Artigo

AI-5, conservadorismo brasileiro e estupidez

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

As declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro, de que se manifestações semelhantes às que ocorrem no Chile tomassem as ruas do Brasil seria necessário que o governo adotasse medidas drásticas como “um novo AI-5”, não somente são mais um exemplo do descarado autoritarismo com que os membros dessa família flertam, como também um atestado da estupidez e um demonstrativo do rasteiro nível intelectual dos que exercem funções políticas nesse país.

João Pereira Coutinho, no livro “As ideias conservadoras”, explica que há uma diferença substancial entre o conservadorismo e o reacionarismo: enquanto o reacionário é uma caricatura de um revolucionário ao avesso, alguém com inclinações a rupturas abruptas para retornar a um passado utópico; o conservador é, naturalmente, um antirrevolucionário e antiutópico que valoriza o presente, embora o passado e o futuro sejam tentadores, e que se manifesta apenas quando os fundamentos da sociedade são ameaçados.

Essa distinção é muito importante para a constatação de que o que saiu das profundezas do inferno para emergir no Brasil não foi o conservadorismo civilizatório (sim, a única expressão possível é civilizatório, pois embora existam diferenças consideráveis entre conservadorismos de tradição anglo-saxã e ibérica, nem um nem outro se manifestam neste país) que tomou conta das principais pautas políticas, mas sim um reacionarismo dos mais vulgares e desprezíveis, mais uma das jabuticabas que só têm nacionalidade brasileira. Se na Inglaterra, por exemplo, Churchill, uma das maiores referências do conservadorismo no país, é autor da célebre frase “a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”, por aqui os pretensos arautos do conservadorismo acham razoável que medidas revolucionárias, como o rompimento da ordem democrática vigente, sejam tomadas sob quaisquer pretextos. Basicamente, essa é a diferença entre uma tradição política e intelectual baseada em Burke e uma baseada em Olavo de Carvalho.

Roger Scruton, por sua vez, em “Como ser um conservador”, afirma que o conservadorismo está mais próximo de ser um sentimento inerente a qualquer ser humano que uma ideologia propriamente dita. É a consciência de que as coisas admiráveis que nos chegam como bens coletivos (a paz, a liberdade, a democracia, etc.) são construídas com muita dificuldade, mas são frágeis e facilmente destruídas, por isso merecem proteção e forte disposição humana para que sejam preservadas.

E, se o conservadorismo, como propõe João Pereira Coutinho e Roger Scruton, se apresenta quando os bons pilares que possibilitaram o estágio atual da sociedade estão ameaçados de ruir, seria este um momento absolutamente propício para que os autênticos conservadores - aqueles que não são estranhos ao amor e ao afeto por tudo o que foi construído até agora, bem como compreendem que a democracia liberal foi o único regime que sobreviveu aos testes do tempo (Oakeshott), aqueles que reconhecem a falibilidade humana para propor soluções perfeitas para problemas complexos (Quinton), aqueles que negam a prevalência de um único valor sobre todos os demais que compõem a pluralidade social (Kekes) e, por fim, aqueles que desprezam as violências redentoras (Razzo) - se insurgissem contra essas aberrações cognitivas, ideológicas e humanas que se estabeleceram no país e, como um câncer em estado avançado de metástase, precisam ser excluídas do cenário político para que não causem danos irremediáveis a vidas e às instituições.

Nesse sentido, cumpre salientar que imunidade parlamentar não impede a punição de um congressista, desde que promovida pela Casa a qual pertença. As instituições, principalmente a mais violentada pelo AI-5 (o Congresso Nacional), precisam reagir às ameaçadas que lhes foram feitas.

Mylla Sampaio

Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça na Universidade Federal do Maranhão

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.