Sobre Biden

Encontro entre Trump e Zelesnk foi condicionado a investigação

Primeiro testemunho em inquérito de impeachment apresenta evidências comprometedoras contra presidente dos Estados Unidos; Volodymyr Zelesnky disse que investigaria a empresa onde trabalhou o filho do ex-vice-presidente Joe Biden, Hunter Biden

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
O ex-enviado especial para a Ucrânia deixa o Congresso após depor sobre Trump
O ex-enviado especial para a Ucrânia deixa o Congresso após depor sobre Trump (Reuters)

WASHINGTON — Mensagens de texto trocadas entre diplomatas americanos indicam que um importante encontro entre Donald Trump e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelesnky, foi condicionado a uma declaração pública do ucraniano afirmando que investigaria a empresa onde trabalhou o filho do ex-vice-presidente Joe Biden, Hunter Biden, e uma suposta participação da Ucrânia na eleição de 2016.

Várias mensagens de texto, escritas entre julho e setembro, foram liberadas na noite de quinta-feira pelas três comissões parlamentares — de Inteligência, Relações Exteriores e Supervisão — que investigam o comportamento de Trump e realizam audiências que podem conduzir ao impeachment do presidente.

As mensagens mostram que três diplomatas de alto nível do Departamento de Estado afirmaram ao assessor mais próximo do presidente da Ucrânia que uma visita oficial de Zelensky à Casa Branca dependia de uma promessa pública de investigar a empresa onde o filho do pré-candidato democrata à eleição de 2020 trabalhou na Ucrânia e a eleição americana de 2016.

Os textos foram entregues pelo ex-representante especial de Trump para as negociações na Ucrânia, Kurt Volker, que, na quinta-feira, 3, testemunhou por mais de nove horas às três comissões. Volker renunciou na semana passada depois de ter sido citado na denúncia sobre a conversa telefônica entre Trump e Zelensky .

“Ouvimos falar da Casa Branca — supondo que o presidente Z convença Trump que ele investigará / chegará até o fundo do que aconteceu em 2016, definiremos a data da visita a Washington”, disse Volker a Andrey Yermak, assessor imediato de Zelensky, em 25 de julho de 2015, poucas horas antes de Trump e o presidente ucraniano se falarem pelo telefone.

No telefonema, cuja transcrição foi divulgada na semana passada, Trump pediu para o presidente ucraniano lhe “fazer um favor” e coordenar-se com o secretário de Justiça americano, William Barr, e com o advogado pessoal de Trump, Rudolph Giuliani, para investigar Biden e a suposta participação da Ucrânia na eleição de 2016.

'Provas claras'

As mensagens de texto não mencionam Biden — pré-candidato democrata à eleição presidencial de 2020 — pelo nome, mas democratas que lideram a investigação de impeachment afirmam que os textos são uma prova clara de que Trump condicionou as relações com a Ucrânia a uma investigação política contra um rival, de acordo com um comunicado divulgado na noite de quinta-feira.

Na carta, assinada pelos presidentes democratas das comissões, eles afirmam que as mensagens são “só uma parte de todo o conjunto" do material que Volker entregou e que mais evidências ainda serão divulgadas.

Os textos deixam claro que o conteúdo que pode emergir das comissões de investigação pode ser explosivo. Volker foi a primeira testemunha a prestar depoimento e já ofereceu indícios comprometedores contra Trump.

O presidente, que tem reagido agressivamente ao inquérito, afirma que apenas tentou investigar informações de práticas corruptas de democratas e que não fez nada de errado. Na quinta-feira, ele publicamente disse para Zelensky investigar Biden e estendeu o pedido à China.

"Como presidente dos Estados Unidos, tenho o direito absoluto, talvez até o dever, de investigar, ou ter investigado, a CORRUPÇÃO, e isso incluiria pedir ou sugerir a outros países para nos ajudar!", publicou Trump no Twitter.

Os diplomatas que trocaram as mensagens são Gordon Sondland, embaixador dos EUA na União Europeia, Kurt Volker, então enviado especial para a Ucrânia, e William Taylor, embaixador interino em Kiev. O advogado pessoal de Trump, Rudy Giuliani, e o assessor de Zelensky, Andrey Yermak, também fazem breves aparições na conversa.

Café da manhã com denúncias

No depoimento à comissão, Volker disse que se reuniu com Giuliani, um entusiasta da tese de que Biden esteve envolvido em corrupção na Ucrânia, para tomar café da manhã em 19 de julho e que alertou o ex-prefeito de Nova York de que sua teoria sobre corrupção envolvendo Biden e a Ucrânia era infundada e sem fontes dignas de crédito.

Os ucranianos tinham receio de serem arrastados para a política doméstica americana. "O presidente Zelensky se preocupa que a Ucrânia seja levada a sério, e não apenas (seja vista) como um instrumento na política e na reeleição doméstica de Washington", escreveu William Taylor, em uma mensagem de texto alguns dias após o café da manhã.

Giuliani conversou com Yermak, o assessor ucraniano, no dia seguinte, 20 de julho, quando defendeu que os dois presidentes conversassem no telefone, como aconteceria cinco dias depois. Antes da ligação, Trump, sem oferecer explicações para as agências americanas e nem avisar ao presidente ucraniano, pediu a suspensão dos US$ 391 milhões em ajuda militar, já aprovados pelo Congresso.

Em 2 de agosto, uma semana após o telefonema, Giuliani se encontrou em Madri com Yermak e disse que o presidente ucraniano deveria emitir uma declaração comprometendo-se a combater a corrupção. Uma semana depois, Volker também conversou com Yermak e depois procurou Giuliani.

“Conversamos com Yermak ontem à noite", escreveu Volker. “Ele ficou satisfeito com o seu telefonema. Mencionou uma declaração de Z. Podemos todos falar no telefone para garantir que eu aconselhe Z corretamente sobre o que ele deveria dizer? Quero ter certeza de que faremos isso direito”.

Mais tarde, no mesmo dia, Gordon Sondland, embaixador da União Europeia e um apoiador de Trump com participação ativa na Ucrânia, informou que o presidente estava pronto para agendar a visita à Casa Branca que Zelensky desejava.

Volker perguntou a Sondland como ele havia convencido a Casa Branca sobre o encontro. "Não tenho certeza", respondeu Sondland. "Acho que o Potus [sigla para o presidente americano] realmente quer o produto final".

Sondland então abordou a declaração proposta a Zelensky. "Para evitar mal-entendidos, pode ser útil pedir a Andrey um rascunho da declaração (embargado) para que possamos ver exatamente o que eles se propõem a abordar", escreveu ele. "Concordo!", respondeu Volker.

No dia seguinte, Yermak pressionou por uma data para a visita à Casa Branca, vendo-a claramente como vinculada à declaração. "Eu acho que é possível dar essa declaração e mencionar todas essas coisas. Sobre as quais discutimos ontem”, escreveu ele. "Mas será lógico fazer isso depois de recebermos uma confirmação da data", afirmou.

As mensagens deixam claro que os ucranianos divulgariam a sua declaração comprometendo-se com as investigações desejadas por Trump só depois que a visita à Casa Branca fosse oficialmente agendada. "Quando tivermos uma data, pediremos uma entrevista coletiva, anunciando a próxima visita e delineando a visão para o reinício do relacionamento EUA-UCRÂNIA, incluindo, entre outras coisas, a Burisma e interferência nas eleições nas investigações", escreveu Yermak.

A Burisma era a empresa onde trabalhava o filho de Biden durante as eleições de 2016. O primeiro rascunho da declaração de Yermak não mencionou a empresa, e então Giuliani insistiu que a declaração tinha que mencionar explicitamente os dois, caso contrário não havia sentido, disse Volker aos investigadores.

Volker redigiu a declaração em um tom e com conteúdo que satisfaria Giuliani e a enviou a Yermak. "Atenção especial deve ser dada ao problema de interferência nos processos políticos dos Estados Unidos, especialmente com o suposto envolvimento de alguns políticos ucranianos", dizia. “Quero declarar que isso é inaceitável. Pretendemos iniciar e concluir uma investigação transparente e imparcial de todos os fatos e episódios disponíveis, incluindo aqueles que envolvem a Burisma e as eleições de 2016 nos EUA, o que, por sua vez, impedirá a recorrência desse problema no futuro”.

'Ajudas condicionadas?'

Mas Yermak acabou por se opor a citar especificamente a Burisma ou 2016 na declaração, disse Volker ao comitê. Então, em 28 de agosto, o site Politico informou o congelamento da ajuda ucraniana e, alguns dias depois, Trump cancelou uma viagem à Polônia, onde se encontraria com Zelensky.

Taylor, o diplomata em Kiev, percebeu uma conexão entre os dois fatos. "Estamos dizendo agora que a ajuda para a segurança e a reunião da Casa Branca estão condicionadas às investigações?", ele perguntou a Sondland em uma mensagem de texto de 1º de setembro. "Ligue para mim", respondeu Sondland.

Uma semana depois, Taylor expressou medo de que os ucranianos emitissem a declaração que Giuliani queria e Trump ainda assim não liberasse a ajuda. "O pesadelo é eles darem a entrevista e não receberem a assistência para a segurança", escreveu ele. “Os russos adorariam. (E eu peço demissão)”.

Investigações

No dia seguinte, Taylor novamente deixou claro que acreditava que o congelamento da ajuda e as investigações estavam ligadas. "Como eu disse no telefone, acho uma loucura reter assistência de segurança para obter ajuda em uma campanha política", escreveu ele para Sondland.

"Bill [William], acredito que você está incorreto sobre as intenções do presidente Trump", respondeu Sondland. "O presidente tem sido absolutamente claro e não impôs nenhum tipo de contrapartida. O presidente está tentando avaliar se a Ucrânia realmente adotará a transparência e as reformas que o presidente Zelensky prometeu durante sua campanha”.

Se Taylor ainda tivesse preocupações, acrescentou Sondland, ele deveria ligar para o secretário de Estado, Mike Pompeo, "para discuti-las diretamente". Não está claro se ele fez isso.

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