Oportunidade

Desafios da inclusão do surdo no mercado de trabalho

Amanhã, 26, é o Dia do Surdo; é importante entender como as pessoas com surdez podem se inserir no mercado de trabalho; conheça histórias emocionantes de luta e persistência

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

[e-s001]“Perdi a audição com dois anos, depois de cair dentro do poço, no quintal de casa”, conta Laerte José Belford. Após o acidente, a família recebeu a notícia de que a ele havia perdido a audição dos dois ouvidos. Hoje, aos 58 anos, pai de dois filhos, avô de três netos e no segundo casamento, Laerte Belford se considera feliz. “Na época, minha família sofreu muito, mas fazer o quê? Deus quis assim. Sou feliz e tenho orgulho de ser surdo”, afirma.

Apaixonado pelo trabalho, Laerte Belford brinca: “Nasci para trabalhar”. No entanto, mesmo com força e disposição para o trabalho, conseguir um emprego não foi fácil. “Antigamente, era difícil conseguir um emprego, ninguém queria um surdo por perto”, lembra.

Para mudar essa realidade, foi criada em 1991 a Lei de Cotas, que passou a exigir que grandes empresas tenham um número mínimo de colaboradores com deficiência nos quadros de colaboradores - de 2% a 5% do número total de funcionários.

Apesar de 16,7% da população brasileira ser de deficientes auditivos, segundo os dados do IBGE, muitos surdos ainda permanecem desempregados. Porém, na contramão dessa infeliz realidade, em algumas empresas o quadro de funcionários surdos supera os 5%, que é o exigido por lei.

O Grupo Mateus já recrutou 197 surdos no Maranhão no Pará. Segundo Lucidalva Pinheiro, coordenadora do setor de responsabilidade social do Grupo, a contratação cada vez maior de (Pessoas Com Deficiência) PCDs, sobretudo os surdos, é um reflexo do excelente trabalho desempenhado por eles. “Recrutamos cada vez mais surdos por acreditarmos em seu potencial no mercado de trabalho. Enxergamos o surdo como uma pessoa normal, a única diferença entre nós ouvintes e eles é a língua, mas essa diferença é vencida por meio do aprendizado. Eu sempre falo, não é uma deficiência deles é uma deficiência nossa de não saber a língua de sinais. Afinal, o surdo não vai aprender a falar, mas nós podemos aprender a língua deles”, defende.

Recrutamento padrão
Há 9 meses no cargo de frente de loja, Laerte Belford compõe o quadro de colaboradores surdos do Grupo Mateus, em São Luís. “Aqui eu sou tratado como uma pessoa normal, tenho amigos, converso com todo mundo. Eu até ensino meus amigos de trabalho um pouco de Libras”, diverte-se.

Para o recrutamento, o processo de seleção dos colaboradores surdos segue o mesmo padrão dos ouvintes - pessoa sem deficiência auditiva. A única diferença é na hora da entrevista. “Temos um corpo de profissionais do setor de responsabilidade social com qualificação na língua de sinais que auxiliam na interpretação na hora da entrevista com os gerentes, que buscam identificar as habilidades do surdo e a melhor maneira para que ele possa contribuir com o trabalho aqui na empresa”, explica Lucidalva Pinheiro.

Na empresa, quando um colaborador surdo é contratado, ele recebe o acompanhamento dos profissionais com o domínio da língua de sinais para auxiliar no processo de adaptação. “Explicamos os processos, deveres e direitos desses colaboradores dentro da empresa para que não haja dúvidas e que consiga desenvolver o seu trabalho como qualquer outra pessoa”, enfatiza Lucidalva Pinheiro.

[e-s001]A colaboradora Ana Isabel, de 40 anos, recebeu o acompanhamento. “Já trabalho há 6 anos aqui e, quando comecei, recebi o apoio de todos os profissionais. Isso me ajudou a apreender e exercer a minha função como qualidade”, afirma satisfeita.
Surda desde os 5 anos, Ana isabel conhece bem as dificuldades enfrentadas por Laerte Belford para estudar e trabalhar.
“Saí com 15 anos da cidade de Viana, com minha mãe, para São Luís. Apenas quando cheguei que comecei a estudar e só fiz o ensino fundamental. Meu primeiro trabalho foi aqui no Mateus, onde continuo até hoje”.

Para o presidente do Grupo Mateus, Ilson Mateus, estar à frente de uma das empresas com maior número de colaboradores surdos é um orgulho. “Os surdos são pessoas como nós, que lutam e merecem ter seus direitos respeitados. Muitas vezes esse grupo é esquecido na sociedade e nós buscamos de todas as formas fazer com que esses colaboradores se sintam parte e igual a qualquer outro colaborador dentro da empresa”, orgulha-se.

Qualificação para ouvintes
Para qualificar seus colaboradores ouvintes e proporcionar uma maior interação eles e os funcionários surdos, o Grupo Mateus investe na formação deles. “Atualmente, temos como parceiro o CAS - Centro de Ensino à Pessoa com Surdez, que disponibiliza seus professores para ensinarem nossos colaboradores ouvintes o nível básico de Libras. Assim conseguimos proporcionar a eles um contato ainda maior com os colaboradores surdos”, conta Lucidalva Pinheiro.

Em São Luís, o curso já está na quarta turma e em Imperatriz uma turma de gerentes e colaboradores também foi formada. Já no estado do Pará, a primeira turma começou a dar seus primeiros passos. “Com a formação, conseguimos ter a inclusão dos surdos, tanto colaboradores quanto clientes, dentro da empresa”.

Entendemos que investir na formação desses colaboradores é fundamental, tanto para os funcionários surdos quanto para nossos clientes. “Encaramos a formação como o caminho para proporcionar a nossos funcionários e clientes uma comunicação clara e eficiente. Então, para prestarmos esse atendimento, tanto interno quanto externo, a gente precisa também se qualificar”, pontua.

SAIBA MAIS

Treinamento

Assim como os colaboradores ouvintes, os surdos também passam por treinamentos de qualificação e preparação. Os treinamentos, feitos dentro da Niduu - startup de treinamento corporativo através do uso da gameficação, do Grupo Mateus - são os mesmos aplicados aos ouvintes, mas com uma única diferença: a legenda. “O aplicativo de treinamento é acessível aos surdos. Quando há vídeos ou conversa entre os personagens, legendas explicativas aparecem para facilitar o entendimento dos surdos. Dessa forma, conseguimos treinar os colaboradores surdos e ouvintes com o mesmo conteúdo”, conta a coordenadora.
Para garantir treinamentos ainda mais eficazes, interpretações em Libras serão inseridas no aplicativo. “Já estamos na fase final de gravação dos vídeos com os intérpretes. Esses vídeos serão inseridos no canto inferior da tela do próprio aplicativo para que o colaborador surdo tenha um entendimento mais claro nos treinamentos”, finaliza.

Aplicativo traduz sinais de Libras para português

O Brasil conta com 9,7 milhões de deficientes auditivos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Com a tecnologia se expandindo cada vez mais, já existem alguns aplicativos que auxiliam na tradução e ensino de Libras para pessoas não surdas. Inovações também estão surgindo para aproximar cada vez mais surdos e não surdos.
Partindo desse princípio, três estudantes gaúchos inovaram e criaram a primeira plataforma para auxiliar quem não conhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) a se comunicar. O app Charles Tradutor foi idealizado e está sendo concluído por Anderson Maia e Virgilius Santos, estudantes de computação na PUC-RS, e Luisa Scaletsky, estudante de design na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Basta executar os sinais em frente à câmera que a tradução aparece por escrito na tela”, comenta Luisa Scaletsky. Para aprimorar o conteúdo e o modelo de aprendizagem, os estudantes criaram uma área no app para que os usuários possam enviar vídeos com sinais para complementar o banco de dados do Charles Tradutor, sendo recompensados pela ajuda.
A ferramenta desenvolvida pelos estudantes tem como objetivo estimular a comunidade surda a buscar por sinais conhecidos, para que o próprio aplicativo faça a tradução, ajudando na comunicação e na escrita. “Existem diversos softwares que fazem a tradução de português para Libras, porém, não existem programas que façam o contrário”, comenta Luisa.
Segundo relato dos estudantes, no dia a dia, as pessoas com deficiência encontram dificuldades de inclusão, principalmente quando se deparam com a necessidade de escrever. “Nossa ideia foi criar uma plataforma colaborativa, para que a comunidade surda possa filmar seus sinais e receber a tradução por escrito”, comenta Luisa.

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