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O estudo censurado da Fiocruz

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Pode parecer coisa de governo Bolsonaro, mas foi o governo Temer que engavetou uma pesquisa sobre uso de drogas em que foram ouvidas 17 mil pessoas em todo o Brasil e que custou R$ 7 milhões. E quem censurou a pesquisa foi a Senad, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça. Justamente o ministério que deveria zelar pela transparência e pela democracia.

O estudo fora encomendado pela própria Senad em 2014 e entregue em novembro de 1916. Foi concebido para mapear e detalhar o uso de drogas no país e, pela primeira vez, incluir áreas rurais e de fronteira.

A Fiocruz , Fundação Oswaldo Cruz, venceu o edital e utilizou 400 pessoas, incluindo pesquisadores de epidemiologia e estatística, entrevistadores de campo e equipe de apoio.

Segundo o Ministério da Justiça, os resultados não foram divulgados porque alegava haver alteração da metodologia usada, o que poderia comprometer a comparação com os levantamentos anteriores. Mas a Fiocruz afirmava que metodologia utilizada foi a mesma que constava no edital e que era equivalente à da Pnad, Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios, do IBGE.

O estudo mostrava os hábitos de uso de 17 tipos de entorpecentes, como os opiáceos, que provocava epidemia de overdoses nos Estados Unidos e sobre os quais não havia informação no Brasil. A pesquisa ainda levantava as consequências do uso de álcool, cigarro e drogas na justiça, no envolvimento com a violência, saúde física e mental, na vida profissional, estudantil e acadêmica, situação financeira e relações familiares e sociais.

E, é claro, segundo os especialistas da área, a falta das informações que essa pesquisa forneceria prejudicou a formulação de políticas públicas. Com impacto na comissão que trabalhava na atualização da Lei de Entorpecentes e do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

Porém, parte do conteúdo do chamado "Terceiro levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira" veio a público em reportagem do The Intercept, em 31 de março. Mesmo site noticioso que está divulgando as conversas indecorosas da Lava Jato e também tinha divulgado os documentos roubados pelo Edward Snowden, o que rendeu um Pulitzer ao jornalista norte-americano radicado no Brasil.

Os dados revelados mostraram que não existe a tal epidemia de drogas que o governo e muitos parlamentares vinham propagando. Ao contrário, por exemplo, cerca de 10% da população já usou alguma droga ilícita uma vez na vida, taxa semelhante a de outros países. O crack foi consumido por 0,9% da população alguma vez na vida, 0,3% fez uso no último ano e apenas 0,1% nos últimos 30 dias anteriores à pesquisa. No mesmo período, a maconha foi usada por 1,5%, e a cocaína, por 0,3% dos brasileiros.

O problema maior, o vilão revelado pela pesquisa é o uso do álcool: 66,4% dos brasileiros já fizeram uso de bebidas alcoólicas na vida, 43,1% no último ano e 30,1% nos últimos 30 dias. É claro que as drogas ilícitas têm que ter uma política de combate global, mas as políticas públicas tem que estar focadas no álcool lícito. Simples assim!

Mario Eugenio Saturno

Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano

cientecfan.blogspot.com

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