Artigo

Caneta azul, azul caneta

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

Todos a conhecem, a ouviram e, mesmo sem querer, já a cantaram. Isso porque a ingênua música (se é que podemos chamar assim) do maranhense Manoel Gomes ‘bombou’ na Internet e o transformou numa celebridade repentina.

Trata-se de mais um fenômeno de earworm (minhoca de ouvido) como se definem aquelas músicas cujo refrão faz com que, inconscientemente, as fiquemos repetindo mentalmente. Até aí nada demais, a não ser a aporrinhação, que não deveria ser tão cruciante assim para quem, por exemplo, tem às mãos um livro para ler. A verdade é que o tal som chateia, mas ‘não mata’. O curioso, porém, é que, a reboque de sua divulgação massiva, começaram a se propagar na net, com maior velocidade ainda, as piadas e as reclamações.

Certo, a música é ‘podre’ de tão chata, mas será que precisa ficar repetindo isso? Ou por outra, tem o direito de achar essa música tão execrável assim quem tem paciência para permanecer por mais de duas horas em um show, escutando sons de duplas sertanejas, que são mais abomináveis do que essa? Ora, como diz a anedota: “comprem um bode!”.

O pior é que esse tipo de competição acaba soando favorável ao humilde compositor maranhense. Na bizarria do seu sucesso não houve premeditação, estruturas pagas de publicidade, nem esquemas mercadológicos que jamais estariam ao alcance de seu bolso, como estão da conta bancária de fajutos cantores sertanejos. Sem contar que deve ter aflorado, na excitação coletiva pela música, a simpatia espontânea da população dirigida a um confiável e singelo objeto que faz parte do nosso cotidiano, e a quem nunca se deu o devido valor, ou seja, a uma humilde caneta, que pouco exige em troca pelo fato de nos fazer tão felizes.

Essa gente, pseudo-intelectualizada, que se doam ares de apurado gosto musical quando reclamam do non sense da simplória letra dessa música, se esquecem de que esta falta de senso é useira e vezeira em cantores consagrados de sua predileção, no entanto, nem por isso se põem a achincalhá-los. Alguns exemplos:

1. Açaí, guardiã/ Zum de besouro um imã/ Branca é a tez da manhã. De Djavan. Pode até soar bonito, graças à melodia, mas as palavras parecem estar convalescendo em algum hospício. Se a tez da manhã é branca, tudo bem, mas o que o açaí estava fazendo lá? Haja besouro que justifique!

2. Minha pedra é ametista Minha cor, o amarelo/ Mas sou sincero/ Necessito ir urgente ao dentista. Esta é de João Bosco e sua sinceridade não se esclarece, nem com muita dor de dente.

3. Abacateiro, acataremos teu ato/ Nós também somos do mato como o pato e o leão/ Aguardaremos brincaremos no regato/ Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração. De Gilberto Gil. Parece que Gil estava tão sem inspiração, que para facilitar a rima resolveu sequestrar o abacateiro. Coitado do abacate!

4. Que não é o que não pode ser que/ Não é o que não pode/ Ser que não é/ O que não pode ser que não/ É o que não/ Pode ser/ Que não// É. Esta é dos Titãs. Quem sabe, são ecos do dilema Shakespeariano do ser ou não ser, pouco antes de um dilúvio mental.

E, assim por diante...

Que esta crônica seja encarada como um singelo desagravo ao tão vilipendiado, quanto humilde, Manoel Gomes em busca de seus quinze segundos de fama. Que pode até ser pra lá de chato, mas, como existem piores por aí!

José Ewerton Neto

Autor de O Abc bem humorado de São Luis

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com

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