Entrevista

Ponte literária entre Maranhão e Angola

Em visita a São Luís, escritor angolano Lopito Feijóo destacou similaridades entre a capital maranhense e seu país e mostrou interesse em aproximar intelectuais daqui e de lá

Carla Melo / de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Lopito Feijóo  esteve em São Luís para participar da Feira do Livro
Lopito Feijóo esteve em São Luís para participar da Feira do Livro (Lopito Feijóo)

São Luís - Poeta, ensaísta e crítico literário angolano, Lopito Feijóo esteve esta semana em São Luís onde participou da 13ª edição da Feira do Livro de São Luís. O escritor é membro fundador da Brigada Jovem de Literatura de Luanda (BJLL), e do Colectivo de Trabalhos Literários OHANDANJI, é membro da União dos Escritores Angolanos (UEA). É, atualmente, presidente da Sociedade Angolana do Direito de Autor (SADIA), dirigindo a Gazeta dos Autores, órgão de divulgação dessa instituição. Tem colaboração dispersa em publicações de Angola, Portugal, Espanha, Brasil, Estados Unidos, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Nigéria, etc. É membro da Academia Brasileira de Poesia (Casa Raul de Leony). Igualmente membro da International Poetry dos EUA e da Maison Internationale de la Poesie, sediada em Bruxelas, Bélgica. Ano que vem lançará “Doutrina Confabulações” e “Poépicos Doutinários”. Nesta entrevista ao Alternativo, o poeta fala sobre literatura, trocas entre Maranhão e Angola e outros temas.

Como tem sido sua experiência no Maranhão, sendo esta sua primeira vez no Estado?

Experiência fantástica. É curioso pois já vim mais de 24 vezes ao Brasil, já estive 14 vezes em São Paulo e no Rio, outras tantas mas esta é a primeira vez que visito o Maranhão. Doravante, vamos estabelecer parcerias e fortalecer o intercâmbio e laços de amizade entre os intelectuais do Maranhão e de Angola porque, afinal de contas, há muitos motivos de identidade que passam até mesmo por motivos arquitetônicos da própria cidade, há uma série de identidades comuns que nos ligam e que temos de valorizar.

Quais as similaridades literárias entre Brasil e Angola?

Vou entrar em uma questão mais espiritual. O semblante das pessoas parece muito com o das pessoas em África. Eu geralmente desperto bem cedo e levanto. Estes dias fiz isto e fui para a área do hotel para dar bom dia ao dia. E num destes dias vi uma senhora negra vindo em minha direção e me assustei, pois pensei ter visto a minha mãe. Apanhei um choque porque vi minha mãe às 6h na porta do hotel. Aquilo me marcou muito. Também a costa litorânea fantástica e identica a de duas cidades de Angola: Luanda e Benguela. Para além de que, em conversas fui identificando algumas influências de língua africana no linguajar comum dos maranhenses. Acredito que grande parte dos antepassados que vieram de Angola trouxeram. Conforme o tempo vai passando, vou vivendo a cidade, conhecendo os casarões do Centro Histórico vou identificando mais motivos de identidade de várias ordens. Uma rua do Centro Histórico se parece muito com uma que temos em Luanda, que é a Rua dos Mercadores, então, não me sinto deslocado. Sinto-me como se estivesse em casa.

- Você falou em estreitar os laços entre o Maranhão e Angola. Como está sendo construída esta ponte?

Visitei algumas instituições culturais, artísticas e literárias entre elas a Livraria Amei. Lá, em conversa com o editor José Viegas, falamos de um concurso literário que a Amei realiza anualmente e ano que vem comporei o juri deste concurso. Eu e o grande poeta Salgado Maranhão. Isto significa um pouco mais de neutralidade e isenção. Nos sentimos honrados em fazer parte deste juri. Também trabalharei com uma entidade que tem proposta de planos de leitura para jovens e adolescentes. Isto é fundamental em razão desta nossa comum identidade e significa dizer que as parcerias têm de ser uma parte a outra. Da mesma forma que vim agora com certeza cirão outros de Angola e que daqui possam ir também. O Maranhão tem grades poetas e um deles é Salgado Maranhão que é um dos maiores poetas brasileiros da atualidade que precisa ir a Angola, país que ele não conhece. Vamos estabelecer esta ponte e doravante tem que funcionar. Não podemos mais adiar estas relações intelectuais e institucionais.

Dentro da literatura brasileira, que nomes destacaria?

Qualquer cidadão, principalmente dos países de língua portuguesa que assuma as práticas literárias como eu assumo com espírito de profissionalismo e que vive a literatura de manhã, de tarde e de noite, tem que conhecer e ter lido Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Décio Pignatari, irmãos Campos, Ferreira Gullar, que era maranhense; e Fernando Ferreira de Lunada, que nasceu em Angola e foi um grande escritor brasileiro. Entre os maranhenses, além de Gullar destaco João do Vale.

O que deve ser feito para aproximar mais as literaturas de língua portuguesa?

Isto é muito importante porque há mais de duas décadas políticos de nossos países criaram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e nós, os artistas, autores destes países nos sentimos esperançados e hoje estamos decepcionados porque do ponto de vista cultural, a CPLP é uma instituição inexistente. O que nós queríamos era que fossem vencidas as dificuldades de mobilidade com as questões burocráticas que dificultam o deslocamento dos artistas entre estes países sem os embaraços de vistos. Depois a segurança não só das pessoas mas dos produtos artísticos e culturais por um lado e por outro, a circulação dos livros entre estes países. Então, temos muito a evoluir neste sentido.

O que tens a dizer sobre o Acordo Ortográfico que unifica a escrita de países de língua portuguesa?

Para algumas pessoas e para mim também, é um desacordo ortográfico. Se por um lado as pessoas passam a escrever de outra maneira, por outro lado, nós que escrevemos de acordo com a gramática antiga temos de desaprender o que aprendemos ao longo de décadas. Como as coisas vão, esse acordo poderá ir por água abaixo porque o Brasil em seus milhões de falantes supera Portugal e Angola, que não ratificou e provavelmente não vai ratificar esse acordo. Para nós, é preciso retificar o acordo para então podermos ratificá-lo. Há um ditado que diz que quando dois elefantes lutam, quem sofre, é o capim, ou seja, há uma luta entre Brasil, com seus milhões de falantes, e Portugal que, erradamente, se sente o proprietário da língua e nós, em África, vamos a reboque. Então, é preciso refletir sobre estas questões do acordo ou do desacordo ortográfico.

És poeta, ensaísta e crítico literário…

Faço crítica literária porque o contexto de minha terra no momento de afirmação da literatura angolana no mundo carecia de estudos de críticas literárias vinham de Portugal e esta crítica, era, na maioria das vezes, paternalista e porque não dizer, maternalista. Vimo-nos obrigados a olhar pra nós mesmos, e passamos a ser sujeitos e objetos da nossa ação litero-cultural. Mas meu sentimento é de poeta. Tenho uma carreira nacional e internacional que me satisfaz.

- Fale um pouco sobre seu processo criativo.

Vivo a 100 metros do mar, então, a beleza do mar, das mulheres angolanas, a realidade africana me inspiram muito. Gosto de escrever a noite só com o ruido das ondas do mar, mas às vezes estou dirigindo e me vem a poesia, paro e faço o apontamento. Mas trabalho muito o texto de acordo com aquele ditado literário que diz que 98% é transpiração e 2% inspiração. A escrita é um momento divino único, mas depois é preciso trabalhar aquele apontamento literário para que atinja o grau de um texto artístico-literário. A arte precisa ser cultiva, trabalhada, implica concentração de esforço que dura muito tempo, às vezes, anos.

Publicações

Poesia

Doutrina (1987)
Me ditando (1987)
Rosa Cor-de-Rosa (1987)
Cartas de Amor (1990)
Na Idade de Cristo. Poesia declamada em CD (1997)
O Brilho do Bronze –Haikais- (2005)
Lex Cal & Grafia Doutrinária – (2011)
Marcas da Guerra Percepção Intima
E Outros Fonemas Doutrinários – (2011)

Ensaio: crítica literária

Meditando.- Textos sobre Literatura - (1992)
Geração da Revolução - (1993)

Organização e divulgação

No caminho doloroso das coisas.- Antologia panorâmica dos Jovens Poetas Angolanos- (1988)
África da Palavra.- Antologia de Poesia de Amor dos anos 80 - (1995)

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