Oriente Médio

Iraque: parlamento aceita a renúncia do primeiro-ministro

Adel Abdul Mahdi deixou o governo iraquiano; chefe da Assembleia vai pedir ao presidente da República apontar um novo premier; desde outubro, manifestantes exigem a queda do regime e a renovação da classe política

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Adel Abdul Mahdi pediu demissão do cargo de primeiro-ministro do Iraque
Adel Abdul Mahdi pediu demissão do cargo de primeiro-ministro do Iraque (AFP)

IRAQUE - O Parlamento do Iraque aceitou, ontem, 1, a demissão do governo de Adel Abdul Mahdi, e o chefe da Assembleia anunciou que pedirá ao presidente da República que aponte um novo primeiro-ministro. A votação aconteceu dois dias depois de Mahdi anunciar sua intenção de entregar o cargo.

A decisão dele foi uma resposta a um pedido de mudança de liderança feito na sexta-feira,29, pelo principal clérigo xiita do Iraque, o aiatolá Ali al-Sistani, segundo o comunicado.

Sistani é uma figura crucial da política iraquiana. Ele defendeu a substituição do governo, após um dos dias mais violentos do movimento de protesto, que já deixaram mais de 420 mortos.

O líder religioso xiita de 89 anos expressou apoio inequívoco aos manifestantes que, desde outubro, exigem a queda do regime e a renovação da classe política, que acusam de corrupta, de ignorar a população e de reprimir os protestos com violência.

Depois da invasão do Iraque, em 2003, e da derrubada do ditador Saddam Hussein , foi implantado um regime parlamentarista baseado em uma política de cotas para as diferentes vertentes religiosas e étnicas. O objetivo era acabar com as divisões sectárias e garantir que todos tivessem voz. O primeiro-ministro em geral é xiita, o presidente é da minoria curda e o presidente do Parlamento é sunita. O resultado, no entanto, não trouxe a integração desejada.

Nas campanhas eleitorais, os partidos enfatizam a importância de proteger as pessoas de seus grupos contra o restante da população, apelando para o medo. Na visão de muitos dos que estão nas ruas o sistema reforça as diferenças, ao invés de promover a coexistência pacífica, e abre as portas para que os mesmos partidos se perpetuem no poder.

"O bem comum deixou de ser uma preocupação dos políticos, eles querem manter seus cargos por benefício próprio", disse o engenheiro Mohammed Ali , de 25 anos. "Nossa geração tem uma outra cabeça, acessamos as mídias sociais, viajamos e sabemos como é a democracia é exercida em outros países. Queremos mais eficiência e menos corrupção".

O centro de Bagdá está irreconhecível. De um lado do Rio Tigre, que divide a cidade em duas partes, a vida chega a parecer normal. As pessoas saem para trabalhar e fazem suas compras. Do outro lado, na região da praça Tahrir e do bazar, tuk-tuks motorizados aceleram para levar os feridos ao hospital, muitas vezes sem cobrar nada. O comércio está fechado. Na praça Tahrir, centenas de manifestantes dormem a céu aberto desde o início dos protestos.

Voluntários limparam um edifício abandonado desde a invasão do país pelos Estados Unidos e países aliados, em 2003, e restauraram parte da rede elétrica. No último andar, os manifestantes observam as pontes do Tigre — na região central, a maioria delas está fechada. Tanques e militares armados ficam em uma ponta. Os manifestantes ocupam a outra. O objetivo do governo é defender a chamada Zona Verde, onde ficam as principais embaixadas e órgãos do governo.

Até agora, as ações mais agressivas dos manifestantes têm sido incendiar prédios do governo, fora de Bagdá, e bloquear as vias de acesso aos principais portos do país. Os protestos acontecem na capital e em outras localidades, como Basra, a segunda maior cidade do país, e Nassíria, ambas no Sul, onde cerca de 50 manifestantes foram mortos desde quinta dia 26. Os atos se repetiram também em duas cidades sagradas para os xiitas: Karbala e Najaf , onde foi enterrado o imã Ali, genro do profeta Maomé.

'Fora Irã'

Agora, o Norte do país também deve entrar na onda de protestos. A região foi dominada pelo Estado Islâmico por longos anos e ainda se recupera dos efeitos da guerra contra os extremistas.

"Com tanto sangue derramado, decidimos que era hora de mostrar apoio aos irmãos do resto do país", diz o geólogo Ali Amin. Uma greve geral de estudantes e professores está programada para os próximos dias em Mossul , terceira maior cidade do país e que ficou sob poder dos extremistas entre 2014 e 2017.

Em todas as cidades em que acontecem os protestos, cartazes do aiatolá Ali Khamenei , líder supremo do Irã, são arrancados dos muros e outdoors. Nas manifestações, é comum ouvir os gritos de “fora Irã” e “queremos o Iraque de volta”.

" Depois da invasão do Iraque, em 2003, o país acabou sendo dominado pelo Irã, que aproveitou o vácuo de poder criado pela deposição do regime", disse o estudante Ahmed Walid, de 23 anos.

Entre os manifestantes, muitos acreditam que milícias apoiadas pelos iranianos podem estar por trás dos brutais métodos de repressão . Os manifestantes têm sido alvejados na cabeça por projéteis e bombas de gás lacrimogêneo. Muitas vezes não dá tempo de chegar ao hospital.

No início, o governo cortou o acesso à internet para tentar conter os protestos. Não adiantou. As pessoas começaram a se comunicar pelo telefone e a trocar mensagens de SMS. Os tiros letais também não têm afastado os manifestantes.

" Vamos honrar aqueles que perderam a vida ao dar continuidade a nossa causa", disse o artista plástico Khalid Muthana , de 30 anos.

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