Faccionado

Mais procurado do NE atuou no Maranhão e estava foragido desde 2014

Morto ontem no Mato Grosso do Sul, José Francisco Lumes, mais conhecido como "Zé de Lessa", arquitetou o mega-assalto à agência do Banco do Brasil, em Bacabal

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Armamento e munição apreendidos durante ação da polícia
Armamento e munição apreendidos durante ação da polícia (armamento Zé de Lessa quadrilha MS)

O faccionado José Francisco Lumes, o “Zé de Lessa” - que morreu, na manhã dessa quarta-feira, 4, no Mato Grosso do Sul (MS), em um confronto com as forças policiais -, estava foragido desde 2014, quando recebeu autorização para fazer uma cirurgia. Na época, o desembargador Aliomar Brito concedeu prisão domiciliar ao criminoso, que tramava ataques a bancos no Nordeste do Brasil diretamente do Paraguai. Dentre várias ações lideradas pelo bandido, ele comandou a interceptação de um carro-forte na fronteira com o país paraguaio, onde estava escondido, no início desta semana. No Maranhão, o bandido, que era líder de uma facção baiana, planejou o mega-assalto que aconteceu em Bacabal, em novembro de 2018, quando aproximadamente R$ 100 milhões foram levados pela quadrilha.

Em 15 de julho de 2014, o juiz Aliomar Silva Britto autorizou que ele tivesse prisão convertida em prisão domiciliar. Na decisão, o desembargador cita que a defesa do então detento explica que José Francisco Lumes estava com “uma doença degenerativa, necessitando urgentemente de realizar uma cirurgia, sob pena do seu membro superior esquerdo, o qual se encontra atrofiado, ficar com degradação irreversível”. Pelo estado de saúde dele, o advogado Paulo César Pires alegou que havia necessidade de tratamento urgente para solução da enfermidade.

Com base em princípios como da dignidade humana, Alimoar Silva afirmou que o requerimento para realizar uma cirurgia vem sido feito “há muito tempo” e não havia nenhuma solução até o momento. Ele concluiu que o presídio não tinha as condições necessárias para prestar assistência ao estado de “Zé de Lessa” e que não seria “de bom alvitre” que um paciente com quadro de saúde grave ficasse a mercê da própria sorte.

Mesmo tendo decidido em favor da defesa, o desembargador avisou que não se deve “descuidar do alto grau de periculosidade” do preso. O advogado que o defendia na ocasião confirmou que ele não fez a cirurgia, nem obedeceu ao acompanhamento instituído pela 2ª Vara de Execuções Penais. Após ter sido solto, nunca mais voltou. Paulo Pires também explicou que, desde então, não teve mais notícias do ex-cliente.

Mais procurado

Ele era o criminoso mais procurado do Nordeste, principalmente, na Bahia, onde a Secretaria de Segurança Pública o colocou como “Ás de Ouro” do “Baralho do Crime”, organograma montado para identificar os bandidos mais perigosos do estado. José Francisco Lumes estava foragido desde 2014, quando foi solto pela Justiça, mas continuava comandando os assaltos escondido no Paraguai. Na última vez em que saiu da prisão, iria terminar de cumprir a pena em regime domiciliar. Desde então, ele teria ido morar em Coronel Sapucaia, no Mato Grosso do Sul, de onde começou a enviar carregamentos de drogas para abastecer a quadrilha no território baiano.

Morte do bandido

Segundo informado pelo secretário de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, Carlos Videira, além de “Zé de Lessa”, também tombaram outros três criminosos na troca de tiros com o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope/MS) e outras unidades. O grupo estava em um esconderijo, entre as cidades de Aral Moreira e Coronel Sapucaia. O local é uma chácara, que estava servindo como ponto de encontro dos integrantes da quadrilha, que tem ramificação no Paraguai. As equipes estavam de tocaia desde a noite anterior, esperando a oportunidade certa para agir. Contra os alvos, havia mandados de prisão decretados pela Justiça por conta do ataque ao carro-forte.

Durante a ação policial, de acordo com o secretário, vários bandidos saíram correndo e fugiram ao se embrenharem no mato. Um helicóptero do Grupamento de Patrulhamento Aéreo (GPA) sobrevoou a região, mas não localizou os demais membros do bando. As equipes apreenderam vasta munição e armas de guerra, como uma metralhadora .50, capaz de derrubar helicóptero e perfurar carros blindados, e fuzis AK 47.

Segundo o delegado Fabio Peró, da Delegacia de Repressão a Roubos a Bancos, Assalto e Sequestros (Garras), a operação envolveu, além do Bope/MS, o Departamento de Operações de Fronteira (DOF) e a Polícia Militar de Amambai.

Carro-forte atacado

Os bandidos abordaram o carro-forte, da empresa Brink’s, na MS-156, fronteira com o Paraguai, na segunda-feira, 2. Os criminosos tentaram abrir o veículo da transportadora de valores com C4, mas a porta não abriu. O blindado resistiu ao impacto da detonação. Ocorreu o que a polícia chama de “explosão de baixa ordem”, que acontece quando o artefato não é acionado devido às condições precárias ou outros motivos.

Na fuga, um Jeep Renegade usado pelos criminosos não deu partida, e eles incendiaram o automóvel. Em seguida, renderam um motorista de caminhão e sumiram. Entre quatro a cinco assaltantes participaram desse ataque frustrado ao carro-forte, segundo presumiu a polícia do Mato Grosso do Sul.

O bando de “Zé de Lessa” teria sido o responsável por outra explosão veículo de transportadora de valores, na mesma região, em 2017, quando dinamites foram usadas. Para esta ação, os bandidos ameaçaram os seguranças com metralhadoras .50. Diferentemente do ataque recente, aquela rendeu muito dinheiro à quadrilha, que fugiu em direção ao Paraguai, onde o líder do bando fazia a divisão do arrecadado com os comparsas.

O ataque em Bacabal

O mega-assalto em Bacabal aconteceu no dia 25 de novembro do ano passado, em um setor do Banco do Brasil conhecido como Seret. O grupo chegou ao local por volta das 21h30 e entrou no recinto por meio do prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sendo que, dias antes da ação criminosa, o local foi abastecido com um grande volume de dinheiro - aproximadamente R$ 100 milhões. Através de um buraco no teto, os bandidos entraram no lugar onde a grana estava armazenada.

Enquanto esse grupo subtraía o dinheiro da Seret, outra parte do bando atacava o quartel do 15º Batalhão de Polícia Militar (BPM) com tiros de fuzil. Os criminosos foram tão ousados que gritaram “vamos pegar tua família, policial” e “aparece, policial”, a fim de demonstrar superioridade e incutir medo nos militares, que não se intimidaram e revidaram como puderam. Esse atentado à base da PM foi feito pelas diagonais do prédio.

Mas equipes do Comando de Sobrevivência em Área Rural (Cosar), unidade do Batalhão de Operações Policiais Especiais, estavam posicionadas no quartel e enfrentaram os bandidos, o que resultou na morte de três criminosos. Com o contra-ataque do Cosar, os assaltantes se dispersaram e abraçaram populares como “escudo humano”, para se protegerem. O líder daquele bando que invadiu Bacabal, Edielson Francisco Lumes, o “Titi” ou “Dô”, – que era irmão do “Zé de Lessa” -, colocou o fuzil nos ombros de um dos reféns e atirou na direção do quartel.

Mas, em um descuido dele, um policial do Comando de Sobrevivência, a 100 metros de distância, conseguiu atingir, com um tiro, o rosto do bandido, causando-lhe a morte imediata. Esse “disparo científico” ou “tiro técnico”, termos utilizados no Bope, perfurou uma região da face que fica entre os olhos, perto do nariz. Além de Edielson, que se escondia por trás do nome José Rafael Silveira Araújo e era natural da Bahia, também morreram seus comparsas Gean Martins Rocha, natural de Araguaína (Tocantins), e Warley dos Reis Sousa, o “Bombado” ou “Paulista”, natural de Castanhal (Pará), que utilizava o nome falso de Rafael Átila Sá Mendes. Esses dois igualmente foram baleados pelos militares do Cosar.

No tiroteio, também morreu um morador da região, identificado como Cleonir Borges Araújo, que, no momento da atuação dos “cangaceiros”, resolveu, sob efeito de bebida alcoólica, atravessar uma das ruas onde ocorria o confronto, tendo sido alvejado por disparos efetuados pelos integrantes da quadrilha de “Zé de Lessa”, como a polícia informou após o ataque.

Apreensão de armamento

No dia 3 de dezembro de 2018, na cidade de Santa Luzia do Paruá/MA, três bandidos da mesma quadrilha de “Zé de Lessa” morreram e dez foram capturados dentro de um caminhão-baú, que transportava um vasto armamento, incluindo duas metralhadoras .50 e 11 fuzis, e aproximadamente R$ 45 milhões. O grupo era o mesmo que aterrorizou Bacabal, na “noite do cangaço”, como a polícia confirmou pouco depois.

O caminhão furou um bloqueio policial e foi perseguido. Na parte da frente, estavam o motorista, Derli Luiz Gilioli, natural do Paraná, e um dos assaltantes de banco. No baú, havia os demais comparsas, o armamento e uma grande quantia em dinheiro, que havia sido roubado da unidade da Seret. Os que estavam na traseira do veículo enfrentaram os militares, em número de 12, mas, no confronto, três criminosos foram atingidos mortalmente e, evidentemente, não resistiram.

Morreram Antônio Silva Santos, natural de Paraisópolis (SP); Vadenilson Moreira, natural de Diadema (SP), e Renan Santos dos Prazeres. Outros quatro também foram alvejados e sobreviveram, tendo sido levados ao hospital mais próximo. E seis foram logo encaminhados à Delegacia Regional de Zé Doca. Os policiais apreenderam no caminhão os seguintes materiais: 10 fuzis calibre 556; 1 fuzil AK 47; 2 metralhadoras .50 (que é capaz de derrubar helicópteros e perfurar, sem dificuldades, carros blindados); uma pistola; 449 munições de 556 e 17 coletes balísticos, sendo dois com placa de cerâmica, que segura tiro de fuzil.

Com o grupo, havia vários malotes e sacos plásticos contendo dinheiro furtado da Seret. Foram contabilizados mais de R$ 45 milhões. Os criminosos abordados no caminhão-baú estavam escondidos, antes de furarem o bloqueio policial, em uma área de mato, em uma fazenda, que foi inspecionada pelos policiais civis e militares após o confronto em Santa Luzia. Do imóvel, o grupo contratou Derli para buscá-los, sendo que ele saiu do Mato Grosso com o pretexto de recolher uma carga no Maranhão. Mas o alvo, na verdade, eram os assaltantes de banco.

A quadrilha

A quadrilha que aterrorizou Bacabal era formada, na época do ataque em Bacabal, por 72 membros, com atuação em todos os estados do Nordeste, sendo um “braço” de uma facção baiana, que, por sua vez, é aliada de outra que surgiu em São Paulo. O grupo tinha como líder e fundador “Zé de Lessa”, que comandou, diretamente do Paraguai, o mega-assalto no Maranhão. Homens e mulheres formavam as fileiras do bando.

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