Artigo

Pagando o preço do pioneirismo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Vou com frequência a Brasília visitar minhas filhas. A cada viagem, a cada aproximação para pousos das aeronaves, a perplexidade diante da visão de futuro de Juscelino Kubitschek. Do alto, vendo a capital do país, imagino aquele planalto antes de 1950. Tenho profunda admiração por esse presidente.

Ainda sobre Brasília, um dos meus raros irmãos com outro gene - Elisabetho Carvalho Soares, o “seu” Beco - mora lá e integra o grupo dos seus pioneiros. Cabeça privilegiada, grande caráter, o cara - esse é seu Beco. Já tomamos muitas por aí. Entre as afinidades, o gosto por Pinheiro, nossa terra.

Dia desses estivemos juntos. Uma tarde inteira. Há tempos não se conversava tanto. Lá pelas tantas, ele resolveu mostrar-me um filme que fizera em 1994 - exatos 25 anos antes - focando basicamente o carnaval de Pinheiro, do qual participamos. Um documentário.

Porque havia outro visitante no nosso grupo, seu Beco deu voltas pela cidade mostrando-a, ao tempo em que registrou tudo. Assistindo ao filme, foi impossível não comparar, mentalmente, os colegas e companheiros de ontem, com os mesmos de hoje. Envelhecidos, todos nós. Alguns já se foram.

Vendo ruas e praças, disse-lhe serem mínimas as diferenças entre as de 1994 e as de 2019. Tive nenhuma vontade de prosseguir com o filme. Sugeri que se projetasse a cidade 25 anos depois, já que, na tela, tinha-se uma Pinheiro 25 anos mais nova. Afirmei que, pelo andar da carruagem, nada, absolutamente nada, indicava que o município teria outro destino.

Esse quadro tanto me intriga quanto instiga. É que, salvo se por salto quântico, como pode nossa terra sair da pobreza? Indaguei-lhe. Mostrei que no último século a riqueza das nações e dos povos ancorou-se em minerais e/ou tecnologias de ponta. Assim, com subsolo pobre e sem qualquer vocação para um “Vale do Silício”, seria fácil imaginar-se o amanhã de nossa terra.

É fato, Pinheiro - como de resto todas as cidades da baixada - mergulhou no que os economistas chamam de “círculo vicioso da pobreza”. É o mesmo que dizer: o município é pobre e tende a tornar-se mais pobre, justo porque é pobre. Trocado em miúdos, não se podendo fazer investimentos e não tendo o município recursos naturais capazes de os atrair, fazer o quê?

Dia desses li “Ecos da Baixada”. Bom livro, belos artigos, declarações de amor, exaltação à beleza etc. Nenhuma ideia capaz sequer de tangenciar o tal círculo vicioso. Desenhei uns escritos sobre o livro. Não os publiquei. Tive receios de os verem como dor de cotovelo porque “não me convidaram para essa festa pobre que os homens fizeram pra me convencer”, como diria Cazuza.

Sei que a sabedoria da natureza sugere que ela só é pródiga com quem alcança sua lógica e a demanda com veneração. Esse saber me diz que nós, os baixadeiros, podemos emergir a partir dos meios de que dispomos. Vejo assim, tanto que, sem queixas, o trazer à luz o novo do velho já me fez investir muitos dos meus 73 anos, muita, muita grana e sem resultados. Até ontem. Hoje não.

Ainda há entraves, porque, na comprovação de novas ideias, há de se “matar a cobra e mostrar o pau”. A rigor, já posso mostrar cobras mortas e os cacetes que lhes tiraram as vidas. Mas ainda falta algo como atestados de óbitos, porque, não raro, burocracias requerem provas além de paus e cobras mortas.

Por fim, na conversa com seu Beco, disse nada sobre os estudos. Ele, como poucos, já ouviu muitas das minhas ideias, embora, de concreto, tenha visto nada. E justo esse fato me trouxe certo acanhamento junto a ele. Bobagem minha, porque, como bom pioneiro, decerto meu velho amigo já se sentiu Pagando O Preço Do Pioneirismo.

J. B. Ribeiro

Adm. empresas e empresário

E-mail: ribeiroj2@msn.com

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