Reação

''Autonomia do MPF está em risco'', diz procurador rejeitado por Bolsonaro

Subprocurador-geral da República, Mário Bonsaglia criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro, que indicou para o comando do Ministério Público Federal o colega Augusto Aras, que não estava na lista tríplice

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
(Mário Bonsaglia)

SÃO PAULO - Pouco depois de saber da escolha de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, o primeiro colocado na lista tríplice feita pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o subprocurador-geral Mário Bonsaglia, criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro.

Ele afirmou que "a autonomia institucional do MPF corre claro risco de enfraquecimento diante da desconsideração da lista tríplice". Aras foi anunciado por Bolsonaro na tarde da quinta-feira, 5, e terá de ser aprovado pelo Senado antes de assumir o cargo.

Bonsaglia é um conservador que fez carreira na área criminal. Já esteve duas vezes na lista tríplice da associação, mas pela primeira vez havia sido o mais votado pela categoria - obteve 478 votos. Recebeu o apoio de integrantes de forças-tarefa importantes, como as das operações Lava Jato, Zelotes e Greenfield.

Também teve o nome defendido pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Para Bonsaglia, o uso da lista tríplice para a escolha do novo procurador-geral não se tratava de mera "questão corporativista". "Mas de interesse para toda sociedade, que é beneficiada pela atuação independente do Ministério Público."

"A lista funciona como um contrapeso ao poder presidencial de escolha. Isso fica muito claro no âmbito dos MPs estaduais. E confere também transparência quanto às propostas dos candidatos e ao que pensam sobre os mais diversos temas", afirmou o subprocurador-geral. Diante da decisão de Bolsonaro de romper com uma tradição iniciada em 2003 e escolher um candidato fora da lista para dirigir a instituição, Bonsaglia defendeu que a obrigação de se respeitar a lista se torne lei.

"A constitucionalização da lista tríplice para escolha do PGR é uma necessidade para consolidar a autonomia que a Constituição já prevê para o Ministério Público. Há uma evidente lacuna no texto constitucional com relação ao MPF. Todos os demais 29 Ministérios Públicos contam com previsão normativa da escolha de seu procurador-geral por meio de lista tríplice", afirmou.

O subprocurador-geral lamentou a quebra da tradição. Foram cinco procuradores-gerais que haviam sido escolhidos com base na lista até agora. "Era uma tradição que se estava solidificando." Bonsaglia repetiu o que havia dito horas antes pelo Twitter, quando chamou o dia da escolha de Bolsonaro de "melancólico" para o MPF. E concluiu da mesma forma, dizendo que se trata de "um retrocesso de décadas para a instituição".

O novo PGR terá pela frente decisões como definir o modelo de preenchimento de cargos nas forças-tarefa do MPF. Deve ainda escolher o novo vice-procurador-geral e o vice-procurador-geral eleitoral. Também deve nomear - ouvido o conselho do MPF - o procurador federal dos direitos do cidadão.

Por fim, deve representar o MPF em julgamento no STF, em casos como a descriminalização da maconha e sobre a decisão do ministro Dias Toffoli que paralisou as investigações do inquérito sobre organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Raquel Dodge é a primeira no comando da PGR a não ser reconduzida em 14 anos

Além de ignorar a lista tríplice dos procuradores, o presidente Jair Bolsonaro quebrou outra tradição ao escolher o subprocurador Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR). A procuradora-geral Raquel Dodge é a primeira a não ser reconduzida ao cargo nos últimos 14 anos. Com exceção de Cláudio Fonteles, em 2005, todos os demais ocupantes do cargo desde a Constituição exerceram ao menos dois mandatos. Diferentemente de Raquel, porém, Fonteles não concorreu.

A partir de 1988, o procurador-geral da República passou a ser escolhido obrigatoriamente dentre os membros da carreira e ganhou independência funcional, não podendo ser demitido. A escolha é do presidente da República, mas depende de aval do Senado Federal. Cada mandato tem dois anos, com a possibilidade de recondução.

O primeiro a ser nomeado neste formato foi Aristides Junqueira, que ficou no cargo até 1995. Deu lugar a Geraldo Brindeiro, reconduzido três vezes pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

A tradição de escolher um nome a partir da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) começou em 2003, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele indicou Cláudio Fonteles, o mais votado da categoria.

Fonteles, porém, optou por não tentar uma recondução dois anos depois. Ele apoiou o número 2 do Ministério Público Federal, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, que ficou em primeiro na lista da ANPR, sendo reconduzido em 2007.

Depois de Antonio Fernando vieram Roberto Gurgel e Rodrigo Janot, que ocuparam dois mandatos cada.

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