Investigação

Morte cometida por policial é avaliada

Desde 2017 nenhum caso de morte cometida por policial foi a julgamento; G1 publicou o andamento das 1.195 mortes acompanhadas pelo Monitor da Violência desde 2017; 67 dos casos se enquadram como morte por intervenção policial

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Pessoas mortas por policiais em uma semana de agosto de 2017
Pessoas mortas por policiais em uma semana de agosto de 2017 (Divulgação)

BRASÍLIA - Os casos de mortes cometidas por policiais e acompanhadas pelo Monitor da Violência desde 2017 são os que menos caminham na polícia e na Justiça, apontam os dados publicados pelo G1. Das 1.195 mortes analisadas pelo Monitor da Violência, 67 ocorreram nestas circunstâncias (5,6% do total).

Os casos aconteceram de 21 a 27 de agosto de 2017. Como o levantamento leva em consideração apenas uma semana, os índices encontrados podem não representar com exatidão a realidade de todas as mortes violentas ocorridas no país no ano de 2017, mas são um indicativo de como é o andamento desses casos no sistema criminal brasileiro.

Uma reportagem do Monitor da Violência publicada no ano passado mostra que o Brasil teve 5.012 pessoas mortas pela polícia em 2017. Em 2018, o número subiu 18% e chegou a 6.160.

Na sexta-feira,20, a menina Ágatha Félix, de 8 anos, foi morta durante uma ação da Polícia Militar no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. Família e moradores acusam a polícia, que afirma não haver "nenhum indicativo" de participação do agente na tragédia.

A grande maioria dos policiais que causaram as 67 mortes analisadas não responde até agora aos casos na Justiça nem foi denunciada pelo Ministério Público. Apenas 6% foram denunciados e são réus, contra cerca de 25% na média geral das 1.195 mortes. Além disso, dois anos depois, nenhum caso foi a julgamento.

Em 16% dos casos, os inquéritos policiais foram arquivados sem que o caso fosse levado à Justiça, sendo que a média geral é de 6%. As prisões também ocorreram em pouquíssimos casos — 3%, contra 22% no geral.

"Na prática, quase todos os casos decorrentes de intervenção policial são prontamente arquivados. O problema é que há os casos de legítima defesa e também os casos de execuções que o sistema de Justiça não dá respostas. Dificilmente um policial que mata em serviço será processado, é muito raro", diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, concorda. Segundo ele, há uma cultura de anos no Brasil de considerar que o policial age sempre em legítima defesa.

"Na maioria das vezes, eles dizem que atiraram porque o criminoso atirou primeiro. Isso pode ser verdade em boa parte das ocorrências. Mas muitas vezes não é. E é muito difícil descobrir quando é mentira. O próprio Ministério Público, que devia acompanhar mais de perto, faz muito pouco isso. Casos como esse só vão a júri quando a testemunha decide arriscar a própria vida e falar contra o policial ou quando surge um vídeo como prova, por exemplo. São casos excepcionais, já que durante a investigação se considera o depoimento do policial um depoimento que tem fé pública", diz Bruno Paes Manso.

Maranhão

Cláudio Cabral, promotor do Ministério Público do Maranhão, também diz que poucas mortes causadas por policiais têm andamento na Justiça por conta do tratamento inicial dos casos nas delegacias.

"Quem recebe o caso na delegacia de polícia entende que a morte aconteceu no estrito cumprimento do dever legal, então não vai investigar. Tem que registrar e apurar. Vestígios, indícios de execução deviam ser investigados. A localização do ferimento, por exemplo, na nuca", diz Cláudio Cabral, promotor do MP-MA

Felipe Zilberman, promotor do Ministério Público de São Paulo, afirma ainda que há uma dificuldade muito grande de investigação nestes casos "porque a polícia tem o total controle sobre a cena do crime".

"No momento de uma morte, o mau policial tem ampla possibilidade de alterar a cena do delito: colocar armas que não existiam, recolher cápsulas. Isso tudo dificulta muito o trabalho. Acaba interferindo e favorecendo a impunidade", diz Felipe Zilberman, promotor do MP-SP

Um dos únicos quatro casos em que houve um processo é o do cabo Medeiros, no Rio Grande do Norte. Isso porque ele reagiu atirando contra José Wilson Alves dos Santos, de 58 anos, após ter sofrido três cutiladas com uma peixeira em uma briga de bar, na cidade de Patu.

Ele compareceu a uma audiência de instrução no ano passado, mas ainda aguarda o julgamento em liberdade.

Investigação criminal

O levantamento completo publicado pelo G1 no domingo,22, aponta que quase metade dos casos de morte violenta continua em aberto na polícia dois anos depois que os crimes aconteceram.

O Código de Processo Penal determina que um inquérito policial seja concluído em 10 dias quando houver prisão em flagrante ou 30 dias em caso de inexistência de prisão cautelar. Os delegados, no entanto, podem pedir um prazo maior para elucidar o caso – o que normalmente acontece.

No 1° Encontro Nacional de Diretores de Departamentos de Homicídios, realizado na última semana no Rio, foi aprovada pelos delegados uma recomendação para que as investigações de homicídios no Brasil não ultrapassem o prazo de 24 meses (ou seja, dois anos).

Os novos dados mostram que:

- quase metade dos casos continua com a investigação em andamento na polícia (48% do total, ou 569). A outra metade (595) foi concluída ou arquivada, mas 105 sem solução — ou seja, sem a autoria do crime
- considerando todos os 1.195 casos, a polícia ainda não identificou os autores de 501 deles (42%). O número de inquéritos com autores identificados aumentou desde o último balanço, há um ano, mas pouco — passou de 469 para 492, ou seja, somente 23 novos casos
apenas 22% dos casos (259) tiveram um ou mais suspeitos presos. Desde que os crimes aconteceram, 431 pessoas foram detidas, mas 129 delas já foram soltas
- somente 292 casos (24%) têm autores processados na Justiça. Destes casos, apenas 68 foram a julgamento, e 57 resultaram na condenação de ao menos um réu
das 1.195 mortes, 99 foram classificadas como suicídio pela polícia. No balanço de um ano, eram 104, o que significa que a polícia reviu alguns casos e os reclassificou como homicídio

Para delegados e promotores, a investigação de homicídios vem se tornando mais difícil e complexa com o avanço e a interiorização do crime organizado. Facções do tráfico e milícias têm usado seu poder de fogo e capacidade financeira para esconder provas, ameaçar testemunhas e cooptar agentes da lei, dizem.

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