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E a lei não protegeu as mulheres

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Ao abrir os sites de notícias de grande projeção no país, é de assustar o aumento do número de feminicídios, apesar de ter havido a previsão legal de uma pena maior para esse tipo de caso, a partir de 2015. Segundo dados colhidos pela GloboNews, os casos de feminicídio aumentaram 76% no primeiro semestre de 2019 na Cidade de São Paulo, comparando com o mesmo período de 2018.

Esse fenômeno de inaptidão da lei para inibir a prática de crimes, em especial contra as mulheres, tem se revelado com força a partir da edição da Lei Maria da Penha. Apesar de tal regramento legal ter estabelecido vários dispositivos de proteção à mulher, a violência doméstica não tem diminuído, ao contrário, aumenta a cada ano.

Os estudos realizados indicam que falta algo mais do que simplesmente elevar a pena dos crimes, é preciso fiscalização das medidas protetivas e aplicação de medidas cautelares de cerceamento de liberdade em caso de reiteradas ameaças. É hora de dar um basta à violência contra a mulher. Não se pode conviver com índices alarmantes de feminicídios.

Esse crime - feminicídio - não deve ser entendido apenas como o homicídio praticado contra a mulher. Na verdade, ele é assim nominado porque se trata de um homicídio praticado em razão do gênero. Quando um feminicídio ocorre, está-se diante de um crime praticado em razão da condição feminina, por isso, a justificativa para ser mais severamente punido.

Espanta a constatação de que oito em cada dez casos de feminicídio tenham ocorrido dentro de casa, sendo a autoria conhecida de ex-maridos e ex-namorados, com a principal causa da violência a não aceitação da separação. Na maioria dos casos, os acusados são presos em flagrante ou no curso da investigação. É certo, também, que quase todos os crimes são esclarecidos com os autores identificados.

É igualmente curioso o fato de os outros crimes violentos, em especial o homicídio, estarem com os índices em queda, enquanto o feminicídio aumenta. A pesquisa realizada pelo G1 e GloboNews verificou que grande parte das vítimas não possuía medida protetiva ou boletim de ocorrência registrado.

Por isso é importante incentivar a denúncia. Basta ver que a estrutura das varas de violência doméstica e das delegacias de proteção às mulheres tem melhorado bastante. O trabalho realizado em São Luís pela juíza de Direito Lúcia Helena Heluy e pela delegada de polícia Kazumi Tanaka é digno de louvor, mas a mulher violentada precisa ser encorajada a procurar os serviços da Casa da Mulher.

Tive a oportunidade de orientar na Universidade Ceuma o trabalho de pesquisa da aluna Rafaela França e uma das constatações a que se chegou é que não basta o agravamento das penas como fator de controle da criminalidade violenta contra a mulher. É necessário muito mais, em especial a implantação de políticas criminais e públicas de proteção à mulher.

Não se pode simplesmente resumir o esforço à alteração da legislação criminal, criando-se novos tipos penais. É preciso um investimento de alcance global, com políticas públicas a serem adotadas em curto, médio e longo prazo. A sociedade não pode assistir impassível ao aumento desse fenômeno criminológico, como se não fosse do interesse de todos.

Se os órgãos de segurança pública têm conseguido diminuir a criminalidade violenta, conforme se alardeia por meio da imprensa, não se justifica termos especificamente um aumento dessa mesma violência contra a mulher. Medidas urgentes devem ser adotadas. O momento exige união de todos em favor da vida.

Roberto Veloso

Ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE

@robertoveloso_


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