram sua maior derrota

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
Boris Johnson terá grande margem de manobra para aprovar o acordo do divórcio
Boris Johnson terá grande margem de manobra para aprovar o acordo do divórcio (Reuters)

LONDRES - O primeiro-ministro, Boris Johnson, tem muitos motivos para comemorar. A vitória histórica do Partido Conservador nesta que terá sido a eleição geral mais importante do Reino Unido desde a Segunda Guerra Mundial deu a ele a legitimidade que muitos diziam não ter exatamente pelo fato de que ocupava o cargo sem ter sido eleito pelo voto popular.

O líder conservador havia sido escolhido pelo membros do seu partido, em julho, para substituir Theresa May, que, como seu antecessor, David Cameron, caiu por causa do Brexit. Este mesmo Brexit foi o fator determinante para o desempenho de Johnson nas urnas. Ele e seu partido arrancaram assentos da oposição trabalhista nos seus redutos históricos, como Workington, onde há 30 anos os chamados “tories" não pisavam. Em todo o país, abocanharam 364 cadeiras, 47 a mais do que na eleição passada, realizada em 2017. Foi o melhor resultado desde Margaret Thatcher.

"Vamos acabar com as brigas (sobre o Brexit), acabar com essa loucura. Sem "se", "mas", ou "talvez", disse Johnson triunfante em seu discurso de vitória.

Acordo do divórcio

O premier agora terá grande margem de manobra para aprovar o acordo do divórcio, sua obsessão e principal promessa de campanha, até o dia 31 de janeiro. Já não precisa do apoio do partido unionista da Irlanda do Norte, o DUP, para ter maioria no parlamento. Ganhou a sua própria maioria folgada ontem. Mas nada disso quer dizer que a vida do primeiro-ministro será fácil. Esse mesmo Brexit que por trás da sua vitória deve ser a sua pedra do sapato daqui para frente.

Somados os votos dos conservadores e os do partido do Brexit — que não conseguiu conquistar quaisquer cadeiras no país — a plataforma do divórcio da UE terá fechado esta eleição com cerca de 46% do eleitorado. Ou seja, as divisões sobre o tema continuarão. E esse percentual deve ser exatamente o principal argumento daqueles que não querem que o Reino Unido saia da UE.

Além disso, o partido separatista escocês SNP acabou ficando com 48 das 59 cadeiras no Parlamento britânico que disputam com outros partidos. Foi menos do que previam as pesquisas de boca de urna (55), mas ainda assim uma garantia da força do partido da líder Nicolas Sturgeon, e a confirmação de que a Escócia não vai aceitar fácil o projeto de Brexit de Johnson.

Os escoceses votaram majoritariamente em 2016 contra a saída da Europa. Sturgeon quer um novo plebiscito no segundo semestre do ano que vem para pedir a saída da Escócia do Reino Unido, o que Johnson avisou que não permitirá enquanto estiver no cargo. Há ainda o impasse na Irlanda do Norte.

Tudo isso significa que o Reino Unido saiu das urnas sexta-feira,13, como entrou: dividido. E o prazo final de 31 de janeiro está longe de significar um ponto final para a crise política em torno do divórcio da UE. Será apenas o começo das negociações difíceis que os britânicos terão com os europeus para tratar dos detalhes da saída. Um detalhe sobre o qual a campanha de Johnson não falou nas últimas semanas. A tendência é que as ânimos fiquem ainda mais exacerbados.

Certamente, para o primeiro-ministro, hoje nada disso tem importância. Como disse o professor da Universidade de Strathclyde, John Curtice, maior especialista em eleições do país, hoje o dia [ sexta-feira,13] é de Johnson.

Derrota dos Trabalhistas

Os trabalhistas, por sua vez, sofreram sua maior derrota em décadas, elegendo apenas 203 deputados — 59 parlamentares a menos que em 2017. Seu líder, Jeremy Corbyn, disse durante a madrugada que foi “uma noite muito decepcionante para o Partido Trabalhista” e afirmou que não liderará a legenda nas próximas eleições gerais. Na manhã desta sexta, disse que a disputa pela liderança da legenda deve acontecer no início de 2020.

Ao reconhecer sua vitória pessoal como deputado representante do distrito de Islington North, Corbyn argumentou que as propostas do partido — plataforma focada em reverter cortes sociais realizados pelos conservadores — obtiveram “grande apoio popular”, mas acabaram ofuscadas pela discussão do Brexit.

"O Brexit polarizou e dividiu o debate neste país, ultrapassando bastante um debate político normal", disse Corbyn, que defendeu que o partido faça uma “reflexão”. "Eu reconheço que isso contribuiu para os resultados que o Partido Trabalhista teve nesta noite por todo o país".

Conforme a dimensão da derrota foi ficando clara, os críticos de Corbyn passaram a apontar o dedo para a ambiguidade trabalhista sobre o Brexit: havia uma rixa interna no partido sobre renegociar um acordo com a UE e submetê-lo a um voto público. Isto fez com que perdessem apoio considerável de seu tradicional eleitorado em zonas industriais do interior — a "muralha vermelha" — que havia votado a favor do Brexit. Distritos que eram fiéis ao partido há décadas não foram convencidos nem mesmo pela plataforma social trabalhista, que incluia taxações aos bilionários e investimentos em serviços públicos.

Regras partidárias

Segundo a BBC, regras partidárias dificultam que ele seja forçadamente removido da liderança, mas membros da alta cúpula se questionam sobre sua permanência no poder.A intenção de Corbyn é continuar no cargo até que um líder de seu grupo no partido esteja pronto para substituí-lo. O nome mais provável para isso era Laura Pidcock, mas ela não conseguiu se reeleger na quinta-feira.

Além de conservadores e trabalhistas, o Parlamento britânico terá 48 deputados do independentista escocês SNP, que conseguiu 13 assentos a mais do que em 2017, e 11 Liberal Democratas — um a menos que na última sessão. Sua líder, Jo Swinson, que defendia a permanência britânica na UE, não conseguiu se reeleger. O Partido Unionista da Irlanda do Norte (DUP), por sua vez, elegeu oito parlamentares, também perdendo uma cadeira.

O crescimento do SNP, que conquistou 48 dos 59 assentos destinados à Escócia, poderá aumentar o movimento para um referendo sobre a independência do país, algo a que Johnson se opõe veementemente. A líder do partido, Nicola Sturgeon, disse que o resultado significa que o premier “deve aceitar que eu tenho mandato para oferecer à Escócia a escolha de um futuro alternativo” e anunciou que apresentará na próxima semana um pedido para um segundo referendo. Isto, na prática, deixará o país dividido, com o Reino Unido controlado pelos conservadores pró-Brexit e a Escócia, dominada pelo SNP, favorável à permanência no bloco.

"O povo escocês falou: é hora de definir o nosso próprio futuro", disse Sturgeon.

Rumo ao Brexit

Com ampla maioria, a expectativa é que os conservadores corram para aprovar o acordo para o Brexit. Confirmando-se a data do discurso da rainha, a lei teria sua segunda votação na sexta-feira, dia 20, ou na segunda-feira seguinte, dia 23. Ainda assim, o tempo seria curto, pois deixaria apenas 15 ou 16 dias úteis para que o acordo tramitasse por completo.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, por sua vez, disse nesta sexta-feira que a União Europeia está preparada para negociar seu futuro relacionamento comercial com o Reino Unido.

Ao jornal The Guardian, a diretora de assuntos do Legislativo do governo, Nikki Da Costa, havia estimado previamente que seriam necessários cerca de 37 dias para que a medida passasse por completo pela Câmara dos Comuns. Assim que o governo conseguir aprovar o Brexit — algo que, neste momento, parece inevitável — o Reino Unido entrará em um período de transição até o fim de 2020. O prazo de 10 meses, segundo Johnson, dará ao país uma boa janela para negociar o que acontecerá, de fato, após o divórcio, especialmente no que diz respeito a acordos comerciais. Diplomatas da UE, no entanto, apontam que uma negociação poderá não ser tão fácil quanto o premier reeleito deseja.

Na prática, acordos comerciais com a UE levam anos para serem firmados, pois precisam ser ratificados não só pelo Parlamento Europeu, mas também pelos legislativos dos países-membros. Poucos acreditam que Londres conseguirá fazê-lo no prazo. O período de transição poderá ser estendido por um ou dois anos, mas os britânicos precisarão solicitar o novo prazo até o fim de junho de 2020.

Há ainda uma série de possíveis impasses sobre os termos de um pacto comercial, que vão desde segurança digital até pescaria, já que os barcos europeus não poderão mais atuar em águas territoriais britânicas. Regulações antiprotecionistas e leis sanitárias, trabalhistas e ambientais também serão discutidas. Para negociar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, no entanto, os britânicos possivelmente precisariam aliviar estas legislações, algo que o bloco provavelmente não aceitará.

Com a vitória conservadora, a libra esterlina atingiu seu maior valor desde junho de 2018, chegando a 1,351 em relação ao dólar — na véspera, a cotação da moeda era de US$ 1,317. A libra também atingiu seu maior valor com relação ao euro desde dezembro de 2016, indicando que o mercado crê que o país adentra um período de maior estabilidade política.

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