Após Trump retirar tropas

Turquia começa ofensiva contra os curdos na Síria

Cidades sírias são bombardeadas por aviões turcos e curdos pedem zona de exclusão aérea; avanço turco segue uma dramática reversão da política dos EUA nesta semana

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Uma mulher caminha com a fumaça ao fundo na cidade de Ras al-Ain, no Nordeste da Síria, bombardeada pela Turquia
Uma mulher caminha com a fumaça ao fundo na cidade de Ras al-Ain, no Nordeste da Síria, bombardeada pela Turquia (AFP)

ANCARA - Tropas da Turquia lançaram ontem,9, uma ofensiva contra militantes curdos que controlam o Nordeste da Síria. A operação, cujo início foi confirmado pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan , ocorre dias depois de Donald Trump anunciar a retirada de soldados americanos da região e afirmar que os Estados Unidos não impediriam um ataque turco.

Aviões de guerra turcos atacaram posições no Norte da Síria, informou um porta-voz dos combatentes curdos. As cidades de Ras al-Ayn, Tal Abyad e Qamishlo foram alvo de bombardeios aéreos, que segundo uma fonte da segurança turca deverão ser apoiados por artilharia e obuses. Forças curdas afirmaram que os ataques mataram dois civis e feriram outros dois perto de Ras al-Ain.

"Apelamos a todos os países da coalizão internacional para que assumam sua responsabilidade e evitem uma possível crise humanitária iminente", disser a milícia curda das Forças Democráticas Sírias (FDS) em um comunicado.

No começo da manhã de ontem, 9, um pequeno grupo de forças especiais turcas entrou na Síria por dois pontos ao longo da fronteira, perto de Ras al-Ayn e Tal Abyad, disse mais cedo uma autoridade turca, que falou sob condição de anonimato à Bloomberg.

"As Forças Armadas turcas, junto com o Exército Nacional Sírio [grupo que reúne várias facções de rebeldes sírios ligados a Ancara] lançaram a Operação Primavera de Paz contra os terroristas do PKK-YPG e do Estado Islâmico no Norte da Síria", anunciou Erdogan no Twitter, referindo-se às milícias curdas. Erdogan quer expulsar os curdos da região e criar "uma zona de segurança" de 20km na fronteira, onde alocaria cerca de um milhão de refugiados sírios que atualmente residem na Turquia.

Esse tipo de ataque visaria "abrandar" a eventual resistência das forças inimigas, antecipando uma invasão por terra de centenas de tanques e veículos blindados do Exército turco, que aguardam em vários pontos da fronteira a ordem para penetrar no território sírio, avaliou o professor de Relações Internacionais e especialista em táticas de aviação militar Ragip Kutay Karaca, em entrevista à CNN Turquia. As forças de infantaria serão fornecidas pelo chamado Exército Nacional Sírio.

As FDS, lideradas pelos curdos, estavam em alerta máximo e pediram aos combatentes que seguissem para a fronteira para defender a região contra a ofensiva turca, que deve envolver dezenas de milhares de soldados apoiados por tanques e veículos blindados do segundo maior Exército da Otan. Após o ataque, os curdos pediram para os Estados Unidos impor um zona de exclusão aérea, para impedir a ofensiva.

Síria: defesa do território

O avanço da Turquia segue a uma dramática reversão da política dos EUA nesta semana. Trump disse a Erdogan, em um telefonema no domingo, que dezenas de tropas americanas que estavam trabalhando em estreita colaboração com as forças curdas na luta contra o Estado Islâmico recuariam, abrindo caminho para uma incursão turca.

Os curdos foram os principais aliados dos EUA para derrotar o Estado Islâmico (IS) na Síria. Mas a Turquia considera as FDS um grupo terrorista. A milícia curda YPG, que forma a espinha dorsal das FDS, mantém dezenas de milhares de combatentes jihadistas e suas famílias detidos em campos e centros de detenção no nordeste da Síria.

Embora Trump tenha dito que a Turquia se tornaria responsável pelos prisioneiros e ameaçado a economia do país se a ofensiva "passasse dos limites", não ficou claro se havia um mecanismo para transferi-los para a custódia turca. Analistas e autoridades manifestaram preocupações de que o caos no Nordeste da Síria permita que membros do Estado Islâmico escapem e se reagrupem. Analistas disseram que uma retirada americana poderia facilitar a influência da Rússia, cuja intervenção militar ajudou a mudar a maré da guerra síria em favor do presidente Bashar al-Assad.

Neutralidade

Os curdos haviam dito que considerariam um acordo com Assad, com quem mantêm relação de neutralidade, se os EUA se retirassem. Nesta quarta, a Síria disse que estaria disposta a confrontar agressões turcas “por todos os meios necessários”, segundo uma fonte do Ministério das Relações Exteriores do país, e que o governo estaria “disposto a abraçar seus filhos pródigos, se eles voltassem à razão”, em aparente menção aos curdos.

A ofensiva no Norte da Síria tem o objetivo de primeiro cercar cidades em uma faixa do território fronteiriço, antes de avançar para o Sul, em um esforço para desmantelar qualquer chance de fundação de um Estado curdo, disseram autoridades militares turcas à Bloomberg. Apesar disso, a Turquia afirma que seu esforço é para atacar o Estado Islâmico.

Os militares pretendem penetrar por pelo menos 30 quilômetros no território sírio e garantir a rodovia M-4, que segue paralela à fronteira até o Iraque no Leste.

"O que agrava os riscos operacionais é a desconfiança profunda entre a Turquia e os EUA", disse Nihat Ali Ozcan, estrategista da Economic Policy Research Foundation, em Ancara. "A Turquia está muito preocupada se os EUA compartilharão informações com as YPG sobre as posições das tropas turcas para ajudá-los a se defender".

Os comandantes turcos esperam ser confrontados por um inimigo com armamento sofisticado, depois de a YPG ser fortalecida pelos EUA e por outras forças ocidentais para ajudar a combater o Estado Islâmico.

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