Artigo

Precisamos falar de Canhoteiro

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

Terminei por esses dias a leitura do livro Canhoteiro, o homem que driblou a glória, de Roberto Pompeu. Minha admiração por esse jogador de futebol começou ainda criança quando eu, fanático por esse esporte, colecionava a antiga Revista do Esporte.

Essa admiração começou mais precisamente quando li, na seção bate-bola com o craque, uma resposta do legendário Djalma Santos, lateral da seleção brasileira ganhadora da Copa do Mundo de 1958 (Djalma, que jogava no Palmeiras, foi considerado o melhor lateral daquela Copa mesmo tendo jogado uma única partida, a última, em que o Brasil derrotou a Suécia por 5 a 2). Ao ser perguntado sobre qual o atacante mais difícil de ser marcado, Djalma respondeu sem pestanejar.

- CANHOTEIRO. O maranhense é bom de bola mesmo!

Essa resposta me encheu de orgulho como maranhense por ter sido destacado um conterrâneo, que eu desconhecia completamente.

A partir daí, sem nunca tê-lo visto jogar, tornei-me seu fã mesmo que ele não fosse conhecido muito bem, sequer pelos maranhenses da época. Tal razão acontecia porque o noticiário dominante em todo o Nordeste vinha da imprensa carioca, a ponto de todo torcedor nordestino ter seu time preferido no Rio, mas não necessariamente em São Paulo. Canhoteiro, que se chamava José Ribamar de Oliveira e nasceu em Coroatá, pouco atuou nos times maranhenses. Em São Luís jogou pelo Paissandu (não confundir com o do Pará), depois transferiu-se para o América do Ceará e daí para o São Paulo F.C.

O Mago (como era chamado pelo sortilégio de suas jogadas) reinou em São Paulo enquanto durou sua curta trajetória. Infelizmente, perdeu o bonde consagrador da gloriosa viagem da seleção brasileira campeã de 1958 por uma razão singela e peculiar: não tinha ‘saco’ para a seleção. Fugia, como Garrincha (com quem se parecia nos dribles fenomenais e em muitos pontos da personalidade inamoldável), da disciplina dos treinos e sumia da concentração. Assim, foi preterido na seleção de 58 no auge de sua forma técnica embora fosse sabidamente mais craque do que Pepe, o canhão da vila, e vinte vezes melhor que Zagallo, apenas um esforçado cumpridor de ordens táticas.

Uma frase do Jornal A Tarde de São Paulo, publicada no dia de sua morte precoce aos 42 anos sedimenta, para qualquer apreciador da epifania que ronda a arte futebolística, a dimensão da categoria na qual se inscrevia: “Na verdade era um desses raros jogadores acima de qualquer resultado, por ter sido mais importante que o próprio gol.”

Ora, que pode ser mais importante que o gol num esporte que tem essa finalidade? Nenhum epitáfio pode ser mais consagrador que esse para um craque. De Zizinho a Juca Kfoury, de Chico Buarque a Gonzaga Belluzo, que o viram como o melhor ponta esquerda de todos os tempos, todos o admiravam porque era rotina dos moradores de São Paulo irem para o estádio não para ver seus times ganharem, mas para se deliciarem com o show do Latifundiário, outro de seus apelidos, justamente porque, para ele, 10 cm de campo era todo um latifúndio para fazer a bola rolar.

A leitura deste livro consolida a ideia de que Canhoteiro foi o mais genial dos atletas maranhenses. Portanto é necessário falar do mesmo, homenageá-lo (como a outros notáveis maranhenses) sem a parcimônia atual, para evitar que o trem do tempo passe em sua viagem sem regresso, solapando a memória de seus feitos e realizações.

José Ewerton Neto

Autor de O ofício de matar suicidas

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com

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