Vida Ciência

Missão Gaia: uma nova era da Astronomia

O interesse e o alcance científicos dependem do alvo e da precisão da medida, e a grandeza mais importante é a distância do astro à Terra

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Na 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Campo Grande (MS), fui convidado para participar como apresentador e debatedor da conferência do cientista Ramachrisna Teixeira, doutor em Astronomia e Astrofísica pela Universitè de Bordeaux I e Livre Docência pela Universidade de São Paulo (USP). Ele, atualmente, é professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG). No presente artigo, faremos um resumo dessa conferência com base nas bibliografias e nos resultados apresentados.

Antonio José Silva Oliveira e Ramachrisna Teixeira / Especial para O Estado

[e-s001]A Astronomia é uma ciência natural que estuda corpos celestes e fenômenos que se originam fora da atmosfera da Terra. Ela é dividida entre a astronomia observacional e a astronomia teórica, considerada uma das mais antigas e interdisciplinares das ciências. É realizada de forma observacional da luz que reflete, ou que é emitida por astros e planetas. Podemos, então, dizer que a Astronomia é uma ciência que estuda a luz dos astros de forma observável e sua base de conhecimento está na medida da intensidade e da direção. A teórica desenvolve modelos analíticos que descrevem objetos e fenômenos astronômicos. As duas se complementam, com a teórica procurando explicar os resultados observacionais, e as observações sendo usadas para confirmar (ou não) os resultados teóricos.

O interesse e o alcance científicos dependem do alvo e da precisão da medida, e a grandeza mais importante é a distância do astro à Terra. Com a distância, podemos determinar dimensões, estruturas, cinemática, dinâmica, luminosidades, massas, idades, matéria escura, entre outras propriedades dos astros. Para a distância, pode-se utilizar a medida do ângulo de paralaxe, que é a diferença na posição aparente de um objeto visto por observadores em locais distintos. Para você, leitor, entender a medida paralaxe, basta se posicionar com o braço esticado, levantando o dedo indicador em sua frente. Feche um olho e referencie um objeto. Em seguida, feche o olho que estava aberto e abra o outro, sem mover o braço. Você deve notar que o seu dedo parece se deslocar em relação ao fundo.

Uma unidade utilizada na astronomia é ano-luz, símbolo a.l., que corresponde à distância que a luz viaja no vácuo em um ano terrestre. Essa unidade geralmente é usada para medir distâncias de objetos fora do Sistema Solar.

[e-s001]Outro ponto importante é a precisão de suas medidas. A primeira medida astronômica realizada foi o tamanho da circunferência da Terra, feita por Erastóstenes (276 – 194 a.C), com uma precisão de aproximadamente 1000” (mil segundos de arco). Um segundo de arco é equivalente a um ângulo igual a 1/60 de um minuto de arco, ou 1/3600 de grau, ou 1/1296000 do círculo. Nesse caso, a medida média da circunferência hoje é de 40.075 km contra 39.700 km encontrada por Erastóstenes com um erro de cerca de 375 km, correspondendo a aproximadamente  ≈ 4/(360x60x60)x1000) segundo de arco.

Com precisão 10 vezes melhor, Tycho Brahe acumulou muitas observações das posições planetárias com as quais Kepler pôde descrever os seus movimentos. Já no início do século XX, com uma precisão muito melhor, em torno de 0,1’’(um décimo de segundo de arco), foi possível medir o desvio da luz e confirmar que a gravidade é uma propriedade do espaço (Einstein, 1915), e não dos corpos (Newton, 1687).

[e-s001]Outra unidade de medida para as distâncias galácticas e extragalácticas é o parsec (símbolo pc), equivalente à distância de um objeto cuja paralaxe anual vale um segundo de arco (1”). A palavra parsec vem da junção de “paralaxe” e “segundo” quando escrito em inglês (second).

Em 1989, foi lançado pela Agência Espacial Europeia o satélite astrométrico Hipparcos (High Precision Parallax Collecting Satellite), dedicado a medir as distâncias, os movimentos no céu e o brilho de 120 mil estrelas pré-selecionadas. Os resultados foram publicados em 1997, com precisão de 0,001” (um milésimo de segundo de arco). Alguns resultados importantes da missão Hipparcos foi a classificação correta de cerca de 40% de estrelas vizinhas, as primeiras boas paralaxes das estrelas Cefeidas e a correção de 10% na escala da distância do Universo.

Em dezembro de 2013, foi lançado, a partir da base de Kourou, na Guiana Francesa, o satélite Gaia, com o objetivo de realizar medições astrométricas, determinando as posições, as distâncias e os movimentos de estrelas no céu com uma precisão de aproximadamente 0,000010 segundos de arco (10 microssegundos de arco), além de medidas fotométricas e espectroscópicas que permitem determinar a luminosidade e as velocidades radiais de mais de um bilhão de objetos.

[e-s001]Os principais componentes do satélite Gaia são um telescópio dual, um link de dados permanentes de 75Mbits/s operando 8 horas por dia em uma taxa equivalente a uma ADSL (Linha Digital Assimétrica para Assinante) e um fotômetro com resolução de um bilhão de pixels capaz de detectar estrelas com luminosidade 400.000 menor que a vista a olho nu.

O telescópio do Gaia é composto de dois espelhos primários compartilhando um plano focal comum. As duas direções são separadas por um ângulo altamente estável. A luz de um objeto celeste entra no arranjo através de uma das duas aberturas, atingindo o grande espelho primário oposto. A luz é refletida pelos espelhos primários, e os dois feixes são focalizados por outros espelhos ao longo de uma distância focal total de 35 m, com os dois caminhos de luz se encontrando no plano focal.

[e-s001]No plano focal, está um grande mosaico de dispositivos de carga acoplados (CCDs), sofisticados e personalizados, detectores de luz essencialmente do mesmo tipo que os encontrados em uma câmera digital.

O conjunto do plano focal compreende um total de quase um bilhão de pixels (um “gigapixel”), comparado aos poucos milhões de uma câmera digital típica. Conforme a espaçonave gira lentamente, a luz do objeto celestial passa através do plano focal.

Dessa forma, Gaia constantemente varre o céu inteiro girando e gradualmente precessionando, com cada objeto sendo observado cerca de 70 vezes no decorrer da vida útil operacional. Portanto, Gaia está criando um mapa tridimensional da Via Láctea e galáxias vizinhas. As medições espectrofotométricas vão fornecer propriedades físicas detalhadas de cada estrela observada, caracterizando a sua luminosidade, temperatura efetiva, gravidade e composição química. Gaia também será capaz de descobrir asteroides com órbitas que se situam entre a Terra e o Sol, uma região em que é difícil o monitoramento por telescópios terrestres.

Os primeiros dados coletados foram divulgados em setembro de 2016, em levantamento conhecido como DR1 (do inglês, “data release”), que apresentou distâncias e movimentos de 2 milhões de estrelas. Em abril de 2018, novos dados, baseados em 22 meses de observações, foram revelados (DR2). Dados baseados em um número maior de observações, portanto mais precisos. A missão toda estava prevista para durar 60 meses, mas agora foi estendida por pelo menos mais 24 meses.

[e-s001]Até o momento, foram detectados posição e brilho de uma quantidade maior que 1,7 bilhão de estrelas, o conjunto de posições, movimentos no céu, paralaxe, brilho e cor de 1,3 bilhão e 550 mil quasares, posição, brilho e órbita de 14 mil asteroides conhecidos e desconhecidos. No futuro, espera-se repetir a experiência Gaia, mas com observações no infravermelho próximo e assim penetrar em regiões obscuras, desvendando a dinâmica interna da Galáxia.

Com os dados fornecidos pela missão Gaia, as pesquisas astronômicas vão se beneficiar por várias décadas, por conta do mapa celeste tridimensional sem precedentes na história da Astronomia. Estamos hoje em condições de contar a história de nossa galáxia, a Via Láctea, nos mínimos detalhes e com um grau de confiabilidade que há pouco tempo nem sonhávamos.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.