100 anos

"Melhor bom nome do que muitos teres"

Em seus 100 anos de vida, Rosalino Diniz, ou simplesmente "Seu Rosa", deixa a herança das boas ideias, da perseverança, alegria e muita vontade de viver

José de Oliveira Ramos / Especial para O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Seu Rosa  inovou a maneira de comercializar produtos no interior do  estado
Seu Rosa inovou a maneira de comercializar produtos no interior do estado (Seu Rosa)

Foi no fim da segunda dezena do século XX, em pleno ciclo do arroz e da cana-de-açúcar, quando o Maranhão era governado por Urbano Santos (Partido Republicano Maranhense-PRM), que nasceu, na “Terra da Carambola”, o menino determinado, que até resolveu um dia trocar de nome: Rosalino Mendes Diniz.

Fundado a 27 de agosto de 1856, o município de São Vicente Férrer, que fora elevado à categoria de Vila por meio da Lei Provincial 432, sendo desmembrado do então município de São Bento dos Perizes, passou a conhecer o dia 4 de setembro de 1919, também, como data festiva. Mas foi somente em 1864 que, com terras que eram partes de São Bento e Viana, nasceu oficialmente o atual município de São Vicente Férrer. Pois, nascido a 4 de setembro de 1919, há exatos 100 anos, no ainda hoje Caminho Novo, povoado do município de São Vicente Férrer, Rosalino Mendes Diniz, um dos quatro filhos do casal Januário Pinto Diniz e Máxima Diniz, nessa longeva permissão de Deus, abriu neste dia a porteira da sua simples e humilde residência, no povoado Florença, às margens da MA-014, em São Vicente Férrer, para receber uma maioria de familiares, e grande número de amigos – embora lamentando a ausência dos que já se foram.

Seu nome
Ali nasceu, no começo do século passado, aquele que, inicialmente, recebeu na pia batismal da Igreja Matriz São Vicente Férrer, no mes­mo município, o nome de Rosa Ormínio Diniz. Como a lei vigente permitia, alguns anos depois, numa rápida passagem por São Luís, num cartório existente no bairro do Anil, mudou o nome, em definitivo, para Rosalino Mendes Diniz.
Seu Rosalino, ou “Seu Rosa”, para os da convivência diária, ou ainda “Rosa Gusmão”, para a maioria dos vicentinos, não conheceu o pai biológico, Januário Pio Diniz, falecido no dia 12 de março de 1919, deixando Máxima Diniz grávida de Rosalino, que viria a nascer seis meses depois.

Quando Seu Rosa nasceu, já estavam no mundo os irmãos Francisco, Estevão e Justino. A viuvez de Máxima Diniz e as dificuldades normais da vida que passaram a enfrentar ganharam a solidariedade dos familiares mais próximos. Foi então que o irmão, José Gusmão, com a autorização de Máxima, “adotou” na prática, Seu Rosa.

Esperto e trabalhador que era, e, no ponto de ajudá-lo no dia a dia no comércio, atendendo fregueses e crescendo para a vida. Ali, Rosalino viveu e aprendeu, antes de bater asas para São Luís, em busca de novos horizontes. A partir daí, a vida de Seu Rosa passou por transformação radical e definitiva.

O varejista
Naquele instante da “adoção” informal, estava nascendo em São Vicente Férrer, mais precisamente no “Caminho Novo de Januário”, um ativo e inteligente caixeiro, que era como muitos chamavam, nos idos tempos, o auxiliar do comércio ou da bodega.

Rosalino, ou Rosa Gusmão, era capaz de tudo que garantisse muitas vendas e o melhor para a família. Entendeu que muitos não tinham condições financeiras pa­ra pagar o valor de 1 kg de café em grãos, ou por um litro de querosene ou, ainda, por 1 kg de açúcar mascavo ou branco.Teve a ideia e apoio de José Gusmão (dono do comércio varejista) e passou a vender tudo em pequenas porções. Uma caixa de fósforos, com 40 palitos, foi dividida em oito porções de cinco palitos cada, e vendida com mais facilidade. Usan­do o termo dos dias de hoje, a iniciativa de Rosalino “bombou”.

Mas foi a partir de quando começou a pôr em prática essas ideias, apenas com o objetivo de ajudar aqueles que não tinham dinheiro suficiente para arcar com grandes despesas, mas tinham o direito de usufruir das “coisas novas” tanto quanto os demais, que Seu Rosa começou a compreender, também, que nem to­dos são iguais – e que, nesse Brasil, muitas dessas diferenças são mostradas, também, a partir da cor da pele.

O comércio varejista não era grande quanto hoje. Era pouco, e tinha o domínio de uns poucos comerciantes mais abastados. Além disso, muitos precisavam se deslocar em situação difícil até a sede municipal, às vezes, apenas para comprar pequenas porções de querosene para usar na lamparina à noite, açúcar para adoçar o café matinal, ou o próprio fósforo para acender o fogo.

Diferentemente do que é praticado hoje, tudo era fiscalizado pelas Coletorias. O responsável pela fiscalização e arrecadação de impostos nos municípios era o coletor. Esse, com hábitos e educação impostos pela formação familiar “de antigamente”, acon­selhava muito mais que multava e punia.Foi naqueles longínquos anos que Rosa Gusmão recebeu no seu estabelecimento a visita de um coletor.

Sem procurar se exibir e compreendendo a humildade e as boas intenções do comerciante ascendente, o coletor, em vez de “multar e punir” Rosa Gusmão, apenas o convidou a legalizar sua atividade, a fim de efetuar o pagamento normal dos impostos, da mesma forma que aqueles que se consideraram prejudicados pela “tática de vendas” desenvolvida pelo jovem caixeiro, Rosalino Mendes Diniz, que lhes tomou quase toda a freguesia. Afinal, o comércio também é uma forma de concorrência.

Naquele comércio Rosa Gusmão usava a colher como “medida padrão”, possível de ser adquirida e paga pelo comprador, gerando satisfação e atendimen­to, e vendia uma colher de óleo, duas colheres de corante, duas colheres de tempero seco, meio quilo de sal, uma quarta de açúcar, duas medidas de querosene, cinco palitos de fósforos e até uma banda de “pílula contra”, sobre a qual se afirmava ser “contra” qualquer doença, menos gra­ve.

Detalhe que ficou marcado para aqueles tempos foi que qualquer produto que não era líquido era embrulhado (embalado) em papel de embrulho, ou sacos feitos de papel pelos próprios comerciantes, com folhas de revistas usadas.

Nova vida
Eis que chegou o dia 29 de novembro de 1947. Não apenas um dia de festas, mas um dia para a vida de Rosalino Mendes Diniz tomar um novo rumo. O dia do casamento com Aurina Fonseca Barros. Seu Rosa tinha 28 anos quando casou pela primeira e única vez, mas já tinha o primeiro fruto: Adelaide dos Anjos Costa, filha dele, com Raimunda dos Anjos. Sem estrutura familiar para criar a primeira filha, ela foi praticamente adotada pela avó materna, Máxima Diniz.

Mas esse foi apenas o começo. Ao completar 100 anos de vida, Rosalino Mendes Diniz contabiliza 24 filhos, 59 netos, 48 bisnetos e três tataranetos. Dos primeiros, ele menciona os nomes: Reinaldo, Obede, Pura, Joãozinho, Rosalino, Romilda, Maria das Mercês, Reginaldo, Arnaldo, Antônia, José Ribamar, Francinete, Rosalina, Iraneida, José Maria, além dos falecidos: Agnaldo, Haroldo, Bento, Manoel, Juarez, Maria de Jesus, Pedro. Lembrando de todos, e até contando históricas passagens da vida de cada um, com memória de causar inveja.

Saúde é um bem dado por Deus
Com 100 anos de boa vivência, batendo palmas na porteira da residência na Florença, Rosalino Men­des Diniz, por todo esse longo século tem algumas marcas próprias: praticar sempre o bem à qualquer pessoa. “A prática do bem é um antídoto à qualquer mal que exista na Terra”, diz.

Para ele, quem planta mandioca, jamais vai colher abacaxi. Todos somos o reflexo e o resultado do que comemos e do que fazemos. Resposta para isso, é que, com os 100 anos entrando casa a dentro, Rosalino não sofre de diabetes nem hipertensão. Alimenta-se com o que a natureza lhe permite colher – fruto do que plan­tou.

Há alguns anos – mais de 30 – Seu Rosa mantém, em terras de sua propriedade, um piscoso açude, de onde retira, quase diariamente, parte do alimento para si e a família. A farinha consumida é fruto da “farinhada” feita com a mandioca que planta em terras de sua propriedade – é herdeiro, e vai deixar herança física, além de vas­ta enciclopédia de valores morais e religiosos para os filhos, netos, bisnetos e tataranetos, que continuarão o que começou, quando veio ao mundo com a graça de Deus, no dia 4 de setembro de 1919.

Veios ligados à cultura
Seu Rosa não frequentou escola formal. O que sabe aprendeu em poucas idas a uma escola comunitária, e nas brincadeiras que, no passado, as crianças se juntavam para “brincar de escola” – quando alguns eram professores e outros, alunos.

Mas sempre foi ávido em aprender algo além do que o viver a vida lhe ensinou pelos caminhos das dificuldades enfrentadas, e vencidas. Era fácil, a quem se dirigia ao comércio de Rosa Gusmão, encontrá-lo com lápis e caderno nas mãos, rabiscando e tentando aprender alguma coisa. Se tinha dificuldades, pedia informações a quem passava no comércio.

Foi assim que fez muitas amizades com pessoas mais “escoladas” que ele. Entre essas pessoas, ele, orgulhosamente, cita mestre Filipe de Sibá, vicentino como ele e amigo de infância, que galgou patamares diferentes no Maranhão e no Brasil. Pois, ainda que sabendo pouco, Seu Rosa tinha o prazer e se sentia feliz, quando conseguia “passar à frente, para os que sabiam menos”, o pouco que aprendera.

Como diz parte da letra da música composta e cantada por Gonzaguinha, “Viver, e não ter a vergonha de ser feliz, cantar, e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz” e, finalizando os versos, “Eu sei, eu sei que a vida devia ser bem melhor, e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita”.

É assim que seu Rosalino Mendes Diniz, ou simplesmente Seu Rosa, está chegando aos 100 anos de vida: enfrentando os obstáculos e plantando boas sementes para colher bons frutos.

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