Saúde

Queimadas causam internação de 515 crianças no Maranhão

Dados se referem aos meses de maio e junho deste ano, segundo estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz; este ano, no estado, já foram registrados 10.014 focos de incêndios florestais

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
No sul do Maranhão, queimadas ainda causam problemas, principalmente para a saúde respiratória de crianças
No sul do Maranhão, queimadas ainda causam problemas, principalmente para a saúde respiratória de crianças (queimadas)

Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), mostrou que, em maio e junho deste ano, no Maranhão, na região da Amazônia Legal, houve, por causa das queimadas, 515 internações de crianças por problemas respiratórios. De acordo com o levantamento, foram 45 cidades atingidas, estas situadas no sul do estado. Em 2019, no território maranhense, já foram registrados 10.014 focos de incêndios florestais, de 1º de janeiro a 3 de outubro.

O estudo da Fiocruz abrangeu crianças menores de 10 anos, e os resultados demonstraram que hou­ve um excesso significativo de internações em cidades dos estados do Amapá, Pará, Maranhão e Mato Grosso, que têm municípios na região da Amazônia Legal, que contém uma área de 5.217.423 km², correspondente a 61% do território brasileiro. O levantamento indicou que, para esses locais, foi o pior ano em termos de impactos à saúde infantil referente a problemas respiratórios.

No total, foram 96 cidades que apresentaram um excesso de internações de crianças, tendo sido contabilizadas 2.556 internações, quan­do o valor esperado pela Fiocruz, seguindo os padrões verificados em outros anos, seria de 2.011. Na área do São Félix do Xingu, no estado do Pará, a quantidade de crianças internadas foi de 168. O número esperado era de 113. No Maranhão, a expectativa era de 357, mas os meses de maio e junho fecharam com 515.

Devido à exposição a poluentes atmosféricos provocados pelas quei­madas na região amazônica, também ocorreram mortes de crianças internadas de janeiro a julho deste ano. Os casos foram registrados em Rondônia, Pará e Mato Grosso. No estado paraense, por exemplo, houve um decréscimo de 16.576 para 15.083 internações, mas lá os óbitos aumentaram de 86 para 88 com relação ao mesmo período de 2018.

De acordo com pesquisas, viver em uma cidade próxima aos focos de incêndio aumenta em 36% o risco de se internar por problemas respiratórios.

Arco do Desmatamento
O estudo da Fiocruz descobriu que as queimadas acontecem em uma região conhecida como “Arco do Desmatamento”, que compreende os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Tocantins e parte do Maranhão. O aumento do número de doenças respiratórias em crianças coincide com a grande concentração de ga­ses tóxicos na atmosfera, o que compromete a saúde infantil, principalmente. Adultos também são atingidos pelo problema, mas a emissão de poluentes, levados pela fumaça, afeta mais a faixa etária de 0 a 10 anos.

As queimadas recentes, de acor­do com a pesquisa, agravaram um problema que já existia, mas não era tão intenso como está acontecendo neste ano. Somam-se aos incêndios florestais a diminuição das chuvas regionais e queda de índices de umidade. As internações, nas cidades analisadas, teriam gerado um custo excedente de R$ 1,5 milhão e 9.750 leitos/dia de ocupação nos hospitais públicos e conveniados com o Serviço Único de Saúde (SUS).

Crianças suscetíveis
O pesquisador Christovam Barcellos, do Icict/Fiocruz, explicou que as crianças são mais sensíveis a fatores externos, como a poluição, porque o sistema imunológico, nessa faixa etária, ainda está em desenvolvimento, sendo que o aparelho respiratório está em formação. De acordo com ele, a queima de madeira pode gerar uma grande diversidade de gases e aerossóis, o que prejudica a saúde dos meninos e meninas.

As crianças, segundo Barcellos, são mais suscetíveis a alergias. Também da Fiocruz, a pesquisadora Sandra Hacon, complementou que o público infantil passa mais tempo ao ar livre do que os adultos. “Assim, inalam mais poluente. Durante o exercício físico, a deposição de partículas no pulmão aumenta cinco vezes”, afirmou ela, que é da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), vinculada à Fundação Oswaldo Cruz.

Dimensão do problema
Christovam Barcellos apontou que os resultados do estudo evidenciam apenas internações em hospitais públicos. Ou seja, o problema pode ser maior, pois não foram considerados casos de hospitais particulares. “Por usarmos somente as internações pagas pelo SUS, isto é, sem considerar os dados do sistema privado de saúde, avaliamos apenas uma parte do problema. Além disso, muitas crianças podem não ter conseguido chegar aos hospitais. Na região amazônica as distâncias são enormes. Muitas pessoas podem ter tido episódios de bronquite e asma, entre outros, sem atenção médica”, completou o pesquisador.

Em outras palavras, as queimadas representam um risco à saúde de todas as pessoas que estão próximas a áreas com focos de incêndios, independentemente de faixa etária, uma vez que os poluentes emitidos podem ser transportados a grandes distâncias, alcançando cidades afastadas do fogo. Substâncias como material particulado fino, monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis podem causar o agravamento de quadros de cardiopatia, inflamação das vias aéreas, inflamação sistêmica e neuroinflamação, coagulação, alteração do sistema nervoso autônomo e até da­nos ao DNA, como mostra o estudo da Fiocruz.

Queimadas no Maranhão
Segundo o Inpe, do dia 1º de janeiro a 3 de outubro, já foram registrados 10.014 focos de incêndios florestais no Maranhão, que está ocupando a sexta colocação no ranking nacional. Com relação ao mesmo período de 2018, que fechou com 9.053 casos, houve um aumento de 11%. Em primeiro lugar, está o estado do Mato Grosso, com 27.635 focos. Na sequência, aparecem Pará, com 17.436; Tocantins, com 11.673; Amazonas, com 11.516, e Rondônia, com 10.435.

Amazônia Legal
O conceito de Amazônia Legal foi instituído pelo governo brasileiro como forma de planejar e promover o desenvolvimento social e econômico dos estados da região amazônica, que, historicamente, compartilham os mesmos desafios econômicos, políticos e sociais. Baseados em análises estruturais e conjunturais, seus limites territoriais têm um viés sociopolítico e não geográfico, isto é, não são definidos pelo bioma Amazônia – que ocupa cerca de 49% do território nacional e se estende também pelo território de oito países vizinhos -, mas pelas necessidades de desenvolvimento identificadas na região.

A Amazônia Legal é uma área de 5.217.423 km², que corresponde a 61% do território brasileiro. Além de abrigar todo o bioma Amazônia brasileiro, ainda contém 20% do bioma Cerrado e parte do Pantanal matogrossesense. Ela engloba a totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Estado do Maranhão. Apesar de sua grande extensão territorial, a região tem apenas 21.056.532 habitantes, ou seja, 12,4% da população nacional, e a menor densidade demográfica do país (cerca de 4 habitantes por km²). Nos nove estados residem 55,9% da população indígena brasileira, representando cerca de 250 mil pessoas, segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Nela também está a Bacia Amazônica, a maior bacia hidrográfica do mundo, com cerca de um quinto do volume total de água doce do planeta. Por abranger três biomas, exibe a elevada biodiversidade desses ambientes. Na Amazônia, são aproximadamente 40 mil espécies de plantas e mais de 400 de mamíferos. Os pássaros somam quase 1.300, e os insetos chegam a milhões. Os rios amazônicos guardam outras 3 mil espécies de peixes.l


SAIBA MAIS

O estudo

A Fundação Oswaldo Cruz utilizou dados de um informe técnico do Observatório de Clima e Saúde, projeto coordenado pelo Icict. O estudo contou também com cientistas da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). O objetivo do trabalho é alertar gestores e profissionais do SUS, de modo a se programarem para o atendimento à saúde das populações mais vulneráveis. Além disso, o levantamento apontou para a importância de reforçar a atenção básica e a busca ativa de casos em locais de maior concentração de queimadas e maiores níveis de poluição atmosférica, já que alguns grupos populacionais podem não ter acesso a hospitais.

Os pesquisadores reuniram dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do DataSUS, entre os meses de maio e junho - último período disponível -, e aplicaram sobre eles uma técnica de “varredura espacial” chamada Satscan, para detectar conjuntos de municípios que possuem taxas de internação por doenças respiratórias acima do valor esperado. Foram usados, também, dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e dos sistemas BDQueimadas e Prodes Desmatamento, ambos produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dados obtidos, porém, são preliminares, uma vez que nem todas as internações do período estudado já estão cadastradas no sistema. Por isso, é possível que os índices sejam ainda mais graves.

As imagens obtidas por satélite e usadas no estudo mostram ainda como focos de fogo se encontram nas bordas de terras indígenas, que ainda parecem desempenhar um papel de proteção contra as queimadas e o desmatamento. Os pesquisadores chamam atenção para o fato de que as populações indígenas também devem estar sendo afetadas pela poluição do ar. No entanto, ainda não é possível avaliar a incidência de doenças nessas áreas.

Nota

A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informa que todas as unidades de urgência e emergência possuem protocolo para atendimento de pacientes que apresentem problemas respiratórios e as patologias associadas a elas, inclusive aquelas localizadas na região da Amazônia Legal.

Combate às queimadas

O Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão (CBMMA) atua, desde de agosto, na operação ‘Maranhão Sem Queimadas’. A força-tarefa segue avançando e conta com o apoio de órgãos estaduais e a parceria do Exército Brasileiro.

O trabalho conjunto visa controlar o número de queimadas e combater incêndios florestais, cujas causas, em sua maioria, são oriundas do uso de técnicas inadequadas de manejo do solo. Para tanto, o CBM segue com operações em todo Estado, atuando na identificação, monitoramento e combate aos focos de incêndio, em grandes áreas de vegetação, incluindo as de preservação ambiental. A atualização mais recente do banco de dados do INPE (1º de outubro) aponta um total de 39 focos de calor no Maranhão.

A Sema, por sua vez, realiza fiscalizações acompanhada do Batalhão Policia Ambiental (BPA), além do monitoramento de áreas propícias ao desmatamento. São realizadas, ainda, ações de Educação Ambiental, em parceria com Secretarias Municipais de Meio Ambiente e Agricultura, Ibama e ONGs.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.