Aliança militar ocidental

Reunião da Otan marcada por divergências dos países-membros

Rússia, combate ao terrorismo e China são pontos polêmicos que geram discórdia entre os 29 integrantes do pacto de defesa; liderada pelos Estados Unidos, a Otan foi criada em abril de 1949, em meio à Guerra Fria

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Foto oficial da cúpula comemorativa do 70º aniversário da Otan
Foto oficial da cúpula comemorativa do 70º aniversário da Otan (Reuters)

LONDRES - Convocada para marcar o aniversário de 70 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a cúpula que se encerrou ontem,4, na capital britânica teve pouco de comemoração. Como era previsto, o encontro evidenciou as discordâncias entre os 29 países-membros , polarizados por Estados Unidos e França , que estão no cerne da crise de identidade que a Aliança Atlântica enfrenta.

Liderada pelos EUA, a Otan foi criada em abril de 1949, em meio à Guerra Fria, com um objetivo bastante claro: garantir a segurança coletiva dos países ocidentais frente ao bloco liderado pela antiga União Soviética. O Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte prevê a defesa coletiva contra ataques armados a países-membros.

Com o fim da URSS e da Guerra Fria, no início dos anos 1990, a organização perdeu seu propósito inicial. Porém, ao incorporar os países do Leste Europeu que antes faziam parte do Pacto de Varsóvia, liderado pela URSS, continuou tendo como um dos seus propósitos principais a contenção da Rússia, que ainda possui, ao lado dos Estados Unidos, o maior arsenal atômico do mundo.

Nesta cúpula, os países da Otan discutiram de forma inédita o desafio da China, hoje a segunda potência econômica global, com a qual os Estados Unidos de Donald Trump travam uma guerra comercial e tecnológica. No entanto, os objetivos em longo prazo e as diferentes estratégias dos países-membros para lidar com Pequim, Moscou e o terrorismo geram divergências internas e questionamentos sobre o futuro da aliança. Os principais pontos de discórdia na Otan:

O Estado Islâmico

Um dos pontos de discórdia na aliança diz respeito ao combate ao Estado Islâmico. A crise teve início quando Trump, após uma conversa telefônica com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, optou por retirar tropas americanas da fronteira entre a Síria e a Turquia . Lá, os soldados dos EUA e de outros países ocidentais atuavam em conjunto com as milícias curdas do YPG (Unidades de Proteção Popular) para impedir o avanço do Estado Islâmico.

Mesmo que Trump negue, sua decisão deu sinal verde para que Erdogan realizasse uma ofensiva militar contra o YPG, que considera uma organização terrorista por seus vínculos com os separatistas curdos da Turquia, sem consultar a Otan. Comentando a operação, Emmanuel Macron chegou a dizer que a aliança estava em estado de “morte cerebral” — comentário bastante criticado por outros países-membros por sua dureza. Além disso, Macron acusou a Turquia de usar extremistas islâmicos próximos ao EI e à al-Qaeda em sua ofensiva contra os curdos. Em resposta, Erdogan disse que quem estava com “morte cerebral” era o francês.

A discórdia também diz respeito ao combate ao terrorismo na África. A expansão de grupos extremistas no Sahel , catalisada pela guerra que a Otan travou na Líbia em 2011 e que levou à queda do ditador Muammar Kadafi, hoje é contida apenas por soldados franceses. Paris, no entanto, vem enfrentando dificuldades para realizar a operação sozinha — o que ficou explicitado na colisão entre dois de seus helicópteros no Mali que matou 13 militares no início do mês — e defende maior envolvimento da aliança.

Na declaração emitida ao fim da cúpula em Londres, os países-membros concordaram em que o “terrorismo em todas as suas formas e manifestações segue sendo uma ameaça persistente” e se comprometem a reforçar suas ações “para derrotá-lo”. As ameaças, no entanto, não são direcionadas a nenhum grupo específico.

Gastos militares

A questão orçamentária da Aliança Atlântica, foco das divisões na cúpula da Otan do ano passado, continua longe de uma resolução. Trump pressiona os demais países-membros europeus a aumentarem os seus gastos com defesa e sua contribuição para a aliança — na Europa, os orçamentos militares foram reduzidos após o fim da Guerra Fria.

A demanda vem dos governos de George W. Bush e Barack Obama, mas Trump elevou-a a um novo patamar, instando os países europeus a gastarem ao menos 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com defesa — meta acordada pela Otan e reiterada na reunião desta semana. Em média, os europeus gastaram 1,51% do PIB em defesa em 2018, a maior proporção dos últimos cinco anos. No entanto, só seis deles atingiram os 2%, e os gastos de Canadá e Alemanha, alvos favoritos das críticas de Trump, caíram.

Para responder às demandas americanas, a aliança criou um plano para reduzir as contribuições americanas para o orçamento direto da aliança (atualmente estimado em US$ 2,5 bilhões) e aumentar a da Alemanha, para que ambos os países arquem com 16% dos custos. A iniciativa pouco acalmou o líder americano.

Além da divergência sobre gastos, Macron tem insistido na ideia de maior autonomia europeia em defesa e estratégia militar, com o argumento implícito de que os Estados Unidos, com Trump, deixaram de ser um parceiro confiável.

Posição sobre a Rússia

Macron defende ainda a retomada do diálogo com a Rússia, abalado desde a anexação da Crimeia em 2014, e será o anfitrião de uma cúpula com Vladimir Putin no próximo dia 9 para discutir a situação na Ucrânia.

Trump não faz tanta oposição à aproximação com Moscou, mas parte dos países do Leste Europeu que integravam o bloco soviético temem a influência de Putin na região. A Polônia, que recentemente comprou US$ 4,7 bilhões em armas americanas para se proteger de uma possível ameaça russa, opõe-se vigorosamente à ideia.

Outro ponto que envolve Moscou diz respeito à venda de um sistema antimisseis S-400 para a Turquia , dona do segundo maior Exército da Otan. A compra realizada por Erdogan foi bastante criticada pela aliança atlântica, que argumenta que o equipamento é incompatível com seus sistemas de defesa e a deixaria exposta a pressões russas. Em retaliação, os EUA suspenderam a permissão que Ancara tinha de comprar e ajudar a construir o caça de quinta geração F-35.

Ao fim da cúpula, os países-membros concordaram com um novo plano de defesa da Otan para proteger a Polônia e os Bálcãs. A Turquia ameaçava se opor à estratégia a menos que a aliança atlântica concordasse em designar alguns grupos militantes curdos como terroristas, mas isso não aconteceu. À imprensa, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse que o assunto nem sequer foi discutido.

Na declaração emitida nesta quarta-feira, os líderes da Otan concordaram em que as “ações agressivas da Rússia constituem uma ameaça para a segurança euroatlântica”, mas afirmam estar abertos para dialogar com Moscou.

Armas nucleares

O principal ponto de tensão diz respeito ao abandono, por Washington, do Tratado sobre Forças Nucleares de Médio Alcance, assinado entre os EUA e a antiga União Soviética para proibir que as duas superpotências instalassem mísseis de curto e médio alcance em solo europeu. Em outubro do ano passado, Trump abandonou o pacto alegando que a Rússia não cumpria seus termos. Moscou, por sua vez, também saiu do acordo e anunciou a produção de novos mísseis nucleares antes proibidos . Os europeus temem que uma nova corrida nuclear entre EUA e Rússia crie ameaças a seu território e querem participar das negociações de um novo tratado.

China e 5G

Os EUA, em particular, vêm pressionando para que a Otan dê mais atenção para o crescimento do poderio político e militar da China, desviando seu foco do bloco europeu e da Rússia. Em sua declaração, a aliança reconheceu pela primeira vez “as oportunidades e desafios” que o fortalecimento de Pequim impõe ao grupo euroatlântico.

Uma grande preocupação americana diz respeito à participação da companhia chinesa Huwaei na implantação da infraestrutura da rede de internet 5G nos países europeus — ponto fundamental da guerra comercial travada entre Washington e Pequim.

Os Estados Unidos argumentam que a tecnologia da Huawei pode ser usada pelos chineses para fins de espionagem e representaria um risco para a defesa e o compartilhamento de dados entre os aliados da Otan. No que diz respeito a isso, as lideranças da Otan concordaram em que é necessário contar com sistemas de comunicações “seguros” na rede 5G, mas sem se comprometer com um veto à Huawei.

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