Violência

Repressão a tiros em protestos deixa mais de 20 mortos e quase mil feridos no Iraque

Manifestantes se voltam contra sistema político de privilégios e pobreza; mais de 150 civis já morreram desde o começo dos distúrbios

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Um manifestante ferido é visto durante protesto no centro de Bagdá
Um manifestante ferido é visto durante protesto no centro de Bagdá (Reuters)

BAGDÁ - A repressão a grandes protestos contra o sistema político, a corrupção e dificuldades econômicas do Iraque deixou pelo menos 23 mortos e centenas de feridos em várias cidades do país nesta sexta-feira, após a polícia atirar contra manifestantes para dispersá-los, denunciaram organizações de direitos humanos.

O Estado iraquiano tem tido dificuldades em lidar com os protestos, às vezes violentos, que começaram em Bagdá, no dia 1º de outubro e, desde então, se espalharam pelas cidades do Sul. Os manifestantes protestam contra a corrupção, serviços públicos ruins e alto desemprego, responsabilizando o sistema político adotado em 2005, após a ocupação pelos Estados Unidos, como responsável por privilegiar elites e condenar a maioria do país à pobreza.

Um relatório divulgado nesta semana por um comitê governamental criado para avaliar conflitos prévios concluiu que 157 pessoas, incluindo 149 civis, foram mortos nas duas semanas anteriores devido ao uso excessivo de força, que também deixaram mais de 6 mil feridos.

Munição real

No centro de Bagdá, dezenas de milhares de pessoas, incluindo muitas mulheres, se reuniram na Praça Tahrir, de onde marcharam para a região protegida por forças de segurança conhecida como Zona Verde , onde estão os prédios governamentais. Após serem bloqueados na ponte de al-Jumhiriya, os manifestantes pressionaram para avançar, mas foram repelidos a tiros de munição real, balas de borracha e bombas de gás.

Segundo a Comissão Iraquiana de Direitos Humanos, a polícia disparou munição real e bombas de gás para dispersar os manifestantes, deixando ao menos oito mortos e 966 feridos, incluindo 82 soldados. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos do país, informações preliminares indicam que os mortos foram "atingidos na cabeça ou no rosto por bombas de gás".

Em Nasiriya, no Sul, pelo menos 3 mil manifestantes tentaram invadir e incendiar o prédio do governo da província, disseram fontes policiais. Membros das milícias xiitas Asaib Ahl al-Haq abriram fogo contra os manifestantes, matando ao menos três pessoas. O mesmo grupo miliciano deixou 58 feridos em outras duas cidades, chegando, em Amara, também no Sul, a atirar contra manifestantes, matando seis e ferindo no mínimo 18. Há, ainda, relato de uma morte em Samawa.

A revolta representa o maior desafio para o primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi desde que ele assumiu o cargo há apenas um ano. Embora tenha feito algumas reformas e promovido mudanças em seu gabinete, o premier tem lutado para lidar com o descontentamento dos manifestantes.

Sistema político sectário

Apesar da vasta riqueza petrolífera do país membro da Opep , muitos iraquianos vivem na pobreza, têm acesso limitado a água potável, eletricidade, assistência médica básica ou educação decente, enquanto o país tenta se recuperar de anos de guerra e dificuldades econômicas. Dois anos após o grupo do Estado Islâmico ter sido derrotado no Iraque, os manifestantes culpam a classe política de ser incapaz de melhorar suas vidas

Muitos iraquianos responsabilizam a atual Constituição, aprovada em 2005, dois anos após a invasão liderada pelos EUA, pela natureza sectária do sistema político do Iraque. O modo como as indicações para o governo acontecem, baseadas em cotas sectárias ou étnicas e não mérito — sistema conhecido como muhassasa — é particularmente criticado.

Há, entre muitos manifestantes, a compreensão de que isto possibilitou que líderes xiitas, curdos e sunitas se apropriassem de fundos públicos para seu próprio proveito, em detrimento do bem-estar geral.

O governo de Adel Abdel Mahdi foi formado por tecnocratas e prometeu aproximar a classe política da população, combater os privilégios e a corrupção, mas o fato de ter concorrido como candidato independente sem apoio de um partido o deixou especialmente vulnerável a esta mesma classe política, com quem fez acordos.

A violência extrema da repressão tem sido entendida por analistas como forma de manutenção do sistema político. Segundo a Anistia Internacional , até atiradores de elite foram usados para conter os protestos.

Em um discurso na noite de quinta-feira, 24, Mahdi alertou que qualquer colapso do governo arrastaria o Iraque para uma convulsão ainda maior. Políticos e partidos planejavam ter maior protagonismo nas manifestações desta sexta-feira, mas, assim como antes, sua participação continuou sendo amplamente rejeitada pelos manifestantes.

O principal clérigo do país, o aiatolá Ali al-Sistani , que raramente se pronuncia sobre questões políticas e, nas últimas semanas, criticou como o governo está lidando com os protestos, pediu calma a todos os lados. Ele destacou que o governo não pode permitir ataques contra propriedades públicas e privadas e, por meio de um porta-voz, disse que "a verdadeira mudança acontecerá por meios pacíficos".

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