Artigo

A família SIMS

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Já ouviu falar da família Sims? Não? Deixe-me apresentá-la. Trata-se de um jogo de computador que consiste em dar vida a uma família. O jogador idealiza desde a construção da casa em que eles vão habitar, seu mobiliário e equipamentos; estabelece o comportamento de cada um, os negócios em que serão envolvidos e tudo o mais que se possa imaginar. Paralelamente a isso, também podem ser estabelecidos alguns objetivos econômicos e sociais a serem alcançados pela família. Se, apesar de todas as tentativas para induzi-la ao sucesso, a "família", não progride ou simplesmente deixa de agradar ao jogador, pode ser deletada, quer dizer simplesmente exterminada, para dar lugar a alguma outra - o que confere ao planejador cibernético o divino poder de criação e destruição. Trata-se, pois, de um jogo fascinante e perigoso.

Aliás, essa prática de solucionar as coisas desistindo delas ou eliminando os oponentes, afastando os aborrecimentos inerentes ao enfrentamento, é useiro e vezeiro em novelas televisivas. Quando os antagonistas impedem a felicidade dos mocinhos e mocinhas, a solução é matá-los ou enviá-los para uma longa viagem sem volta. Ou, até mesmo, quando o personagem é gente boa, mas sua permanência impede o final feliz dos protagonistas, pode estrategicamente desaparecer. O que importa é dar ibope.

Como o pensamento da gente voa. Queria discutir, colocar algumas dúvidas que me perseguem a cabeça de educadora e de avó sobre a influência dos jogos eletrônicos na educação das crianças e acabei nesta prebenda. Mas os jogos eletrônicos e os fatos comentados não deixam de estar entrelaçados. Há pontos em comum entre eles: o imediatismo, o desestímulo às coisas conseguidas com esforço e perseverança e o fascínio de que tudo pode ser mudado com o toque de um botão.

Quem nunca se pegou desejando que determinada figura que atravanca seus planos, sejam amorosos, profissionais ou familiares, no mínimo, desaparecesse? Tão fácil! Eliminaria tantas lutas e aborrecimentos. Você, pessoa ética, logo afasta esse pensamento. Nunca faria qualquer coisa que prejudicasse alguém, quanto mais... Mas, quem sabe, Deus? Aí, então, é diferente... E é nessa capacidade de realizar virtualmente o que não temos licença para fazer na vida real que reside o perigo maior do danado do joguinho.

Mas confesso que minha segurança está abalada. Estou confusa a respeito da atitude a ser tomada. Estarei defasada como educadora para agir na era da cibernética.? Será minha atitude semelhante à dos educadores que condenavam as revistas em quadrinhos, deleite da minha infância (que até hoje curto), como empecilho ao desenvolvimento do gosto pela verdadeira leitura? Não seria esta experiência virtual importante para treinar tomadas de decisão futuras? Ou mesmo para adquirir rapidez de raciocínio? Estarei privando a minha descendência de desenvolver aptidões no seu momento histórico? E lembro agora dos escritores famosos que tiveram seus amigos de infância imaginários, entre eles, Fernando Pessoa, que vivia cercado de heterônimos para os quais inventou tudo, até data de nascimento, profissão e endereço. Estarei abortando o talento de um artista ou de uma cientista? Oh, meu Deus, dúvidas são piores que muriçocas. Vocês estão preparados para responder a essas perguntas? Se não, bem-vindos ao clube dos pais, avós e educadores perplexos da era da cibernética.

Ceres Costa Fernandes

Mestra em literatura e membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: ceresfernandes@superig.com.br

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