Artigo

Males universais, remédios atemporais

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

O mês de setembro é verde, amarelo e dourado. Cada uma dessas cores simboliza uma campanha que tem o objetivo de conscientizar a sociedade sobre os temas da doação de órgãos, prevenção de suicídio e câncer infanto-juvenil.

São mobilizações importantíssimas sobre assuntos que têm grande impacto no tecido de qualquer comunidade. A prevenção ao suicídio tem particular importância neste ano para o Brasil, pois diferente da tendência em outros países. Por aqui houve um aumento de 7% em cada 100 mil habitantes.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o índice mundial caiu 9,8%. A tendência de aumento brasileiro reflete os números da América que, comparados a outros continentes, foi o único que registrou ampliação desta triste estatística.

Sendo um fenômeno complexo, as causas são multivariadas, o que inclui desde a solidão até os transtornos mentais mais diversos, incluindo a aridez das relações no espaço urbano, as muitas violências pelas quais categorias frágeis estão mais sujeitas. Até mesmo o excesso de trabalho, associado ao transtorno Burnout, contribui para este quadro preocupante.

Dentre as profissões, os médicos são os que, comparativamente, têm a maior probabilidade de cometer suicídio. Esta profissão é submetida diariamente a extensas horas de trabalho, sob imenso estresse, que degrada a qualidade de vida, incluindo a saúde física. Médicos têm maior incidência, que a população em geral, de doenças cardiovasculares, leucemia, cirrose e suicídio.

Médicos têm maior possibilidade de relações afetivas mais frágeis em decorrência das jornadas muito grandes de trabalho, quase sempre em mais de um trabalho. Isso afeta profundamente as relações matrimoniais e com os filhos. Dra. Carmita Abdo, psiquiatra muito conhecida, em recente palestra sobre Burnout - Meeting the Minds - apresentou dados preocupantes. Um deles é o que demonstra a condição emocional e o risco envolvido em morte que ocorre com médicos solteiros e divorciados.

Drummond, um legista da alma, diz que “Os médicos estão fazendo a autópsia / Dos desiludidos que se mataram / Que grande coração eles possuíam / Vísceras imensas, tripas sentimentais / E um estômago cheio de poesia”. O que o poeta viu em meio à dor, foi um corpo-alma carregado de sentimentos com os quais não conseguiu lidar, porque são coisas que se fazem partilhando com outros.

Talvez é nesse sentido que quis nos ensinar o escritor de Eclesiastes (4.9-12) quando diz: “Melhor é serem dois do que um, porque maior é o pagamento pelo seu trabalho. Porque se caírem, um levanta o companheiro. Mas ai do que estiver só, pois, caindo, não haverá quem o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquecerão; mas, se for um sozinho, como se aquecerá”?

O dar e o receber serviço e afeto ainda são os melhores remédios para qualquer pessoa. Não importa a condição em que se encontre. É universal. Atravessa barreiras culturais e de língua. Toca qualquer um e lhe arranca das profundezas o riso, instala a paz.

Dra. Abdo destacou que o estresse é o grande agente causador do Burnout em médicos. Mas, curiosamente, ela destacou causas potencialmente evitáveis. Quer dizer, o trabalho do médico é imensamente desafiador, sim, mas há razões que se associam e se tornam tão importantes, embora possam ser evitadas. Entre estas ela citou: ambição e materialismo; competitividade; recusa em relaxar e aproveitar a vida; necessidade de controlar, hostilidade contínua, atividade desenfreada.

Ao longo de minha carreira observei muitas histórias que exemplificam esta lista de dra. Abdo. Eu acrescentaria algo que não é um problema, mas uma parte que deve ser cultivada: a espiritualidade. Ela é parte de nosso existir. Contribui para a compreensão de dimensões mais profundas e nos conecta interna e externamente. Há muito o que fazer sobre este flagelo do suicídio. Menos julgamento e mais acolhimento são dois bons primeiros passos.

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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