Acordo de Transição

Boris Johnson entrega à UE proposta de acordo para Brexit

Plano prevê regulações comerciais específicas para Irlanda do Norte e República da Irlanda, driblando a necessidade de controles alfandegários; Comissão Europeia terá dez dias para concordar ou não com os termos propostos Johnson

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22
Boris Johnson durante discurso em conferência do Partido Conservador
Boris Johnson durante discurso em conferência do Partido Conservador (Reuters)

LONDRES — O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson apresentou ontem, 2, sua nova proposta para que os britânicos saiam da União Europeia com um acordo de transição no dia 31 de outubro. Em uma carta endereçada ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, Johnson propõe que o Reino Unido saia do bloco daqui a 29 dias, mas que a Irlanda do Norte continue a respeitar os regulamentos europeus para a agricultura, alimentos e produtos industrializados.

A Comissão Europeia terá dez dias para concordar ou não com os termos propostos Johnson. O prazo é suficiente para que os membros do bloco opinem sobre a proposta antes da cúpula em que a questão britânica estará na pauta, no dia 17.

Neste momento, de acordo com analistas, o cenário mais provável é que o plano seja rejeitado — o que, segundo Johnson, deixará o Reino Unido com a opção única de sair da UE sem acordo de transição no final de outubro.

"Se nós não conseguirmos [um acordo], isso representaria um fracasso do estadismo pelo qual todos nós seríamos responsáveis. Nossos predecessores já lidaram com problemas maiores: nós com certeza podemos resolver isso", diz Johnson a Juncker.

Plano

Em seu discurso na conferência anual no Partido Conservador, horas antes dos detalhes do plano serem divulgados, Johnson classificou seu plano como "um meio-termo justo e razoável" para ambos os lados.

Em um comunicado, Juncker disse que a proposta de Johnson "tem alguns pontos problemáticos". Mesmo assim, ele não rejeitou completamente o plano do primeiro-ministro, e até mesmo saudou alguns aspectos.

Ele "reconheceu os avanços positivos, principalmente no que diz respeito ao alinhamento regulatório total de todos os bens e ao controle dos bens que entram na Irlanda do Norte a partir do Reino Unido. No entanto, o presidente também observou que ainda existem alguns pontos problemáticos que precisarão de mais trabalho nos próximos dias, principalmente no que diz respeito à governança do backstop", disse o comunicado, que acrescenta que "o delicado equilíbrio atingido pelo acordo da Sexta-feira Santa deve ser preservado".

Propostas

​O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, disse que as propostas de Johnson não cumpriam completamente os objetivos acordados, mas disse que as estudaria melhor e faria consultas com parceiros da UE.

"O Taoiseach (primeiro-ministro) disse que as propostas não atendem plenamente aos objetivos acordados", disse o porta-voz de Varadkar em comunicado após o primeiro-ministro irlandês falar com seu colega britânico por telefone. "No entanto, ele indicou que os estudaria com mais detalhes e consultaria as instituições da UE, incluindo a força-tarefa e nossos parceiros da UE", afirmou o comunicado.

Impasse irlandês

O grande impasse para que um pacto seja firmado gira em torno da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, que será a única divisa terrestre entre o Reino Unido e a União Europeia após o Brexit se concretizar. A imposição de controles fronteiriços entre os dois países, no entanto, potencialmente violaria o Acordo da Sexta-Feira Santa de 1998, que pôs fim ao conflito entre os norte-irlandeses favoráveis a permanecer no Reino Unido e os que defendiam a unificação da Irlanda.

Os termos previamente negociados por Theresa May — que fizeram com que seu acordo fosse rejeitado três vezes pelo Parlamento britânico — previa a imposição de um "backstop", mecanismo que manteria os britânicos em uma união aduaneira com a UE durante um período de transição até 2021, quando seria elaborada uma nova solução.

Boris Johnson e os eurocéticos, por sua vez, eram veementemente contrários à ideia, alegando que manter o Reino Unido “ligado à União Europeia” não seria "democrático", dado que os britânicos votaram pela saída do bloco no referendo de 2016. Desde que Johnson substituiu May, no dia 28 de julho, esperava-se que ele apresentasse uma alternativa ao backstop.

Segundo a carta de quatro páginas enviada a Juncker e um documento de 40 páginas encaminhado ao Parlamento, o premier britânico propõe a eliminação do backstop, substituindo-o pela implementação de regulações específicas na ilha da Irlanda que englobem todos os tipos de produtos, incluindo os agrícolas e alimentos.

Assim, segundo o documento, o Reino Unido inteiro sairia da União Europeia no dia 31 de outubro, com o governo pretendendo que o futuro relacionamento do país com o bloco se baseie num acordo de livre comércio. No entanto, após o período de transição, previamente estipulado para o dia 31 de dezembro de 2020, a Irlanda do Norte continuaria a adotar as regras do mercado comum europeu por mais quatro anos, até o dia 31 de dezembro de 2024.

Isto significa que ao final do período de transição, a Irlanda do Norte seria parte do território alfandegário britânico — e não da união aduaneira europeia. O plano do premier prevê ainda que o Executivo da Irlanda do Norte vote para apoiar ou não plano durante o período de transição.

Na prática, a implementação da proposta de Johnson criaria duas fronteiras: uma regulatória para bens manufaturados, agrícolas e alimentos entre o Reino Unido e a Irlanda do Norte e uma segunda, alfandegária, entre as Irlandas.

O plano britânico propõe que os controles físicos sejam feitos nos estabelecimentos comerciais, e não nas fronteiras — concessões que reduzem a necessidade de postos para checagens sanitárias e de segurança na fronteira irlandesa.

Para solucionar a questão alfandegária na região, a proposta prevê que "os movimentos de mercadorias entre a Irlanda do Norte e a Irlanda sejam notificados mediante uma declaração". No entanto, como destaca o Financial Times, nenhuma outra fronteira aduaneira do mundo opera sem postos alfandegários físicos — e a União Europeia teme que isso atraia contrabandistas para a Irlanda do Norte.

Críticas imediatas

Apesar de apoiada pelo Partido Democrático Unionista, do governo de Johnson, a proposta foi rapidamente criticada pelas alas opostas ao primeiroministro, independentemente de sua posição no espectro político.

Em seu Twitter, o deputado de extrema direita Nigel Farage, líder do Partido Brexit, disse que o plano é comparável a colocar "a cabeça na boca de um crocodilo e esperar pelo melhor". Segundo Farage, a proposta muda apenas parte do acordo de transição, não sendo suficientemente forte.

"Inaceitável"

Já Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, disse à BBC que o plano "inaceitável" de Johnson "é pior que o de Theresa May" e "violará o Acordo da Sexta-Feira Santa".

Em uma série de tuítes, o ex-negociador do Reino Unido com a UE durante o mandato de May, Raoul Ruparel, disse que não consegue ver ambos os lados chegando em um lugar-comum. Segundo Ruparel, a proposta de Johnson pode não ser suficiente nem para servir como base para novas negociações pois significaria uma grande mudança no modo como os negócios funcionam na Irlanda e na Irlanda do Norte — criando grandes custos adicionais.

A Associação de Manufaturas da Irlanda do Norte adotou um tom mais brusco, alegando que o novo plano "é pior que um Brexit sem acordo de transição" para as empresas locais. Segundo o órgão, os termos de Johnson significariam que os negócios locais teriam custos que os impediram de ser competitivos.

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